Sabor de vida, de Naomi Kawase, começa tratando de dorayakis – panquecas de feijão doce. É um início desconcertante, mesmo levando em conta a atração pelo miniaturismo da cultura nipônica. Basta lembrar dos bonsais, as pequenas árvores hoje tão difundidas e apreciadas no ocidente. Ainda assim, um filme que começa girando em torno de panquecas é algo inusitado.
Para quem conhece os filmes anteriores de Naomi Kawase, porém, é evidente que o foco de Sabor de Vida não se restringirá à habilidade maior ou menor de fazer panquecas e recheio de feijão doce. Algo portentoso certamente estará por emergir.
No documentário Carta de uma cerejeira amarela em flor, Kawase não refugou diante do pedido do seu mentor para filmar a morte dele. Ela foi para a hospital com sua câmera e registrou os últimos dias do seu amigo, editor de uma revista de fotografia. Desenganado pelos médicos, quase sem falar, ele é observado na cama do hospital e passeando no jardim de cadeira de rodas pela câmera de Kawase.
Do mesmo modo, Kawase não hesitou em documentar sua própria procura por seu pai. Ele abandonara a mãe dela quando Kawase era pequena e sumira no mundo. O filme inclui a gravação do primeiro telefonema dela para o pai, com quem nunca falara. Ele atende e pergunta quem está falando; ela responde apenas “Naomi”. Segue-se um silêncio profundo, que parece durar uma eternidade, até o pai perguntar “Naomi?”. Não é preciso mais nada para exprimir o que o encontro representa para filha e pai.
Passando do detalhe, a panqueca de feijão doce, ao drama grandioso, Sabor de Vida trata, na verdade, de grandes temas como discriminação, culpa e morte. É verdade que não escapa de certa pieguice e de momentos melodramáticos. Resvala, inclusive, em clichês como o da proprietária desumana da loja de panquecas e seu protegido estiloso. Mas no todo é um belo filme. Delicado, Sabor de Vida se impõe. Austero, é encenado e filmado com elegância e sobriedade.