O ritmo das mudanças provocadas por robôs e computadores nas profissões vai se intensificar nas próximas décadas, e os trabalhadores têm poucas ilusões sobre o que esse futuro lhes reserva. Uma pesquisa do Pew Research Center, com sede em Washington, divulgada nesta quinta-feira, mostra que a maior parte dos trabalhadores de dez países – incluindo o Brasil – acredita que a crescente automação em quase todos os setores da economia deve piorar a qualidade do emprego e a remuneração.
Segundo o estudo, 90% dos brasileiros de 18 a 29 anos acreditam que em cinquenta anos as máquinas farão a maior parte do trabalho hoje exercido por humanos. Esta faixa etária está significativamente mais preocupada com os efeitos da automação sobre as profissões do que as gerações anteriores – entre trabalhadores de 30 e 49 anos, a porcentagem é de 77%. Entre os maiores de 50 anos, ela cai para 73%.
A pesquisa Pew foi realizada em dez países de economia avançada ou emergente: além do Brasil, África do Sul, Argentina, Canadá, Estados Unidos, Grécia, Hungria, Itália, Japão e Polônia. Em todos eles, pelo menos duas em cada três pessoas acreditam que sistemas informatizados e de inteligência artificial vão fechar postos de trabalhos hoje ocupados por humanos. Os gregos são os mais convencidos disso (91%); entre os americanos, a crença de que as máquinas substituirão a maior parte dos trabalhadores de carne e osso é menor, embora significativa: chega a 65% dos entrevistados. No Brasil, essa porcentagem é de 79%.
Paulo Lopes, morador da Zona Leste de São Paulo, de 28 anos, convive há onze anos com as mudanças que as inovações tecnológicas provocam na economia. Bancário desde os 16 anos, lembra da profusão de agências do Banco Real, onde começou a trabalhar como auxiliar de serviços gerais, quase sempre lotadas, principalmente em dias de pagamento. “As agências começaram a se esvaziar na medida em que os serviços bancários pela internet se popularizavam. E fui promovido à função de caixa pouco antes desse esvaziamento se intensificar”, explicou Lopes.
O receio de substituição no banco por uma máquina ou aplicativo levou Lopes a tentar empreender. “Quando o Real foi vendido para o [holandês] ABN Amro, achei que perderia o emprego. Bateu um certo desespero. Juntei as economias que tinha com as de um irmão e meu pai e abrimos uma loja de perfumes franqueada no bairro do Tatuapé. Foi um fracasso”, lamentou. Nessa mesma época, o jovem sentiu no bolso o impacto da automação: serviços que antes ele vendia – e pelos quais recebia bônus – passaram a ser oferecidos via aplicativo. “O Real foi absorvido pelo Santander e passou a vender seguros, crédito pessoal, título de capitalização, tudo pelo app, e os ganhos reduziram ainda mais. Tive de vender o carro e fazer empréstimos para pagar as dívidas”, contou o funcionário, que diz ter sorte por “não ter sido demitido depois do fechamento de centenas de agências” pelo Brasil.
Lopes está certo de que os empregos no seu setor se reduzirão ainda mais no futuro com a popularização dos bancos virtuais, as chamadas fintechs, que atuam exclusivamente por meio dos aplicativos. E sonha com um posto menos instável e mais bem pago, no setor público. “Sou freguês de carteirinha de cursinhos preparatórios para concursos.”
Mas a realidade é que não cabe todo mundo nas repartições e gabinetes. Os dados sobre o Brasil da pesquisa Pew mostram que as mulheres são ainda mais pessimistas em relação à criação de empregos e melhora salarial com o avanço da automação. Apenas 32% delas acreditam neste tipo de benefício. Entre os homens, a credulidade é maior: 42%.
O ritmo do processo de automação pelo mundo não é homogêneo, ressalta o relatório do centro Pew. Na Coreia do Sul, por exemplo, há mais de 600 robôs em atividade para cada 10 000 trabalhadores em instalações industriais. No Japão são mais de 300 e nos Estados Unidos, aproximadamente 200. No Brasil, estima-se que esse número seja de 10 robôs para cada 100 mil operários, em razão do relativo baixo custo da mão de obra na indústria.
Mas a hora trabalhada de um autômato vem ficando cada vez mais barata. A operação de um robô industrial tem custo médio de 4 dólares (pouco mais de 16 reais) por hora. O custo médio de um operário da indústria alemã é de 49 dólares por hora. Nos Estados Unidos, é de 36 dólares. No Brasil, o salário mensal nominal médio na indústria é de 2.659 reais na região Sudeste – que corresponderia a 11 reais por hora trabalhada –, de acordo com dados do IBGE referentes ao segundo trimestre de 2018. O valor relativamente baixo do salário não estimula o investimento em máquinas. A tendência, no entanto, é que o custo da hora dos robôs se reduzam à medida que a tecnologia avança, o que amplia o potencial de demissões.
O estudo do Pew mostra que a maior parte dos entrevistados acredita que o maior uso de robôs e computadores vai aprofundar a desigualdade entre ricos e pobres. Mais de oito em dez na Grécia, na Argentina, no Japão e no Brasil expressam essa visão, assim como mais de sete em dez no Canadá, na África do Sul, nos Estados Unidos e na Hungria. Ao mesmo tempo, há um ceticismo generalizado sobre os potenciais benefícios econômicos da automação. Somente no Japão, Polônia e Hungria, metade ou mais dos entrevistados acredita que a automação permitirá que sua economia se torne mais eficiente.
Na Argentina, oito em cada dez entrevistados pelo Pew disseram acreditar que a maior responsabilidade de atenuar os problemas causados pelo avanço da automação deve ser do governo – que deveria assegurar as condições para o desenvolvimento de habilidades e a educação para que seus cidadãos enfrentem o desafio. Em países como Brasil e África do Sul, a maior parte dos entrevistados também apontou que esta seria uma responsabilidade governamental. Nos Estados Unidos, a maioria considera que a questão é individual.
Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE, citados pelo relatório do Pew, estimam que 14% dos postos de trabalho das economias avançadas devem se tornar obsoletos pelo avanço da automação, enquanto outros 32% devem ser substancialmente afetados pela mudança. Ou seja, quase a metade dos empregos com os salários mais altos do planeta passará por turbulências de potencial catastrófico nos próximos anos.
A ideia quase unânime, porém, é que o futuro reserva um contingente cada vez maior de desempregados, que deve se confrontar com sistemas de bem-estar social cada vez mais pressionados e exauridos.