Quem já ficou no açougue encarando uma lista de cortes, preços e pedaços de carne, expostos ou embalados na gôndola, sem ter a menor ideia de como juntar a intenção ("picadinho" ou "bife", por exemplo) com a oferta (alcatra, coxão mole, patinho etc) sabe a falta que faz conhecer um pouco sobre carnes. Pior é olhar aquela figura clássica do boi pontilhado: qual a utilidade de saber que o alcatra sai da perna traseira para quem não sabe se deve pedir alcatra ou filé mignon ou coxão mole? Quem tem a sorte de encontrar um açougueiro amigável, com tempo para escutar o que se pretende cozinhar e recomendar o corte ideal está salvo.
Mas nem sempre acontece e aí é arriscar, escolher um pedaço de carne pela aparência e torcer pelo melhor. A Cozinha Transcendental convidou István Wessel, herdeiro dos conhecimentos acumulados por uma longa linhagem de mestres açougueiros para uma aula sobre carnes. O tataravô do Pisti (é o apelido de István) tinha uma fábrica de frios na Hungria, em 1830. Seu pai, Laszlo Wessel, foi o mais jovem hentes és mezaros, mestre açougueiro, a se diplomar em Budapeste, em 1939, depois de passar por um exame rigorosíssimo. Nosso professor é também autor de vários livros, grande cozinheiro e churrasqueiro e gosta muito de comidas boas, ou seja, professor melhor é impossível.
Nesta primeira parte, Pisti vai nos ensinar o basicão, o que se deve saber sobre a carne antes mesmo de pensar na receita. No próximo post vamos aprender a combinar receitas e cortes. Vamos à aula:
Primeira lição: Não existe carne de primeira e carne de segunda. Existe boi de primeira e boi de segunda e todas as carnes do boi de primeira são ótimas, de primeira. Não adianta dar uma carne de primeira para um cozinheiro sem noção. Carne não faz mágica e o fato de usar um pedaço de carne excelente, caro e ‘de primeira’ não é garantia de que o prato sairá excelente.
2ª lição: É fundamental escolher a carne certa para cada tipo de preparo, o prato fica muito mais gostoso com o corte certo (que nem sempre é o mais caro). Uma maravilhosa costela frita na frigideira – um crime! – vira um sarrafo de pau, já na brasa fica muito saborosa e se estrelar em um cozido, fica muito macia e deliciosa.
3 lição: Gordura é fundamental. Todas as carnes são cheias de veiazinhas e, nos bois de primeira, essas veias estão envolvidas por uma pequena camada de gordura. Quando a carne desses bois mais gordinhos é cortada, lembra um pedaço de mármore. Um pedaço de carne vermelha e lisinha pode parecer mais bonito mas ao ser preparado vai ficar mais seco, é melhor escolher o pedaço que lembra um mármore. Evidentemente ninguém é obrigado a comer a gordura, mas na carne a gordura é fundamental porque amacia, deixa mais suculenta e portanto com mais sabor.
4 lição: A carne deve ser cortada sempre transversalmente às fibras. Isso é obrigatório, inquestionável. Antes de cortar a carne em casa é fundamental identificar o sentido das fibras. Para não restar dúvida, imagine que as fibras são um pãozinho. Fazendo um corte transversal você terá o perfil redondo do pão (uma fatia) e fazendo um corte longitudinal, o pão estará pronto para um sanduiche.
5 lição: Identificado o corte ideal para o prato que você pretende fazer, falta decidir o tempero. Você pode optar por não temperar e acrescentar sal e pimenta já na mesa ou por temperar antes apenas com temperos secos ou ainda por marinar a carne.
• Os temperos secos deveriam ser reservados apenas para as carnes de melhor qualidade, as mais saborosas. A carne seria salgada perto do momento de cozinhar para evitar que resseque e para manter o sabor da própria carne em evidência. Em seguida receberia uma boa esfregada com pimenta moída na hora e alguma erva, como tomilho ou manjerona.
• Tempero marinado: é fundamental que se use um ingrediente ácido na mistura, os ácidos amaciam as fibras da carne (mas não fazem milagres). Vinho ou suco de laranja podem ser usados, acompanhados de azeite de oliva na proporção de uma parte de azeite para quatro do ingrediente ácido escolhido. Em seguida entram os elementos secos: sal, pimenta do reino moída na hora e ervas – estragão, sálvia, alecrim, tomilho, manjerona ou manjericão – e a escolha depende do prato e do gosto do cozinheiro. As ervas podem ser usadas verdes para evitar que seu sabor roube a cena. Acrescente-se ainda alho, cebola e quem quiser pode adicionar cenoura, salsão. Um lembrete: não se deve marinar carnes picadinhas, o ideal é marinar pedaços maiores, inteiros.
Quem quiser se aprofundar e fazer perguntas para o professor (e até comprar carne) deve visitar seu blog
Música para acompanhar a lição:
Hey Pete! Let’s eat more meat – Dizzy Gillespie