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Sinais de incerteza

Expectativa é de desfecho favorável para crise da Cinemateca

Eduardo Escorel | 09 dez 2020_09h41
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O ano vai chegando ao fim e há sinais de incerteza por toda parte – o principal é a pandemia que recrudesce. Temos a lamentar mais de 177 mil mortes e 6.628.065 casos confirmados de Covid-19, até 7 de dezembro, no Brasil. Como se essa tragédia não bastasse, estamos diante de tendência de alta de óbitos e diagnósticos positivos, de +23% e +37%, respectivamente. Essa é a origem da nossa incerteza básica, resultante do comportamento irresponsável de muitos, da inépcia do governo federal, da falta de coordenação entre políticas estaduais e municipais de saúde e da ausência de medidas restritivas tomadas a tempo.

As milhares de vidas perdidas, algumas de pessoas próximas ou mesmo apenas conhecidas, fazem lembrar o Desfado, de Pedro da Silva Martins, na voz de Ana Moura, ouvido há dias ao rever o precioso curta-metragem sem título # 1: dance of leitfossil (5min30seg, 2014), de Carlos Adriano, um lancinante canto audiovisual de pesar: “…Ai que tristeza, esta minha alegria/Ai que alegria, esta tão grande tristeza/Esperar que um dia eu não espere mais um dia/Por aquele que nunca vem e que aqui esteve presente/Ai que saudade/Que eu tenho de ter saudade/Saudades de ter alguém/Que aqui está e não existe/Sentir-me triste/Só por me sentir tão bem/E alegre sentir-me bem/Só por eu andar tão triste…”

O cantor Vassourinha (1923 – 1942), plano inicial do curta-metragem sem título #1: dance of leitfossil, de Carlos Adriano – Foto: divulgação

 

Há um sentimento inelutável de fatalidade no ar, indicado no título O Início do Fim (6min23seg, 2020) e também no próprio curta-metragem recente de Joel Zito Araújo (disponível no site do Instituto Moreira Salles). A Covid-19 chega ao refúgio de Joel Zito, em Cabo Verde, trazendo a “consciência aguda”, conforme ele diz na narração, de que “todos nós, seres humanos, vivemos uma grande asfixia, e a percepção de vários sinais que me assombram há algum tempo, acentuados por dois cavaleiros arrogantes do Apocalipse que tocam o terror” – um, é você sabe quem e o outro é o modelo que ele tenta imitar. “Nenhum deles jamais admitiria”, prossegue Joel Zito, “que a nossa grande diferença de um grão de areia ou de uma minhoca pode ser resumida a dois elementos: a nossa consciência do fim e a nossa capacidade de provocar o desaparecimento de nossa espécie.” Segundo Joel Zito, o belo arco-íris filmado na Ilha do Fogo não desaparecerá, “mas quanto a nós, seres humanos, liderados por visões tão estúpidas de gente tóxica, como esses dois, eu não sei”. A incerteza de Joel Zito é pervasiva, alastra-se por toda parte, em uma gama de perturbações de etiologia variada. Algumas põem em questão a sobrevivência da espécie humana neste planeta; outras, de magnitude um pouco menor, ainda assim irão modelar a sociedade e a cultura na pós-pandemia.

Haverá uma Cinemateca Brasileira no futuro próximo? Quero crer que sim. Neste momento, a expectativa é de um desfecho favorável para a crise que ameaça sua sobrevivência, embora estejam tardando demais as medidas necessárias para ressuscitar a instituição e assegurar a preservação do seu acervo. Sendo subordinada à Secretaria Especial da Cultura, órgão do Ministério do Turismo do governo federal, é preciso ter cautela – perseverar no empenho para atingir o objetivo maior que é salvar a Cinemateca Brasileira, mas sem celebrações enquanto providências concretas não tiverem sido tomadas e postas em prática.

Os desdobramentos de “a crise do modelo [de lançamento] encabeçado por Hollywood” são outra incógnita com a qual nos defrontamos, embora pareça certo que não serão feitos “só de perdas”, prevê Ana Paula Sousa (“Pandemia inaugura era de lançamentos multitela”, O Globo, 4/12). Apesar das imprevisibilidades que há, Ana Paula considera que “duas certezas vão se desenhando. A primeira é a que os cinemas seguirão sendo uma parte importante do negócio. A segunda, a de que ficou para trás o modelo único”, de acordo com o qual todo filme deveria estar nos cinemas e só chegar às outras mídias três meses depois. Ao longo do ano, tornou-se claro “que diferentes modelos coexistirão e que um não vai, necessariamente, canibalizar o outro…”. Exemplo disso é o que a Warner vem de anunciar – todos os filmes com estreia prevista para 2021 no mercado norte-americano terão lançamento simultâneo nas salas de cinema e na plataforma HBO Max, indisponível no Brasil.

É incontestável que as alterações do modelo de lançamento afetam nosso cinema no mercado interno, ainda mais no contexto da pandemia – fragilizada e sem medidas regulatórias que tornem justa a competição com os filmes estrangeiros, o resultado de bilheteria da produção nacional tem sido desalentador. Entre o final de outubro e o início de dezembro, em torno de dezessete filmes nacionais foram despejados no circuito exibidor do Rio de Janeiro, alguns tornados disponíveis pouco depois em plataformas de streaming. A maioria desses títulos, sem campanha promocional e divulgação adequadas, e com escassa cobertura da mídia, sumiram após uma semana em cartaz. É o que pode ser considerada uma liquidação, ou operação suicida, que atraiu poucos compradores de ingresso. Qual o sentido, neste momento, de tratar dessa maneira filmes brasileiros, entre eles alguns de mérito inegável, submetendo-os ao desafio de atrair público para ir às salas que nem deveriam estar abertas, assim como restaurantes, bares e shoppings em geral?

Também parece incerto o destino do Roxy, em Copacabana, apesar de o grupo Kinoplex, responsável pelas três salas do local, ter informado que a decisão de fechar o cinema é temporária. Com frequência majoritária de idosos, a queda de público é atribuída ao isolamento social por conta do agravamento da pandemia. Segundo O Globo (5/12), porém, frequentadores do cinema “temem que o fechamento seja definitivo” e “internautas já sugerem uma articulação para tentar garantir que o tradicional cinema, localizado na Avenida Nossa Senhora de Copacabana há 82 anos, volte a funcionar”. O grupo Kinoplex afirma esperar que “em breve, com a disponibilização da vacina, esse público, que tanto ama o cinema, possa retornar e viver novos momentos inesquecíveis no Roxy”. Para quem, como eu, começou a frequentar o Roxy no início da década de 1960, muito antes de ele ser subdividido em três salas, as portas fechadas para sempre serão um marco do tempo de incertezas em que vivemos.

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Na próxima terça-feira, 15 de dezembro, às 11 horas, Piero Sbragia, Juca Badaró e este colunista conversam ao vivo, no canal 3 em Cena, com Carlos Adriano, autor de vasta e original filmografia. Ele é o diretor do recente curta-metragem O que Há em Ti (2020), exibido no DOBRA – Festival Internacional de Cinema Experimental, em setembro, e no Forumdoc.bh, em novembro. Referindo-se ao filme, Nicole Brenez escreveu: Seu filme merece uma palavra evidente: obra-prima. Outro primor de Carlos Adriano é sem título # 1: dance of leitfossil (2014), sobre o qual Scott MacDonald perguntou: ‘Como explicar o fato de que, do nada, um curtametragem aparentemente simples consiga ser tão profundamente tocante que, por um tempo, não se consiga sequer deixar de olhar pra ele?” O acesso à conversa de terça-feira, 15 de dezembro, às 11 horas, poderá ser feito através do link https://youtu.be/kWLu3Hv7yRQ .

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Zona Árida (2019), de Fernanda Pessoa, será exibido na Mostra Contemporâneos do 15º Festival Latino Americano de São Paulo, que terá lugar de 9 a 16 de dezembro de forma online e gratuita em todo o território brasileiro. A diretora volta a Mesa, no Arizona, onde fez intercâmbio, em 2001. Ao ter notícia, em 2014, que a cidade foi considerada a mais conservadora do país, Fernanda decidiu voltar com uma pequena equipe para rever pessoas e locais que conheceu e visitou na adolescência. Na recente eleição presidencial, Joe Biden venceu Donald Trump no Arizona por cerca de 11 mil votos, consolidando sua posição no Colégio Eleitoral e acrescentando um novo ângulo de interesse para assistir a Zona Árida.

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A 9ª edição do Cinecipó, Festival de cinema insurgente, iniciado em 30 de novembro, prossegue até 28 de dezembro com mostras semanais online. O Festival tem “o objetivo de fazer o público refletir e consumir as produções audiovisuais nacionais realizadas por indígenas, negros, LGBTQIA+ e brancos dissidentes aliados nas lutas”, segundo o release. Mais de sessenta produções são exibidas gratuitamente no site www.cinecipo.com.br .

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