Esses dias, Candeia bateu à minha porta, na forma de três lançamentos do selo Discobertas, coisa muito fina pra todos nós. São eles, (1970), Raiz (1971) – onde a primeira faixa está trocada com a segunda -, e Samba de Roda (1976). Wilson Moreira, Paulinho da Viola e Casquinha aparecem como parceiros, mas raramente. Em geral, compunha sozinho.
Portelense autêntico, Candeia começou precocemente, estimulado pelo pai e sempre teve o samba, a Portela e sua afrodescendência como uma religião. Poeta do samba, compôs versos bonitos, como ”no jardim da vida, esperança é flor” e na voz iluminada de Clara Nunes, emocionou o Brasil e alcançou números expressivos, dizendo que “o mar serenou quando ela pisou na areia”…
Mas como a vida real sempre mostra as caras também, no começo dos anos 60, Candeia, que tinha entrado pra polícia, numa estúpida discussão de trânsito e com uma certa fama de truculento, acabou sendo baleado e impedido de andar pra sempre. Aposentado por invalidez, finalmente se dedicou integralmente à música. A retomada obviamente foi complexa e seus temas traziam caminhos diferentes depois de sua tragédia pessoal. Os sambas mais doídos e existencialistas, pressentindo a vida curta pela frente.
Imediatamente, me remete ao grande Curtis Mayfield, ídolo da música negra americana (autor da famosa trilha Super Fly, que impulsionou sua carreira solo), que se viu também preso à uma cadeira de rodas, por conta da queda de uma torre de luz, quando exercia seu ofício no palco. Um nome importante, conhecido por influenciar os primórdios do funk, com o grupo The Impressions e pela consciência política. Vejam vocês, são demais os perigos dessa vida, esteja você na rua, ou no palco!
O ano de 1975 foi importante na vida de Candeia: fundou a Escola de Samba Quilombo, a pretexto de levar o samba autêntico, que tanto defendia. As mudanças em relação às Escolas de Samba, especialmente dentro de sua Portela, deixaram o sambista muito desgostoso.
No mesmo ano, Candeia compunha seu Testamento de Partideiro, onde dizia: “Quem rezar por mim que o faça sambando”.
É o que o selo Discobertas faz agora e que os anjos do samba digam amém!