Não vi os comentários na abertura da transmissão do jogo de ontem, mas a partir do momento em que a bola rolou, eu contei: Galvão Bueno disse quatro vezes que a torcida brasileira está doida para se apaixonar de novo pela seleção. Repetiu sete vezes que há três anos e meio o Brasil não vencia uma seleção campeã do mundo. E frisou nove vezes – isso, nove – que há vinte e um anos o Brasil não ganhava da França.
Entretanto, há algo que muitas vezes é confundido com chatice, só que é bem pior que isso. Talvez não seja mesmo tão fácil falar ao vivo por cerca de cem minutos sem dizer pelo menos dez minutos de tolices, mas o que mais incomoda é a questão profissional: Galvão é narrador esportivo ou palestrante de autoajuda? É jornalista ou o alto representante de um fictício departamento de promoção de eventos? Porque é tudo sempre uma babação de ovo desnecessária e insuportável, ilustrada por um aperto de mão que, importado dos manos de Itaquera, parece ter virado um em Mônaco.
Tomara que eu esteja enganado, mas o otimismo desmedido não ajuda em nada. Podemos ganhar essa Copa das Confederações que não vale muita coisa e a Copa do Mundo no ano que vem? Sim, podemos, pois o nome do jogo é futebol. Mas, além de elogiar o que merece ser elogiado, é dever da imprensa especializada apontar, criticar, cobrar e, assim, ajudar a corrigir. Nada mais inútil – e falso – do que ficar repetindo que o Neymar é gênio e que não tem jogado na seleção o que joga no Santos. Não é verdade: esse ano, Neymar não jogou nada em lugar algum. E seria muito melhor tentar entender o que está acontecendo, em vez de varrer as possíveis explicações para baixo do tapete.
Sou fã do Ronaldo, um dos três maiores centroavantes brasileiros que vi em campo e um cara bacana, do bem, tremendo alto astral. Mas, já no jogo contra a Inglaterra, fiquei com a impressão de que, se ganhar por elogio, Ronaldo é o comentarista esportivo mais bem pago da televisão mundial. O gramado umedecido padrão Fifa, o som do apito padrão Fifa, o sabor da pipoca padrão Fifa. Só faltou a Globo usar como trilha sonora, ao fundo, o refrão padrão Fifa de Balão trágico, do Premeditando o Breque: “A vida é tão linda / A vida é tão bela / Eu e meus amiguinhos / Vivendo na favela”. (Para ouvir essa obra-prima, clique aqui). Talvez porque a partida contra a França tenha acontecido em um estádio onde não haverá jogos da Copa, talvez por ter sido orientado, ontem Ronaldo segurou um pouco a onda, embora tenha continuado a gostar de tudo. A vida é tão linda, a vida é tão bela.
E o que dizer da tabelinha de bobagens? Ronaldo: “o jogo com a França vai ser mais difícil do que o jogo com a Inglaterra”; “a seleção brasileira sofre um pouco por causa da inexperiência internacional dos nossos jogadores”; “Jô tem formado, no Atlético, uma ótima dupla de ataque com Ronaldinho e Bernard”. E Galvão emendava de prima. Na partida contra a Inglaterra, Rooney pegava na bola, Galvão elogiava o neocabeludo, dizia que ele tinha aprendido a passar e, batata: Rooney errava o passe. Contra a França, no exato momento em que narrou “o habilidoso Valbuena faz o toque”, o habilidoso Valbuena entregou a rapadura e Hulk só não foi parar na cara do gol por ter sofrido falta. Empolgado com o primeiro gol, disse que “Oscar saiu aqui do Grêmio”, e passou bons minutos tentando justificar a informação errada, até afirmar, fazendo o grande Sigmund dar cambalhotas no túmulo, que cometera um “ato falho”.
O futebol brasileiro sempre foi pródigo na montagem de duplas que ficaram na história. Pelé e Coutinho. Tostão e Dirceu Lopes. Dudu e Ademir da Guia. Falcão e Carpegiani. Bebeto e Romário. Adriano e Joana Machado. Pelo que mostraram nos jogos contra a Inglaterra e a França, Ronaldo e Galvão têm tudo para formar outra dessas parcerias memoráveis. Mais ou menos no nível de Renato Abreu e Ibson.
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