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    FOTO: PEDRO LADEIRA/FOLHAPRESS

vultos da república

Ruim de voto, bom de conchavo

Com desempenho modesto nas urnas, Baleia Rossi põe fama de negociador hábil à prova na disputa pela presidência da Câmara

Thais Bilenky | 06 jan 2021_21h37
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Em 2016, o deputado federal Baleia Rossi, então presidente do MDB no estado de São Paulo, apoiou um radialista para a Prefeitura de Ribeirão Preto, sua base eleitoral. O candidato não se elegeu. No ano passado, o mesmo radialista, Ricardo Silva, que se tornara suplente de deputado, assumiu uma vaga na Câmara pelo PSB após a morte do titular. Enquanto Rossi corria para se viabilizar candidato à presidência da Casa, Silva visitou Arthur Lira (PP), adversário do conterrâneo na eleição que ocorrerá no próximo dia 1º de fevereiro, e se deixou fotografar. Também estampou as redes sociais do anfitrião. Pior: levou a tiracolo o vereador mais votado de Ribeirão, Igor Oliveira, um trunfo local do MDB, sigla que Rossi agora preside nacionalmente. Só não foi constrangedor para Lira.

Nem o recente anúncio do apoio de onze partidos à sua candidatura, contra nove que avalizam Lira, permitiu um clima de “já ganhou” ao emedebista. Será no voto a voto que Rossi disputará a sucessão de Rodrigo Maia (DEM). “O Baleia pegou a gente um tanto quanto de surpresa. Até falei para ele que demorou para se lançar”, criticou Silva, que não declarou voto no parlamentar, apesar de o PSB ser uma das onze legendas que oficialmente fecharam com o deputado do MDB.

A demora na definição do nome de Rossi se deveu, entre outros motivos, à preferência que Maia tinha por Aguinaldo Ribeiro (PP). O deputado paraibano, porém, não contava com o apoio de seu partido e racharia outras bancadas, como a do próprio MDB. Foi a resiliência que garantiu a Rossi a indicação, avaliam auxiliares do parlamentar. Ele virou, assim, o  “candidato de Maia”, enquanto Lira se consolidou como o candidato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Bastante discreto, o emedebista de 48 anos tem fama de hábil negociador. Em Brasília, elogia-se sua capacidade de perder sem cair de esperar para, então, articular de novo. Ele escuta muito e fala pouco. Publicamente, é ainda mais difícil que ataque alguém. Acomoda interesses e não tem pressa. Ser “ensaboado”, como Brasília costuma se referir a políticos que dizem obviedades para não comprar brigas, é seu trunfo. 

Graças a essas características, ele conseguiu o aval da esquerda, sobretudo do PT, que exigiu boas promessas de espaço na Mesa Diretora, em comissões e em relatorias para topar apoiar o MDB, algoz do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. O voto é secreto, e traições são esperadas. De qualquer modo, Rossi soube conciliar interesses de siglas antagônicas (PT e PSDB, PSL e PCdoB etc.) até formar o bloco de onze partidos que somam cerca de 280 parlamentares.

Por causa do apoio de Bolsonaro, Lira vem usando a estrutura do governo federal para atrair deputados, prometendo-lhes cargos, emendas e verbas da administração pública. Dessa maneira, conseguiu reunir nove partidos e aproximadamente 190 parlamentares. Há ainda cerca de cinquenta votos considerados em aberto: os do Solidariedade, PTB, Pros e Psol.

 

Se dependesse apenas do desempenho nas urnas, Baleia Rossi certamente não chegaria à presidência do MDB nem se tornaria o representante do grupo de Maia na disputa de fevereiro. O deputado paulista nunca foi um campeão de votos. Tome-se o pleito de 2018, quando ele se reelegeu para a Câmara. O radialista Ricardo Silva não conseguiu uma vaga na Casa, mas deu uma surra em Rossi na sua base eleitoral. Silva saiu da competição como o mais votado em Ribeirão Preto, na frente de Eduardo Bolsonaro (PSL), Joice Hasselmann (PSL) e outros fenômenos da época. O emedebista ficou em sexto lugar na cidade e só garantiu a vaga por causa de votos espalhados pelo estado. Mesmo assim, levando em conta os 34 deputados federais que o MDB elegeu no país, Rossi foi o que se saiu melhor. Teve 214 mil votos, o que o deixou em décimo primeiro lugar entre os setenta parlamentares eleitos por São Paulo para a Câmara.

Na mesma eleição de 2018, ao menos dois políticos apoiados por Rossi se deram mal. Primeiro, o MDB lançou a candidatura de Paulo Skaf ao governo paulista, sem sucesso. Depois, no segundo turno, avalizou Márcio França (PSB), que perdeu para João Doria (PSDB). Foi então que o Rossi da eleição saiu de cena e entrou em campo o negociador. Ele se sentou com Doria e garantiu que não haveria represálias do Palácio dos Bandeirantes a prefeitos do MDB.

Em 2020, a performance ruim nas urnas se repetiu. Rossi lançou uma professora para a Prefeitura de Ribeirão Preto e amargou o quarto lugar, com 7% dos votos. Na Câmara Municipal, o MDB somente manteve as três cadeiras que já conquistara em 2012 e 2016 (o Legislativo da cidade dispõe de 27 vagas). Segundo vereadores, Rossi “não sujou o pé de barro” durante a campanha. Em compensação, articulou o suficiente para fidelizar os políticos locais. Na última terça-feira, 5 de janeiro, a piauí telefonou para o gabinete do presidente da Câmara de Ribeirão, Alessandro Maraca (MDB). Pediu uma entrevista sobre a influência de Rossi na política local. O chefe de gabinete passou o telefone do escritório do deputado federal no município. Minutos depois, a assessoria de Rossi ligou para intermediar a conversa com Maraca. 

Diversos vereadores fazem comentários similares sobre o cacique: ele pode não brilhar nas ruas da cidade paulista, que é um dos polos do agronegócio, mas transita muito bem em Brasília. Filho do ex-ministro Wagner Rossi, aliado do ex-presidente Michel Temer, o político comandou o MDB de São Paulo por nove anos, de 2011 a 2019. Depois, assumiu o controle nacional da legenda para imprimir ares de renovação à sigla, após o estrago decorrente da Operação Lava Jato, que denunciou seus principais líderes, incluindo Temer e Wagner Rossi.

 

O futuro posicionamento do “ensaboado” emedebista em relação ao Palácio do Planalto é motivo de conjecturas em Brasília. Não se espera dele, caso vença, o contraponto por vezes duro de Maia ao presidente da República. O MDB, inclusive, ocupa cargos na administração federal e é uma das principais pontes do governo no Legislativo, pois os senadores Eduardo Gomes e Fernando Bezerra são líderes no Congresso e no Senado, respectivamente. Para se tornar competitivo, o grupo de Maia adotou o discurso de que a eleição simboliza o confronto entre Bolsonaro (representado por Lira) e uma “frente ampla em defesa da democracia”. 

O atual presidente da Câmara se posicionou justamente como “defensor da democracia” ao longo dos últimos dois anos, quando protagonizou várias discussões públicas com o governo. Se Rossi adotará postura semelhante, não se sabe, mas seus auxiliares insistem que a candidatura dele já significa, por si só, um enfrentamento a Bolsonaro. 

Maia e o emedebista têm em comum tanto a herança política familiar (Rodrigo é filho de Cesar Maia, ex-prefeito do Rio de Janeiro) quanto a capacidade de articulação em contraste com o desempenho tímido nas urnas. São características que também marcaram outros presidentes da Câmara dos Deputados. Luís Eduardo Magalhães (1995-1997), Aécio Neves (2001-2002) e Henrique Eduardo Alves (2013-2015), por exemplo, vinham de clãs políticos tradicionais. Ulysses Guimarães (1985-1989) foi um influente líder legislativo, mas teve votação pífia na eleição presidencial de 1989.

Embora reservado, Rossi exibe certa desenvoltura diante dos holofotes, já que chegou a apresentar programas de variedades em tevês do interior paulista. Hoje, no Salão Negro da Câmara, ao se lançar candidato, ele reuniu mais gente do que em todo o ano passado, quando a pandemia esvaziou o plenário. Pediu licença aos jornalistas, políticos e assessores para discursar sem máscara, fixou um sorriso no rosto, olhou firme e avante e falou por quinze minutos sobre a necessidade de uma vacina contra a Covid-19 que seja gratuita e para todos. Marcava, desse modo, sua oposição ao negacionismo de Bolsonaro.

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