Depois que finalizou o mestrado em história, Thaís Macena esperava continuar seus estudos sobre estereótipos indígenas no doutorado. Ela passou meses preparando o projeto de pesquisa para regressar ao programa de pós-graduação (PPG) na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Em julho, no entanto, a pesquisadora de São Leopoldo (RS) recebeu a informação devastadora: o processo seletivo que a instituição gaúcha havia aberto acabara de ser cancelado. Os PPGs de história e outras onze disciplinas tinham fechado. Macena não soube da notícia pela universidade, mas por sua orientadora. “Em nenhum momento imaginei que o curso poderia fechar. Eu estava confiante em relação à pesquisa e à possibilidade de conseguir uma bolsa”, diz a jovem de 28 anos.
A Unisinos se comprometeu a devolver em um mês os 35 reais que Macena pagou pela inscrição no doutorado. Não lhe deu, porém, maiores explicações sobre o fim do curso. Depois do balde de água fria, a historiadora – que está desempregada – saiu à procura de outras fontes de renda, já que não poderá mais contar com a bolsa. Recentemente, fez uma entrevista de emprego numa escola de inglês. “Quem sabe, quando o cenário acadêmico melhorar, eu possa focar de novo em minha pesquisa.”
Os boatos de que haveria uma reestruturação nos PPGs começaram há duas semanas, mas o comunicado oficial da Unisinos só chegou no dia 22 de julho. A nota afirmava que a instituição privada fechou os programas “para promover o equilíbrio financeiro” devido à redução de matrículas e do financiamento público. A tradicional universidade pertence à Companhia de Jesus, a ordem católica dos jesuítas.
Enquanto interrompe programas de prestígio, a Unisinos se tornou alvo de protestos também por manter a especialização em engenharia e sistemas de produção Taurus, que lançou em setembro de 2021, com o apoio financeiro da maior fabricante de armas curtas do mundo, localizada em São Leopoldo. O curso de dezoito meses é voltado para profissionais da companhia que têm, no mínimo, dois anos de casa. As aulas simulam problemas enfrentados pelos funcionários no cotidiano da empresa.
Entre os 26 PPGs oferecidos pela Unisinos, foram extintos os de história, arquitetura, biologia, ciências contábeis, ciências sociais, comunicação, economia, enfermagem, engenharia mecânica, geologia, linguística aplicada e psicologia. Os alunos que já faziam esses cursos manterão as bolsas de estudos e continuarão com as atividades acadêmicas até defenderem suas teses ou dissertações. O Conselho Superior Universitário (Consun) ainda precisa ratificar os fechamentos, o que deve acontecer no final de agosto, quando o órgão deliberativo da Unisinos se reunirá.
Diversos professores da pós já estão sendo demitidos. Revistas científicas ligadas às áreas extintas também deverão acabar. Alguns dos cursos que terminaram obtiveram excelentes avaliações da Capes, fundação que coordena o mestrado e o doutorado no Brasil. Criado há quase trinta anos, o PPG em comunicação, por exemplo, mereceu nota seis numa escala que vai até sete. A Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós) se posicionou de maneira incisiva sobre o fechamento: “Construir um programa desse porte demora décadas. Para destruir, basta uma canetada.” O PPG em história, que estava em atividade há 35 anos e recebeu nota cinco na Capes, também foi encerrado. A revista do curso, classificada como periódico de referência internacional, segundo a Qualis Capes, será interrompida com o fechamento da pós. A piauí enviou uma série de questionamentos à Unisinos, que não deu nenhuma resposta até a conclusão desta reportagem. Procurada, a Taurus também não se manifestou.
Na terça-feira da semana passada, ocorreu um protesto diante da universidade, em São Leopoldo, a 36 km de Porto Alegre. Alunos, professores, movimentos estudantis e políticos se juntaram para repudiar o fim dos cursos. Depois de caminhar até a reitoria, parte dos manifestantes conversou com a direção da Unisinos. Pediu mais esclarecimentos sobre a situação e tentou revertê-la, sem sucesso.
Mestranda em ciências sociais, Gabriela Koenig chegou bem cedo ao protesto, acompanhada da mãe. Antes das quatro da tarde, horário previsto para o começo do ato, as duas já seguravam cartazes a favor dos PPGs. “É difícil encarar tanto os professores demitidos quanto meus colegas que estão concluindo o mestrado e não poderão prosseguir com as pesquisas na universidade. Muito triste…”, diz a aluna de 29 anos. O término dos cursos representa um baque para o Rio Grande do Sul, uma vez que a Unisinos exercia papel importante no cenário tecnológico e científico do estado. “Olho para trás e sinto orgulho do caminho que a gente percorreu. Mas, quando olho para frente, não vejo perspectivas e me dá vontade de chorar”, lamenta Koenig. Sua dissertação de mestrado discorre justamente sobre a desesperança e a falta de ambições dos jovens na atualidade.
Amanda Bauer, mestranda de biologia, também compareceu à manifestação. Moradora de Picada Café, a 44 km de São Leopoldo, ela ficou “estarrecida” quando soube dos fechamentos. A jovem, que atua como pesquisadora no Laboratório de Ecologia de Peixes desde 2018, pretendia levar para o doutorado seu trabalho de mapeamento e conservação das áreas de banhado. Como essas áreas fazem estocagem de carbono, preservá-las em meio às mudanças climáticas é essencial. “Meus dias se tornaram difíceis desde que recebi a notícia. Eu gostaria de trabalhar no laboratório por muito anos, mas agora sei que terei de deixá-lo em agosto de 2023, quando defender minha dissertação.” A mestranda de história Lavínia de Moura Lopes teme que outras instituições privadas sigam “o mau exemplo” da Unisinos. “Se perdermos a luta aqui, é possível que haja um efeito cascata. Outras universidades podem resolver se livrar de cursos também.”
Apesar dos protestos, a decisão da Unisinos não será reexaminada, segundo o vice-reitor Artur Jacobus em entrevista ao GZH, jornal digital do grupo RBS. No dia 28 de julho, o portal da universidade divulgou um documento para esclarecer dúvidas do público. O comunicado explicava que cursos bem avaliados da pós oneram muito as entidades privadas, pois atraem um número maior de bolsistas. Como o valor que o governo federal repassa às instituições cobre no máximo 30% dos custos de cada bolsa, os outros 70% ficam a cargo das próprias universidades. Por isso, o financiamento dos PPGs depende, em grande parte, das mensalidades pagas pelos alunos da graduação. Alguns dias depois de divulgado, o documento saiu do ar.
*Após a publicação da reportagem, a Unisinos enviou nota afirmando que não há previsão de encerramento de outros programas de pós-graduação, além de ressaltar que a instituição conta com uma série de iniciativas para apoiar empresas, como o curso focado em gestão para colaboradores da Taurus. A universidade disse ainda que quarenta professores foram desligados em julho, sendo que nem todos são oriundos de programas de pós-graduação.
A seguir, a íntegra da nota.