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    ILUSTRAÇÃO: PAULA CARDOSO

questões eleitorais

A riqueza como regra de campanha

Candidatos do Novo aos governos e Senado repetem padrão Amoêdo e são até três vezes mais ricos, em média, do que os adversários

Luigi Mazza, Luiza Miguez e Yasmin Santos | 21 ago 2018_10h21
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Candidato mais rico à Presidência da República, o empresário João Amoêdo, do Partido Novo, declarou um patrimônio de 425 milhões de reais à Justiça Eleitoral. A cifra equivale a mais de 12 vezes a média das declarações de bens dos adversários. Em sua primeira eleição aos principais cargos do executivo e legislativo, o Novo mostra que candidaturas ricas viraram um padrão do partido. Nas disputas estaduais, os cinco candidatos a governador pela sigla declararam, em média, um patrimônio de 37,5 milhões de reais. É mais do que o triplo da média dos candidatos de outros partidos.

No Senado, a regra das candidaturas abastadas se repete. E o partido, embora seja pouco representativo nas pesquisas de intenções de votos até aqui, pode se gabar, pelo menos, de ter as contas bancárias mais expressivas destas eleições. Para uma sigla que se nega a receber recursos do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário, isso conta, e muito.

O presidente do Novo e ex-executivo do Unibanco, Moisés Jardim, afirmou que a sigla não permite o uso de patrimônio pessoal em campanha. “Não temos nenhum candidato com essa disposição de autofinanciamento. Nós desestimulamos claramente.” A maior parte dos recursos destinados a campanhas, afirmou Jardim, provém de empresários e apoiadores identificados com o partido. Apenas 10% são oriundos de vaquinhas online, os chamados crowdfunding.

Mas a orientação pode não valer na prática. Em entrevista à piauí, o advogado Marcelo Trindade, candidato do Novo ao governo do Rio de Janeiro, disse que seu patrimônio também deverá ser usado em sua campanha. “O nosso financiamento é todo privado, tanto por meio de pessoas físicas, como da minha própria colaboração direta com meu aporte pessoal”, afirmou.

O aporte do candidato não é pouca coisa. Ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários, Trindade disputará o governo do estado com outros onze candidatos. Somados, seus adversários têm 21,9 milhões de reais de patrimônio declarado; sozinho, ele declarou ter 82,9 milhões. Uma distância de 70 milhões de reais o separa do segundo candidato mais rico, o advogado Índio da Costa, do PSD.

O Novo também lidera as contas bancárias em disputa pelo governo de Minas Gerais, onde o empresário Romeu Zema concorre com um patrimônio declarado de 69,7 milhões de reais. No Rio Grande do Sul, o candidato da sigla ao governo do estado e ex-presidente do banco Banrisul, Mateus Bandeira, tem o maior patrimônio dentre os postulantes: declarou 25 milhões ao TSE. O patrimônio individual de seus adversários, somado, não ultrapassa 2 milhões.

Em São Paulo e no Distrito Federal, embora não sejam os mais ricos, os candidatos do Novo declararam cifras milionárias. Rogério Chequer, um dos líderes do movimento Vem Pra Rua e sócio da empresa Soap, disputa o governo paulista com uma soma de 9 milhões de reais em bens declarados. Já Alexandre Guerra, herdeiro e sócio da rede de fast-food Giraffas, declarou 1,8 milhão de reais ao TSE para tentar a eleição ao governo do Distrito Federal. Seu patrimônio é o mais modesto dentre os candidatos do partido a cargos executivos.

À piauí, Guerra afirmou que o Novo está “fazendo a revolução” e que, “como em qualquer revolução, é preciso esforço”. Ele discorda que a exigência de financiamento privado a candidatos do partido implique que apenas milionários se candidatem. “Uma pessoa que queira ter liderança política tem que ter conexões. Se ela tiver representação, mesmo sem recurso, consegue engajar para fazerem doações”, disse. Ele avalia que sua campanha custará “menos da metade do total permitido” – o que, considerando o teto de gastos no primeiro turno, equivaleria a 2,5 milhões de reais. Com menos de cem doadores, a página no Apoia.org onde o candidato recebe suas doações tinha angariado até o início de julho pouco mais de 5 mil reais de pessoas físicas.

O empresário criticou ainda o que ele acredita ser uma visão preconceituosa sobre o patrimônio milionário dos novistas. “Não pode ficar de demagogia e falar que financiamento público é para quem não tem recurso. Uma palhaçada usarem a desculpa de representatividade para justificar o Fundo Partidário”, disse.

É a mesma opinião do candidato ao governo do Rio. “Dizer que o Novo protege interesse dos ricos e poderosos porque é um partido de ricos é uma acusação ridícula”, disse Trindade. “Não se pode querer que um partido seja 100% identitário.”

 

A riqueza não é um caso à parte, mas regra dentre os candidatos do Novo. Além da corrida pela Presidência e por governos estaduais, os novistas são os mais ricos também na disputa por vagas no Senado. Os candidatos do partido farão campanha tendo um patrimônio médio de 8,8 milhões de reais. À exceção do candidato do Solidariedade Fernando Marques, que declarou uma fortuna de 667 milhões de reais, os seus adversários concorrerão com uma média de 2,4 milhões de reais.

Apesar do limite de gastos ser igual para todos os candidatos, os patrimônios pessoais expressivos podem favorecer representantes do Novo nas disputas eleitorais, avalia o cientista político e professor da FGV Cláudio Couto. “É provável que os candidatos, em geral, não atinjam o teto. Os que tiverem dinheiro próprio poderão aumentar esse patamar e fazer uma campanha mais rica do que aqueles que só dependem de financiamento público.”

Para ele, o argumento de que candidatos sem recurso podem se firmar no partido por meio da mobilização é “cínico ou ingênuo”. “Não são todos os que vão convencer os demais a financiar sua campanha, sobretudo se os outros também não tiverem recursos. Supor que essa lógica seja aplicável ao conjunto do sistema partidário é transformar a democracia numa plutocracia, em que governa quem tem mais dinheiro.”

A postura do Novo, afirmou Couto, se apoia na visão disseminada de que recursos públicos servem ao enriquecimento pessoal de políticos. Segundo pesquisa CNT/MDA divulgada nesta semana, 77% dos brasileiros são contrários ao uso do Fundo Eleitoral para campanhas. Ao mesmo tempo, 96% afirmam que não pretendem fazer nenhuma doação a candidatos este ano.

“Do ponto de vista do senso comum, o dinheiro público estaria sendo usado para financiar a carreira dos outros. Mas, na verdade, o objetivo, em teoria, é assegurar que a distribuição desses recursos garanta a representação democrática”, disse o cientista político.

Presidente do Novo desde julho de 2017, Moisés Jardim afirma que o patrimônio pessoal dos filiados não é levado em conta na escolha dos candidatos. Os postulantes a cargos proporcionais, como deputados e senadores, passam por um longo processo seletivo que inclui envio de currículo, prova e entrevistas. Os que almejam cargos executivos, por sua vez, são selecionados individualmente pela cúpula do partido.

“Identificamos as pessoas que preenchem requisitos prévios que definimos para determinado cargo majoritário. A questão de sucesso ou histórico profissional, por exemplo, e a possibilidade de tocar sua própria campanha”, afirmou Jardim. “Acho natural que a pessoa que goste da ideia e queira se entregar a ela tenha uma situação financeira mais bem resolvida. São pessoas que não têm por que esconder seu patrimônio. Esse é um grande selo para os candidatos do Novo.”

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