O filósofo e romancista francês Jean Paul Sartre surpreendeu o mundo em 1964 ao recusar a mais alta distinção literária criada no século XX, o Prêmio Nobel de Literatura.
A rejeição não era inédita. O escritor russo Boris Pasternak havia sido forçado pelo Governo Soviético a recusar seu prêmio em 1958, obviamente contra sua própria vontade. O caso de Sartre era muito diferente: advertido em 15 de outubro por um artigo de um crítico sueco num jornal parisiense de que seu nome estaria em alta na apreciação dos acadêmicos suecos que escolhem o agraciado, apressou-se em mandar preventivamente uma carta que se tornou famosa. Nela, pedia que não fosse considerado, e advertia que não teria condições de aceitar o prêmio. A carta teria chegado às mãos do presidente da Academia Sueca quando a decisão já havia sido tomada e os acadêmicos resolveram mantê-la e anunciá-la imediatamente.
O documento reproduzido nesta página é uma versão prévia até hoje inédita da carta de Sartre, pois difere daquela que foi enviada no dia 16 ao presidente da Academia Sueca. É um pouco mais sucinta, ainda que o sentido seja o mesmo:
“Senhor secretário,
Segundo algumas informações eu teria este ano algumas chances de obter o prêmio Nobel. Ainda que seja sempre presunçoso falar de um voto antes que este ocorra, tomo a liberdade de escrever-lhe para evitar um mal entendido: por razões estritamente pessoais, não desejo figurar na lista dos possíveis agraciados. Sem que isso signifique questionar a alta estima que tenho pela Academia Sueca e pelo prêmio que ela concede, não posso e nem quero neste ano e nem no futuro aceitar o prêmio Nobel.
Peço-lhe, senhor Secretário, aceitar as minhas desculpas por uma situação que lastimo e crer em minha alta consideração,
Jean Paul Sartre.”
A decisão de Sartre causou uma polêmica internacional. Escritor engajado, suas posições políticas e simpatia pelo “socialismo e o bloco da Leste” eram notórias e seus admiradores não deixaram de louvar sua liberdade de espírito, que se manifestava mais uma vez. Outros criticaram a afronta a um prêmio que estava, na época, talvez no auge de seu prestígio.
A primeira versão da carta foi dada por Sartre à sua amante, Michelle Vian, que escreveu com sua letra a data: sexta-feira 15 de outubro de 1964. Michelle a conservou por toda vida e agora, aos 95 anos, resolveu desfazer-se de seus papéis. A carta foi a leilão em maio na França, ocasião em que foi adquirida por seu atual detentor.