De 2010 a 2020, mais de 19 mil pessoas foram resgatadas de condições que caracterizam trabalho análogo à escravidão no Brasil. Se a servidão acabou por lei, na prática persite em quatro situações que, segundo o Código Penal, caracterizam, isoladamente ou em conjunto, o trabalho análogo à escravidão: jornada exaustiva, condições degradantes, servidão por dívida e trabalho forçado. O setor de construção civil concentrava a maior parte dos casos na primeira metade da década, mas nos últimos anos foi superado pela criação de bovinos para corte, que responde por 16% do total de trabalhadores resgatados nessa situação em toda a série histórica, com mais de 3 mil pessoas libertadas. O número de resgatados caiu pela metade entre 2016 e 2020, mas a quantidade de operações também é menor do que entre 2011 e 2015. Os dados são da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), órgão do Ministério da Economia, e foram obtidos pela agência Fiquem Sabendo por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). O =igualdades traz um panorama dos trabalhadores resgatados em situação de escravidão no Brasil.
Entre 2010 e 2020, 19.064 pessoas foram resgatadas em situação análoga à escravidão no Brasil. Para reuni-los, seria preciso lotar quase dois ginásios do Maracanãzinho, no Rio, que tem 11 mil lugares; ou oito vezes e meia o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, que tem 2.252 lugares.
Em toda a série histórica obtida via LAI, a criação de bovinos para corte é a atividade econômica com mais trabalhadores resgatados de situação análoga à escravidão: foram 3.042 pessoas, equivalente a 16% do total. A construção de edifícios é a segunda no ranking geral, com 2.207 resgatados (11,6%). Este era o setor que liderava nos primeiros anos da década, com 1.909 resgatados entre 2011 e 2015, o que representava 17,2% (17 a cada 100 trabalhadores), contra 1.504 da criação de gado (13,6%). Caindo para 258 casos de 2016 a 2020, a construção ficou em quarto no ranking dos últimos cinco anos (4,7%), atrás de produção de carvão vegetal – florestas plantadas, cultivo de café e criação de gado, com 892 casos (16,5%).
Dos cinco setores recordistas em resgate de trabalhadores em situação de trabalho escravo desde 2010, apenas um teve aumento de casos em 2020, ano de início da pandemia de Covid-19. Terceiro lugar no ranking geral, com 1.447 registros, o cultivo de café passou de 106 casos em 2019 para 140 em 2020. Líder, com 3.042 trabalhadores resgatados, a criação de bovinos para corte teve queda de 95 para 16 casos entre 2019 e 2020; a construção de edifícios, que soma 2.207 resgatados na série, caiu de 54 para 18 ocorrências. Cultivo de cana-de-açúcar, com total de 958 casos, teve 45 resgatados em 2019 e nenhum registro em 2020, já a produção de carvão vegetal – florestas nativas, com total de 946 resgates, passou de 28 casos em 2019 para 11 em 2020.
A quantidade de trabalhadores resgatados no final da última década caiu pela metade na comparação com os primeiros anos, mas o número de operações realizadas também foi 35% menor. Foram 11.038 trabalhadores em 746 operações de 2011 a 2015, média de 15 resgatados por operação, contra 5.386 trabalhadores em 482 operações, uma média de 11 resgatados por operação no período de 2016 a 2020, representando queda de 26%. O número de operações em 2020, ano da pandemia de Covid-19, foi menor do que em 2019: 88 operações contra 119, mas a menor quantidade de operações em toda a série histórica foi registrada em 2017, ano em que Michel Temer estava na Presidência, após o impeachment de Dilma Rousseff. Foram 78 operações.
Minas Gerais, segundo maior estado em população, tem o maior número absoluto de pessoas resgatadas de trabalho análogo à escravidão, com 5,5 mil – são 25,7 casos a cada 100 mil habitantes. Apenas Minas Gerais, Pará, São Paulo e Goiás concentram 55% das pessoas resgatadas de trabalho escravo. Entre 2010 e 2020, 10,6 mil pessoas foram resgatadas nesses quatro estados.
De 2010 a 2020, uma empresa de consultoria em gestão de recursos humanos de Minas Gerais teve o maior número de trabalhadores em condições análogas à escravidão resgatados: 565 casos. É praticamente a mesma quantidade de pessoas nessa situação em todo o estado do Mato Grosso no mesmo período, onde foram resgatados 569 trabalhadores. Se fosse um estado, essa única empresa seria a 12ª no ranking de trabalhadores resgatados. Fazer parte da lista não significa que a empresa citada tenha sido, de fato, condenada, já que pode haver apresentação de recursos no decorrer do processo. Os dados refletem somente as autuações feitas pelos auditores.
Dos 19 mil trabalhadores resgatados em 1,3 mil empresas, 4,6 mil eram vinculados a apenas 30 organizações. Ou seja, apenas 2% das empresas autuadas respondem por 24% dos trabalhadores escravizados, cerca de um quarto do total.
Fontes: Ministério da Economia via LAI; Maracanãzinho; IBGE