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    Ilustração de Paula Cardoso/foto de redes sociais

depoimento

Sem emprego nem auxílio

Faxineira desempregada tentou vender salgadinhos depois que ela e o marido foram demitidos – mas empreendimento esbarrou na inflação dos alimentos

Ana Carolina Sant´Anna | 18 mar 2021_12h51
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Ao longo desses doze meses de pandemia, muitos brasileiros sofreram com perda de emprego e diminuição de renda e precisaram encontrar alternativas de sobrevivência em meio ao cenário atual. O auxílio emergencial, encerrado em janeiro deste ano, foi um aliado para cerca de 68 milhões de pessoas, segundo o Ministério da Cidadania. Em meio a fraudes e contestações, nem todos tiveram acesso ao benefício, como é o caso de Ana Carolina Sant’Anna, 34 anos, moradora de Guadalupe, Zona Norte do Rio. De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), quase 900 mil pessoas perderam o emprego de março a setembro do ano passado; dessas, 588,5 mil são mulheres (65,6%). Auxiliar de serviços gerais,  Sant´Anna foi demitida duas vezes, deu entrada no seguro-desemprego, mas ainda não conseguiu receber. E, para piorar, nunca obteve o auxílio emergencial de 600 reais. O governo anunciou que o benefício será novamente concedido, mas num valor bem inferior, de 150 reais. Sant´Anna vai se inscrever novamente. Ela mora em uma casa própria com o marido Marcos Barbosa, dois filhos (de 4 e 9 anos de idade), e contou como tem feito para ajudar a manter a casa, já que Barbosa também foi demitido. O casal tem buscado outras fontes de renda, mas, enquanto isso, a família reduziu despesas corriqueiras, como compras de supermercado, e teve que pedir dinheiro emprestado para pagar as contas do dia a dia.

(Em depoimento a Amanda Pinheiro)

*

Comecei a trabalhar em uma creche, como auxiliar de serviços gerais, em agosto de 2019, mas me demitiram em junho de 2020. Dois meses depois, consegui outro emprego, na mesma função, mas me dispensaram em janeiro de 2021. Quando aconteceu a primeira vez, busquei o seguro-desemprego e não consegui, pois não tinha o tempo necessário de serviço. Então minha alternativa foi o auxílio emergencial. Pedi e até hoje consta como “em análise”. Eu me desesperei na hora, porque tenho dois filhos. Vimos, meu marido e eu, que seria difícil pagar as despesas. 

Diante dessa situação, em que ficamos com quase 2 mil reais a menos na nossa renda, recebi ajuda da minha irmã, que me emprestou dinheiro. O meu marido, que era motorista do setor público, também perdeu o emprego em janeiro deste ano, e começou a trabalhar como motorista de aplicativo. Como não estava saindo por causa do isolamento social, resolvi vender empadinhas e salgados em casa, para tentar ajudar nas despesas. Porém, mesmo com a venda, eu não consigo completar a nossa renda. No início eu ganhava entre 150 e 250 reais por dia, mas com a falta de dinheiro, às vezes não tenho como comprar os ingredientes. Agora, vendo por encomenda, mas dependo dos pedidos que são inconstantes e tem mês que não tenho nenhum. Consegui receber algumas cestas básicas que são entregues aqui na comunidade. E compro os ingredientes mais baratos ou necessários para fazer os salgadinhos. O óleo, por exemplo, está caro demais.

Outra economia que tenho feito é com o gás de cozinha, que aumentou muito. Eu tenho um forninho elétrico, que me auxilia bastante. Evito usar o gás de botijão, e com isso ele dura uns dois meses. Como tudo ficou mais caro, tive que fazer a mesma coisa com as compras de mercado. Ao invés de comprar carne bovina, por exemplo, pego o frango, que é mais barato. Ou então deixo alguns alimentos de lado. E o pior é que meus filhos sentiram muito esse impacto, porque eles escolhiam o que queriam, biscoitos, achocolatado, danone, suco. Hoje não consigo fazer isso. Nesse contexto, compro um biscoito que vem com uma boa quantidade, mas com a qualidade inferior, ou então nem compro nada para eles. Tem sido um período complicado para as crianças, principalmente pela questão das aulas. Eles estudam em uma escola pública, perto de casa, mas como não voltaram presencialmente, estão tendo aulas pelo celular. E como não tenho computador, eles precisam usar o meu aparelho, o que também dificulta. 

Hoje, eu e minha família vivemos da renda do Marcos como motorista, de uns 2 mil reais ou um pouco menos do que isso. E, pelo o que estou vendo, as coisas vão ficar cada vez mais difíceis. Eu ainda não consegui o seguro-desemprego, mas estou aguardando o Ministério do Trabalho resolver, porque me pediram para esperar dez dias. E eu estava contando com essa quantia por causa das contas de cartão de crédito e telefone, que estão atrasadas. Eu estou sem 1 real no bolso, e nem tenho esperança de conseguir o auxílio emergencial. Continuo desempregada e tentei reivindicar o benefício, mas ele continua “em análise”. E enquanto não consigo nenhum deles, tenho buscado outra oportunidade de emprego. Espero que eu consiga logo. 

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