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    Valdecir Araújo, vendedor de salgadinhos em Teresina: "Passei quatro meses longe das ruas, mas quando voltei, não era mais a mesma coisa" Crédito: Vitória Pilar

depoimento

Ruas vazias, bolso também

Com os centros das cidades esvaziados pela pandemia, vendedor de salgados conta como precisou diminuir produção por falta de clientes

Valdeci Araújo | 10 fev 2022_14h45
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A pandemia esvaziou as ruas das cidades brasileiras, mas foi nos Centros das cidades que esse vazio se tornou ainda maior. Cada vez menos pessoas têm procurado as principais ruas e avenidas das cidades – com medo do vírus ou da crise financeira que assusta grande parte dos brasileiros. No comércio local, quem sentiu de modo especial o peso dessa ausência foram os vendedores ambulantes, que dependem do vaivém urbano para levar dinheiro para casa. No centro de Teresina, no cruzamento da Rua Teodoro Pacheco com a Avenida Maranhão, de frente para o Rio Parnaíba, Valdeci Araújo, de 63 anos, diminuiu a produção de salgados quando percebeu os bolsos esvaziando pela falta de clientes. As vendas despencaram de duzentos salgados por dia para menos de cinquenta. Desde 2018, quando resolveu abandonar o emprego de garçom para se fincar na esquina com um carrinho, ele nunca sentiu tanta falta do movimento de gente nas ruas. Sem renda fixa ou qualquer benefício, ele sonha com o dia em que as coisas voltarão ao normal – “aquele normal em que a gente não precisa ter medo de chegar perto de ninguém.” 

(Em depoimento a Vitória Pilar)

Eu trabalhava de garçom aqui em Teresina, mas sempre fiz bico no que aparecesse. Já trabalhei de muita coisa nessa vida e, apesar de estar na idade em que eu tô, não sei quando vou parar. Talvez quando minhas forças acabarem. Em 2018, eu decidi que ia parar de trabalhar pros outros. Decidi trabalhar para mim. Eu sabia fazer salgados, então pensei em como montar um negócio. Comprei um carrinho, decorei e parti pra vender nas ruas.

Comecei arrastando o carrinho pelas cidades, mas eu fiquei cansado. Então um dia, parei aqui na frente do Setut (Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Passageiros de Teresina), e a movimentação dos estudantes descendo da parada de ônibus me fez ficar na esquina da Teodoro Pacheco. Os meninos saíam da escola com fome, na hora do almoço, e eu tava aqui com meu lanche – eram meus melhores clientes.

Quando a história da doença (Covid) começou a dar nos jornais, eu pensei que era coisa de outro mundo. Lá da China, ia demorar a chegar aqui, e quando chegasse, ia chegar fraca. Que história! Tá até hoje aí, assustando o povo das ruas. E o povo tem medo, viu? Apesar de muita gente brincar, aqui nas ruas, muita gente usando máscara. No início, achava estranho ver o povo com negócio na cara, mas hoje, já acho estranho quando não tá. 

Passei quatro meses longe das ruas, mas quando voltei, não era mais a mesma coisa. 

A cidade já não era mais a mesma, nem as pessoas. Os alunos, que eram meus clientes, agora assistem às aulas de casa. A gente só via as pessoas passando, correndo pra lá e pra cá, uma agonia. Tem semanas que aparece mais gente, bate uma esperança de que tudo vai voltar como era antes. Sabe quando eu achei que tudo ia voltar mesmo? Quando eu vi os primeiros estudantes descendo dos ônibus fardados. Mas tem semana que as escolas suspendem as aulas, aí vejo só de vez em quando uns ou outros. O movimento tá assim: gato pingado. 

No meu carrinho, eu conseguia trazer uns duzentos salgados. Vendia tudo! Minha preocupação antigamente era se o suco ia dar pra quantidade de salgado, ou se ia ter salgado suficiente para os copos de suco. Como aqui é quente, tem cliente que gosta de tomar dois ou três copos de suco pra matar a quentura. Hoje em dia, se trago cinquenta, corre o risco de voltar para casa com material. É um prejuízo, meu Deus. 

Não vale a pena fazer muito salgado mais. Vou te contar um negócio: às vezes a gente sai de casa mesmo só pra sair, porque se não sair, aí é que não vende nada mesmo. Só que tem dia em que a gente sai e mesmo assim chega perto de não vender nada, nadinha. E isso não é só comigo, é qualquer vendedor ou dono de loja daqui, pode perguntar. Tá fraco, viu? Tá fraco pra todo mundo.

O lanche completo – com salgado e suco – quando comecei, era 4 reais. As coisas foram ficando caras: o queijo, o presunto, a carne, tudo. Hoje, tá 6 reais (o lanche). Tá no preço dos meus concorrentes e das lanchonetes daqui. Tudo vai aumentando mesmo, mas desses dois anos pra cá, foi muita coisa. Coisa que nem dá pra botar na ponta da caneta. Outra coisa que aumentou foi a miséria. Se antes tinha gente de todo tipo pra lá e pra cá, agora as praças viraram a casa de muitos moradores de rua. Dá uma pena…

Eu não sei quando vou sossegar. Apesar de ter chegado aos meus 63, não me sinto velho. Tô até conservado. Tomei as doses da vacina e o reforço. Tô sempre me protegendo com álcool, com máscara. Eu quero que esse ano as coisas voltem ao normal, aquele normal que a gente reclamava, mas que não precisava ter medo de chegar perto de ninguém. 

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