Quando eu cheguei ao Rio de Janeiro no final do século passado, tudo era novo para mim. Apesar de ter morado antes durante nove anos como correspondente estrangeiro no México e no Haiti, o Brasil era algo diferente.
Mesmo para um escocês de alma latina, o Brasil me pareceu estranho no começo, e demorei para compreendê-lo. No entanto, adorei o calor humano, a vida ao ar livre, a leveza e a zoeira que formam uma parte fundamental da vida carioca. Depois da formalidade do México, a informalidade do Rio me pegou de surpresa.
Menos de um mês após tocar o solo brasileiro, fui ver um apartamento para alugar. A corretora imobiliária tinha a minha idade, e quando saímos do apê, deparamo-nos com uma feira de rua. Era quarta-feira por volta de meio-dia. Como ela era bonita e charmosa, os feirantes cortavam pedacinhos de fruta e ofereciam a ela, no maior flerte. Ela pegou uma manga e colocou pedaços na minha boca. Eu pensei: “isso é comum aqui?” Gostei! Decidi que iria ficar no Rio de Janeiro para sempre.
Porém, a vida no Rio é desgastante e, depois de oito anos, resolvi me mudar para São Paulo – para espanto dos meus amigos cariocas (e gaúchos e mineiros, porque não faltam gaúchos e mineiros no Rio, né?).
Eu queria experimentar um outro Brasil. Precisava ainda ficar nos grandes centros por causa do trabalho, e São Paulo foi o candidato ideal. Acabei adorando Sampa tanto quanto o Rio. Era uma cidade cinza e feia, mas muito dinâmica, interessante, vibrante e cerebral. Achei as pessoas mais distantes, porém mais sérias. E sem uma Olimpíada no horizonte, dava para alugar um apartamento sem precisar vender meu rim. Se o Rio era samba, São Paulo era heavy metal. Gostei. Decidi que iria ficar em São Paulo para sempre.
Faz um ano que eu me mudei para Londres. Por motivos pessoais, saí de São Paulo sem querer, mas com a firme intenção de continuar voltando sempre. A pandemia matou essas boas intenções, pelo menos temporariamente. Por agora, fico só com as memórias e com as saudades. Nos últimos meses, na quarentena britânica e com tempo de sobra, passo cada vez mais tempo pensando nas coisas que me fazem falta, algumas bem óbvias, outras bastante particulares.
Segue uma lista nada definitiva, sem nenhuma ordem de preferência, de cinquenta coisas das quais o gringo brasileiro sente muitas saudades do querido Brasil:
1. Do PF (com farofa e vinagrete, claro!);
2. De dizer “boa noite” de volta para o William Bonner e a Renata Vasconcellos ao final do Jornal Nacional;
3. De descer pela Rodovia dos Imigrantes e de repente ver a ilha de Santos aparecer ao lado direito;
4. Dos porteiros que chamam os amigos ou conhecidos não pelo nome, mas pelo time que torcem ou pelo estado em que nasceram (Ôh Corintiano! Ôh Paulista!);
5. Da sonoridade de palavras como “bambambam”, “chororô”, “mimimi” ou “tititi”;
6. Do sol forte (e principalmente da luminosidade);
7. De chegar à Praça Charles Miller e ver a fachada do Estádio do Pacaembu;
8. Do suco de laranja com abacaxi;
9. Das galerias da Rua Augusta durante o dia;
10. Dos bares da Rua Augusta durante a noite;
11. Dos gritos de gol nas janelas;
12. Dos poemas, cordéis, raps e histórias da Cooperifa (grande Sérgio Vaz!);
13. Dos menus dos botecos do Rio de Janeiro (que não mudaram desde o século XIX);
14. Da Biblioteca e da Hemeroteca Mário de Andrade;
15. Da constante zoeira (engraçada e absolutamente fundamental);
16. De uma roda de samba num domingo pós-praia;
17. Das ruas de Paraty;
18. Do tamanho das doses de rum e de vodca servidas nos bares brasileiros (muito mais generosas do que as da Europa);
19. Da Avenida Paulista aos domingos à tarde (e nem preciso dizer do calçadão do Rio de Janeiro também, né?);
20. Do Pelé quando sorri e fala ‘entende?’;
21. Do pão com linguiça da pizzaria Bráz;
22. De chegar à Vista Chinesa no Rio de Janeiro de bicicleta, suadíssimo, quase morto e com uma mistura de orgulho e satisfação;
23. Do céu brilhando cheio de estrelas na Amazônia e no Cerrado;
24. Dos cosméticos da Natura (e das práticas de responsabilidade social também);
25. De olhar para a silhueta da Pedra da Gávea e do Dois Irmãos no final da tarde;
26. Das frutas frescas (particularmente das mangas);
27. De passear nos cemitérios e observar os nomes dos primeiros imigrantes que chegaram ao Brasil;
28. Do inverno carioca com seus 19°C e mulheres de botas e casacos de couro;
29. Das camisas da Richards (mas só quando estão na promoção);
30. Do sorvete de tapioca (o único sorvete que pode mastigar);
31. De sentar num bar de calçada à noite e saudar um grupo de ciclistas passando na frente com as luzes das bicicletas piscando;
32. De qualquer coisa que o Drauzio Varella faz (o maior brasileiro vivo);
33. De chegar à feira às 13h30 para fazer a xepa (mas evitando pastel; muita gordura e pouco recheio);
34. Das colunas do Tostão;
35. De chegar em qualquer lugar e sempre ouvir pessoas te desejando bom dia ou boa tarde;
36. De uma mergulhada na Praia de Ipanema no final da tarde;
37. Dos quiosques onde você consegue comprar um jornal, um dinossauro de plástico, um Kit-Kat e uma revista sobre como funciona o intestino ou o fígado (quem lê essas revistas!?!?!);
38. Da bateria de qualquer escola de samba (não existe som igual em nenhuma parte do mundo);
39. Da alegria de ver e ouvir a Ivete Sangalo e o Gilberto Gil, e da alegria de ver o público em qualquer show deles (E Zeca Pagodinho, o Rio de Janeiro em forma de pessoa);
40. De estar dirigindo na Amazônia e achar no meio do nada uma churrascaria ao lado de um posto de gasolina (e de comer uma picanha melhor do que qualquer bife europeu);
41. Do respeito que quase todo brasileiro tem ao Sócrates (o jogador de Ribeirão Preto, não o filósofo grego);
42. Do site estantevirtual.com.br (onde você consegue achar várias raridades);
43. Do palmito e da pamonha (as de Piracicaba, lógico);
44. Dos garçons (que erram até os pedidos mais simples, mas sempre com um sorriso simpático no rosto);
45. Daqueles últimos segundos eletrizantes antes de pousar no Santos Dumont, quando você tem certeza de que vai pousar na água (e da vista da Ilha Fiscal logo abaixo!);
46. Daqueles passeios turísticas de escuna, pulando na água na costa fora da Ilha Grande ou da Ilhabela;
47. Do galeto e das batatas fritas do Braseiro da Gávea;
48. De chegar em casa cinco minutos antes de uma chuva torrencial começar;
49. Do sotaque gaúcho (e do sotaque de Pernambuco também);
50. Dos abraços e beijos (não sem fim exatamente, mas com uma naturalidade e calor humano que realmente não tem na Europa).