Jean-Jacques Rousseau escreveu: “Tendo, portanto formado o projeto de descrever o estado habitual de minha alma na mais estranha situação em que possa jamais se encontrar um mortal, não vi nenhuma maneira mais simples e mais segura de executar essa empresa do que a de manter um registro fiel de minhas caminhadas solitárias e dos devaneios que as preenchem, quando deixo minha cabeça inteiramente livre e minhas idéias seguirem sua inclinação, sem resistência e sem embaraços. Estas horas de solidão e de meditação são as únicas do dia em que sou plenamente eu mesmo e em que me pertenço sem distração, sem obstáculos e em que posso verdadeiramente dizer que sou o que desejou a natureza”.(Os devaneios do caminhante solitário)
Candeia compôs: “Deixe-me ir, preciso andar/ Vou por aí a procurar/ Sorrir pra não chorar/Quero assistir ao sol nascer/ ver as águas dos rios correr/ Ouvir os pássaros cantar/ Eu quero nascer, quero viver/ Deixe-me ir, preciso andar/ Vou por aí a procurar/ Sorrir pra não chorar”. (Preciso me encontrar)
Preciso me encontrar, Candeia, com Cartola
Preciso me encotrar, com Marisa Monte
Mestre Candeia, Antonio Candeia Filho, nasceu, viveu e morreu no Rio de Janeiro (1935-1978). Com o samba-enredo Seis datas magnas recebeu nota máxima em todos os quesitos e tornou sua escola, a Portela, campeã em 1953. Candeia fundou a ala da mocidade da Portela e depois fez parte da ala dos impossíveis. No ano de 57, entrou para a Polícia Civil, trabalhando como investigador, mas levou um tiro na coluna, ficou paralitico. Abandonou a carreira na Polícia e passou a se dedicar exclusivamente à vida artística. Com seu samba enredo Legados de D. João VI, a Portela foi campeã em 1955, e com Brasil, panteão de glórias, em parceria com Bubu, Casquinha, Waldir 59 e Picolino, Portela foi campeã em 59.
No início dos anos 60, participou ativamente do movimento de revitalização do samba, promovido pelo CPC (Centro Popular de Cultura) e pela UNE (União Nacional dos Estudantes). Foi nessa época que organizou o conjunto Mensageiros do Samba, que se apresentava no Zicartola – espaço comandado por Cartola e Dona Zica.
Em 1965, Elizete Cardoso gravou Minhas madrugadas (Candeia e Paulinho da Viola) no LP Elizete sobe o morro.
Minhas madrugadas, Candeia e Paulinho da Viola, com Elizete Cardoso
Minhas madrugadas, com Candeia
O primeiro disco individual de Candeia foi o LP Samba da Antiga, em 1970. Em 75, gravou o LP seguinte…: raiz candeia. No encarte do disco ele escreveu: “Prá moçada da política, não é preciso dizer nada. Tá todo mundo de cabeça feita. Candeia é reza forte; chegou, tá bem chegado. Pra quem não sabe de nada ainda, vou usar um verso de um samba espetacular do Paulinho da Viola, para apresentar o grande sambista compositor: Acende uma chama/ É o som de um samba/ Que chega nas ondas/ Da noite. (Candeia, toco preto, sabe porque foi gravado o pagode que leva seu nome! Não é preciso entregar o ouro aos bandidos, né meu compadre?)”. Neste disco, ele gravou suas composições Filosofia do samba, Quarto escuro, A hora e a vez do samba, Regresso, parceria com Adelzon Alves, Saudação a Toco Preto, Minhas madrugadas, parceria com Paulinho da Viola.
Em meados dos anos 70, Candeia afastou-se da Portela e em 75, desiludido com o “gigantismo” das escolas de samba fundou, junto com Nei Lopes e Wilson Moreira, o Grêmio recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo: “Um dos mais talentosos sambistas de sua geração, Candeia sobressaiu ainda como ferrenho defensor da cultura negra.
Morto prematuramente, deixou vários LPs e sucessos, como Minhas Madrugadas, (com Paulinho da Viola), Amor não é brinquedo, (com Martinho da Vila), Anjo moreno, Filosofia do samba e Preciso me encontrar.
Em 1975 gravou o LP Candeia, samba de roda. Na contracapa do disco, quem escreve é Paulinho da Viola: “Candeia é um compositor que dispensa apresentações. Este é seu terceiro disco e nele se pode notar a preocupação do sambista em incorporar ao seu trabalho outros gêneros musicais que ressaltam uma influência nitidamente africana. Tudo música brasileira. Muitos hão de estranhar e perguntar por que um sambista da Portela, de repente, resolve gravar jongos, pontos de macumba, um choro canção, sambas de roda, cantigas de maculelê e capoeira. É muito simples: Candeia sempre esteve atento a todas as manifestações populares e sujeito sensível que é, percebeu as vantagens que poderia obter se estendesse seu trabalho – até então ligado exclusivamente ao samba – a essas formas tão ricas, deixadas por nossos antepassados. Este disco é uma experiência importante na carreira do mano Candeia e uma surpresa para aqueles que, como eu, acompanham de perto seu trabalho.”
Seleção de Partido Alto, gravado por Candeia no LP Samba de Roda: Samba na Tendinha, Já Clareou, Não tem veneno, Eskindolelê, Olha a hora Maria
Motivos Folclóricos da Bahia: Capoeira, Ao, Haydê, Paranauê, Maculelê, Sou eu, Sou eu, Não Mate Homem, Candomblé, Deus que lhe dê, Salvei Salvei, Samba de Roda, porque não veio, gravados por Candeia no LP Samba de Roda
Sinhá Dona da Casa, de Candeia e Netinho, gravado por Candeia, LP Samba de Roda
Brinde ao cansaço, Candeia, com Candeia, LP Samba de Roda
Conselhos de Vadio, Alvarenga, com Candeia
Documentário, Partido Alto, parte I, vários mestres
Documentátio Partido Alto , parte II, com Candeia, Paulinho da Viola, Manacéa, e outros
Candeia foi gravado por Clementina de Jesus: Vai de saudade, Candeia e Davi, 1970 e Tantas você fez, em 1985, com participação de Cristina Buarque
Paulinho da Viola, sempre atento ao mundo do samba e do choro, acompanhou o trabalho de Candeia, com grande atenção e admiração. Em vários depoimentos, ressaltou a importância e a excelência do sambista. Dele gravou Batuqueiro, Filosofia do samba e O ideal é competir.
Batuqueiro, Candeia, com Paulinho da Viola, grav. 1968
Filosofia do samba, Candeia, com Paulinho da Viola, grav. em 1971
O ideal é competir, Candeia e Casquinha, com Paulinho da Viola, LP Bebadosamba, 1996
Salve Mestre Candeia, defensor da cultura negra, filósofo do samba, poeta, partideiro. De saideira, mais este samba genial que começa assim: Me sinto igual a uma folha caída/ Sou o adeus de quem parte/ Pra quem a vida é pintura sem arte. Poesia, filosofia e samba.
Pintura sem arte, Candeia, com Candeia