Cena de Cangaço Novo, série brasileira produzida pela Amazon Prime Foto: Divulgação
Soberania audiovisual
O Brasil quer ser ator ou figurante?
A cena se repete todos os dias, em quase todos os lares brasileiros. No celular, na smart tv ou no computador, alguém abre um aplicativo de streaming e gasta seu bem mais valioso – o tempo livre –, rolando entre ofertas de séries e filmes até apertar o play. As histórias? É possível que se passem em Chicago, Londres, Seul ou Madri. Talvez até em uma São Paulo reconstruída por roteiristas estrangeiros. É um ritual tão naturalizado que quase esquecemos de fazer a pergunta incômoda: como o mercado do streaming se organiza no Brasil – e quem lucra com isso?
As grandes plataformas faturam bilhões em nosso território sem se submeter a regras específicas do setor audiovisual e sem prestar contas sobre contrapartidas locais. Não é difícil perceber que esses aplicativos se parecem cada vez mais com a velha tevê. Antes, o atrativo era o conteúdo sob demanda, sem interrupções publicitárias. Agora, os anúncios já voltaram – e, em muitos casos, são obrigatórios para quem não paga pacotes mais caros. A transmissão ao vivo, que era exclusividade das emissoras tradicionais, também já acontece nessas plataformas.
A diferença é que as concessões para transmissão via radiodifusão sempre funcionaram com obrigações claras, já que cabe à União organizar e fiscalizar os serviços das emissoras, diretamente ou por meio de concessões. Além disso, nossa Constituição determina que os meios de comunicação em operação no país devem ter controle majoritário brasileiro – uma forma de garantir que as decisões sobre o conteúdo e a programação fiquem nas mãos de quem vive aqui.
As big techs, como são chamadas as gigantes da tecnologia, invadiram o território da comunicação social sem pedir licença, colhendo receitas no mesmo terreno regulado do cinema, da tevê e do rádio, mas sem as contrapartidas que garantem um ambiente equilibrado de concorrência. Depois de cerca de quinze anos de atuação no Brasil, o resultado é um arranjo desigual: o gasto das famílias com entretenimento digital cresce ano após ano, mas o valor gerado aqui é remetido para fora.
O streaming entrou na vida de quase todos os brasileiros, mas a legislação brasileira insistiu em ignorar sua existência. O primeiro projeto de lei que dispôs sobre sua regulamentação é de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP) e data de oito anos atrás (PL 8.889/2017). O segundo, de autoria de Nelsinho Trad (PSD-MS) e relatoria da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), já foi aprovado no Senado (PL 2.331/2022) e angariou nos últimos meses amplo apoio do setor: em agosto, produtores, distribuidores e representantes do governo foram à Câmara pressionar por sua tramitação, assim como pela manutenção de Feghali na relatoria.
No dia 18 de setembro passado, porém, o setor foi surpreendido com a notícia de que o antigo projeto de lei proposto por Paulo Teixeira foi o que seguiu para votação no plenário da Câmara, com relatoria do deputado Doutor Luizinho (PP-RJ). O texto original desse projeto de lei deve ser votado junto do substitutivo elaborado por André Figueiredo (PDT-CE) e do PL 2.331. Embora o projeto já esteja tramitando, em regime de urgência, a indicação de um relator que até agora estava alheio ao debate acerca do audiovisual, como é o caso de Doutor Luizinho, sugere risco de diluição das conquistas já costuradas.
Qualquer proposta ligada ao governo federal enfrenta hoje enormes barreiras no Congresso, e isso se acentua quando o tema é comunicação digital. Projetos de lei sobre streaming dificilmente avançam, porque a oposição conservadora atua de forma coordenada e as big techs exercem pressão direta. Experiências anteriores mostram que a regulação da internet e temas correlatos – das fake news ao trabalho em aplicativos – têm sofrido derrotas sucessivas, reforçando a dificuldade do momento atual.
Uma pesquisa da consultoria Nexus, publicada no final de agosto, indica que cerca de 7 em cada 10 cidadãos das classes A, B e C consomem vídeos em plataformas (72%). Em comparativos com outros países, o Brasil aparece como um dos principais mercados para conteúdo de streaming, e demonstra um crescimento constante em sua base de assinantes. Segundo a Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia 2023–2027 da PwC, o país deve superar proporcionalmente os gastos dos consumidores norte-americanos até o ano de 2027. O que as plataformas deixam de pagar, o país perde. Estimativas são falhas, mas é certo dizer que o Brasil poderia arrecadar bilhões de reais em tributos caso fosse taxada a transmissão via streaming. O avanço tecnológico é inevitável, o que está em jogo é quem se beneficia dele.
De acordo com o Anuário Estatístico do Audiovisual Brasileiro – disponível no site da Agência Nacional do Cinema (Ancine) –, em 2019 o setor audiovisual injetou cerca de 56 bilhões de reais na economia e gerou mais de 600 mil empregos diretos e indiretos, desempenho com peso econômico comparável ao de indústrias tradicionais, como a têxtil ou a farmacêutica. Já em 2022 – último dado consolidado pelo IBGE –, a contribuição do setor para o PIB do país foi de 32,7 bilhões de reais. Ainda que os recortes metodológicos da Ancine e do ibge não sejam iguais, a tendência é inequívoca: consumimos cada vez mais conteúdo audiovisual, mas a indústria nacional encolheu.
Toda a rede de serviços associada ao audiovisual sofreu retração. Isso está longe de ser um problema de nicho, pois o setor injeta recursos em áreas como alimentação, transporte, hotelaria e vestuário. A produção de um filme ou série fomenta uma economia circular potente: cada set de filmagem é uma engrenagem que move dezenas, às vezes centenas, de profissionais – do roteirista ao eletricista, do figurinista ao motorista, do cozinheiro ao assessor de imprensa.
Mas a regulação também diz respeito à soberania cultural. Afinal, quem detém os direitos das obras? Quem garante que elas permanecerão acessíveis no futuro? Hoje, quando uma produtora independente apresenta um projeto a uma grande plataforma, enfrenta cláusulas em contratos que implicam na cessão integral dos direitos patrimoniais por prazo indeterminado. Isso quer dizer que até grandes produções nacionais, como Cangaço novo ou Senna – com autoria intelectual brasileira, mão de obra técnica e artística brasileira, a partir de histórias brasileiras –, não são produtos brasileiros, pois pertencem à Amazon e à Netflix, respectivamente. São o que chamam de “originais” dessas plataformas.
Sem o título de propriedade, a produtora independente não pode licenciar novamente seu filme ou série para outras janelas de exibição – seja no Brasil, seja em outros territórios –, o que restringe receitas futuras. Em mercados maduros, catálogos de obras já lançadas são ativos estratégicos que ajudam a financiar o desenvolvimento de novos projetos e a dar estabilidade no médio e longo prazo. Aqui, ao ceder os direitos na largada, transformamos empresas criativas em prestadoras de serviço.
E há um capítulo ainda menos visível, mas igualmente grave: a preservação. Boa parte do acervo recente do audiovisual brasileiro pertence a corporações estrangeiras e está armazenada nas próprias plataformas. A permanência dessas obras depende de decisões comerciais. Um filme ou série pode simplesmente desaparecer do catálogo do streaming se a empresa entender que não há mais interesse de público. Exemplos noticiados recentemente incluem obras como Anderson Spider Silva (Paramount+), Tá tudo certo (Disney+), Hard (HBO) e Santo maldito (Star+), entre outras. Ao desaparecerem, somem não apenas os arquivos digitais, mas também pedaços da memória cultural do país. Algoritmos passam a decidir não só o que assistimos hoje, mas também o que será possível assistir daqui a dez ou vinte anos.
O risco de apagamento não é novidade para os cineastas brasileiros: nossa história recente já mostrou como a ausência de políticas consistentes pode deixar a produção nacional vulnerável. A relação do Brasil com o cinema sempre oscilou entre alguns períodos de expansão e outros de quase colapso. É preciso voltar algumas décadas para entender como o país estruturou, desmontou e reconstruiu seu sistema de financiamento e regulação do cinema.
Em 1969, tivemos a criação da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme), inspirada em modelos europeus, como o francês Centro Nacional do Cinema e da Imagem Animada (CNC) ou o espanhol Instituto de Cinematografía e das Artes Audiovisuais (Icaa). Naquele período produzimos grandes sucessos de público como Dona Flor e seus dois maridos (1976) e A dama do lotação (1978), que ajudaram a projetar o cinema nacional no exterior.
Em 1990, sob o governo Collor e um pacote de privatizações, a estatal foi extinta e o audiovisual nacional entrou em decadência. A produção despencou: em 1991, foram lançados oito longas-metragens, e muita gente que trabalhava no setor migrou para a publicidade ou trocou de ramo de atividade. Segundo o Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual, no ano de 1992 foram lançados apenas três longas nacionais.
A reação veio com a aprovação das leis de incentivo fiscal, como a Lei do Audiovisual e a Lei Rouanet, que permitiram que empresas e pessoas direcionassem parte do imposto de renda para financiar produções. Essas ações viabilizaram a chamada Retomada, com filmes como Carlota Joaquina, princesa do Brazil (que entrou novamente em cartaz em salas comerciais em agosto passado, com cópia restaurada) e O quatrilho, que concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro, ambos lançados em 1995. Ainda assim, o sistema permanecia instável: dependia da disposição de patrocinadores privados e não oferecia mecanismos contínuos de fomento.
O passo seguinte foi dado em 2001, com a criação da Ancine. A nova autarquia tinha dupla função: regular e fiscalizar o mercado audiovisual, e também fomentar a produção, distribuição e exibição. A mesma legislação que criou a Ancine também instituiu a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), uma taxa obrigatória para todos os agentes econômicos que exploram comercialmente obras audiovisuais no Brasil. Produtores, distribuidores, exibidores, emissoras de tevê e operadoras de telecomunicações deveriam contribuir para um fundo a ser reinvestido no próprio mercado.
O Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) foi incorporado ao Fundo Nacional de Cultura (FNC) em 2006 e começou a operar de forma estruturada a partir de 2008. A Ancine passou a administrar os recursos arrecadados pela Condecine por meio de diferentes linhas de investimento, que iam da produção de filmes e séries à distribuição, exibição e infraestrutura técnica. Esse modelo institucionalizado foi um divisor de águas e transformou de forma estrutural a lógica de produção no país.
Em 2011, a Lei do Seac (Serviço de Acesso Condicionado) foi o primeiro marco regulatório robusto para a tevê por assinatura, estabelecendo regras para a operação das empresas e criando mecanismos para ampliar a presença do conteúdo nacional. A lei nasceu de uma necessidade dupla: atualizar a legislação para o cenário convergente – em que telefonia, internet e tevê começavam a se integrar – e corrigir um desequilíbrio histórico, no qual a tevê paga no Brasil era dominada por conteúdo estrangeiro.
A principal inovação da Lei do Seac foi estabelecer cotas de programação para canais de tevê por assinatura e empacotadoras (que oferecem canais em pacotes ao consumidor). Passou a ser obrigatória a veiculação semanal de pelo menos 3 horas e 30 minutos de conteúdo brasileiro no horário nobre de cada canal, sendo metade desse tempo reservado à produção independente. As empacotadoras também ficaram obrigadas a incluir na grade um número mínimo de canais brasileiros. Em paralelo, a lei determinou que as operadoras de telecomunicações que atuavam na tevê por assinatura recolhessem a Condecine, reforçando o financiamento do fsa.
A proposta enfrentou forte resistência no início. Campanhas publicitárias acusavam o governo de “querer controlar o que o brasileiro assiste”, alegavam que o público rejeitaria o conteúdo nacional e que a obrigatoriedade limitaria a liberdade de escolha. Os resultados concretos indicaram exatamente o oposto: a exigência legal criou mercado e não afastou o público. Esse movimento beneficiou tanto produtoras já consolidadas quanto novas empresas, que encontraram na tevê por assinatura um espaço antes restrito a produções estrangeiras.
Entre 2008 e 2019, o FSA investiu cerca de 4 bilhões de reais no setor audiovisual, distribuídos em milhares de operações em diferentes segmentos, segundo dados da Ancine. Esses recursos contemplaram longas-metragens para cinema, séries para tevê, programas de formação profissional e a modernização de salas de exibição. Uma parte significativa dos investimentos foi realizada por meio de editais públicos; outra, por linhas automáticas, que repassavam diretamente às empresas valores proporcionais ao desempenho anterior – um mecanismo pensado para premiar quem já demonstrava capacidade de entrega e resultados no mercado.
Os efeitos dessa política foram diretos. No cinema, a média anual de estreias brasileiras saltou de pouco mais de 59 longas entre os anos 2000 e 2009, para cerca de 170 em 2019. O paradoxo é claro: os primeiros projetos de série realizados no Brasil para plataformas globais só foram possíveis porque havia profissionais e empresas formados em projetos financiados pelo fsa.
Não é preciso inventar a roda: outros mercados já enfrentaram dilemas semelhantes e encontraram formas de transformar a regulação em motor econômico e criativo. A Coreia do Sul, por exemplo, adotou um modelo que sustentou o avanço do K-Content como uma das maiores forças de exportação cultural da última década. Para tanto, o país combina exigências de investimentos robustos em conteúdo local com medidas de proteção que restringem a exibição excessiva de produções estrangeiras no cinema e na tevê aberta.
A União Europeia, por sua vez, instituiu a regra de que ao menos 30% do catálogo de cada serviço de streaming deve ser composto por obras europeias (o que inclui produções de qualquer Estado-membro e coproduções reconhecidas). Na prática, a exigência acelerou a compra de títulos existentes e a encomenda de novas obras, mobilizando produtoras, equipes técnicas e distribuidoras nos países-membros.
Na França, as plataformas devem investir entre 20% e 25% da receita obtida no país em obras europeias, com percentuais mínimos destinados a produções francesas e de produtores independentes. Houve aumento de empregos, fortalecimento de empresas e maior presença de filmes franceses em festivais e mercados internacionais. A Espanha combinou a cota europeia de 30% com um pacote de políticas (chamada Spain Audiovisual Hub) superior a 1,6 bilhão de euros, incluindo formação profissional e estímulos à produção e internacionalização. Foi nesse ambiente que La casa de papel, inicialmente uma série de canal aberto com audiência mediana, foi adquirida pela Netflix, ganhou nova temporada e mais investimento, e tornou-se uma das séries mais vistas da plataforma em dezenas de países.
Guardadas as diferenças, os elementos comuns dessas políticas são claros: regras objetivas, prazos de adaptação e impacto mensurável na cadeia produtiva. Cota e obrigação de investimento geram demanda imediata, pois plataformas precisam preencher o catálogo com títulos locais, comprar licenças de obras já existentes e encomendar novas produções. Medidas bem calibradas têm efeito em cascata, pois aumentam a demanda por obras nacionais, irrigam toda a cadeia produtiva, fortalecem a circulação internacional e criam sustentabilidade de longo prazo.
O Brasil discute modelos muito mais modestos do que todos esses: a Strima – associação que representa os interesses dos serviços de streaming de conteúdo audiovisual no Brasil – defende a alíquota de 3%, enquanto entidades ligadas à produção independente reivindicam 12%, ainda bem longe dos 20%-25% de investimento direto adotados na França. O setor é fragmentado no Brasil: inclui grandes grupos de mídia, produtores independentes de diferentes portes, operadoras de telecomunicações e players internacionais com modelos variados. Some-se a isso a pressão diplomática dos Estados Unidos contra qualquer tributação de plataformas digitais. Diante desse mosaico de interesses conflitantes, só um pacto multissetorial consistente poderia viabilizar uma regulação: caso contrário, a chance de aprovação é praticamente nula.
Um relatório preliminar da Ancine calculou que plataformas como Netflix, Prime Video, Disney+, YouTube e outras teriam faturado juntas 69,7 bilhões de reais no Brasil em 2024. Só a Netflix arrecadou 10,4 bilhões de reais. A Amazon Prime Video, 5,29 bilhões de reais; a Disney+, 7 bilhões; e o YouTube, 6,5 bilhões. Esses valores, porém, foram contestados depois de ter sido identificado um erro de soma no documento. A controvérsia gerou divisões internas na Ancine e alimentou rumores de que valores inflados de faturamento acabem servindo como pretexto para reduzir a alíquota de taxação.
Seja qual for o faturamento real das plataformas, a taxação representa, para o governo, receita nova e diretamente vinculada à atividade que a gera. São recursos que podem criar um ambiente competitivo mais equilibrado dentro da indústria audiovisual. Mesmo com a alíquota inicial tão irrisória, estima-se que o impacto na arrecadação poderia praticamente triplicar o orçamento do FSA (mas as estimativas também são parte do desafio, já que, sem regulação, não temos acesso a dados oficiais sobre o faturamento das plataformas).
A regulação não deve ser vista como uma pauta “corporativa” do setor audiovisual. É política pública de amplo impacto: emprego, arrecadação, desenvolvimento regional e projeção internacional. Além de irrigar outras áreas da economia – como as já citadas hotelaria, alimentação e transporte, por exemplo –, o audiovisual também se conecta diretamente com setores estratégicos da economia criativa, como a música, a literatura e os games. Histórias originais muitas vezes nascem em um formato e se expandem para outros: um livro que vira filme, uma série que inspira um jogo, um documentário que desdobra sua trilha sonora em shows. Quando garante condições para produzir e circular conteúdos nacionais, a regulação fortalece toda essa cadeia cultural, ampliando o alcance de artistas, editoras, desenvolvedores e compositores brasileiros.
Adiar indefinidamente a regulação dos streamings no Brasil é perpetuar a dependência e a vulnerabilidade. Significa abrir mão de transformar o imenso mercado consumidor brasileiro em força produtiva própria e desperdiçar a oportunidade de fazer com que a próxima grande série mundial ou o próximo filme premiado no exterior deixem de ser exceções e passem a ser resultado natural de um ecossistema saudável e competitivo. É negligenciar o potencial criativo da cultura brasileira – um dos maiores reservatórios de narrativas originais do planeta – como alicerce de uma indústria sólida, capaz de projetar o país com relevância na disputa global por prestígio, influência e protagonismo cultural.
Nada disso avança sem disputa. Parte da bancada conservadora e os parlamentares ligados a interesses empresariais do setor de telecomunicações repetem o discurso de que há risco de “afastar investimentos” ou “censurar conteúdos” – argumentos que não se sustentam diante da experiência internacional. Não há evidência de que a regulação leve as plataformas a abandonarem um mercado de grande porte, como é o caso do brasileiro. Quanto mais o debate permanecer restrito a comissões e audiências pouco acompanhadas pelo público, mais espaço terão esses grupos para moldar a lei de acordo com seus interesses. Tornar o tema visível é, portanto, também uma forma de tentar equilibrar forças.
O cenário futuro pode ter dois caminhos.
Com regulação: em cinco anos, haverá dezenas de séries e filmes originais financiados com recursos gerados no Brasil, formando profissionais, fortalecendo produtoras regionais e criando um catálogo competitivo no mercado global.
Sem regulação: com o consumo em alta, mas quase toda a receita indo para fora do Brasil, restarão aqui apenas empregos temporários e serviços terceirizados, produtoras nacionais fecharão as portas e haverá uma dependência crescente de narrativas estrangeiras que contam a nossa história sob uma perspectiva externa.
Afinal, o debate sobre a regulação do streaming é menos sobre tecnologia e mais sobre soberania. Não se trata apenas de decidir quantos filmes brasileiros estarão no catálogo ou qual será a alíquota de contribuição. É escolher se queremos exportar talentos e importar narrativas, ou se vamos criar as condições para que o Brasil seja dono das suas próprias histórias. Cada mês de adiamento da decisão significa mais receitas transferidas para fora, mais empresas fechando e mais memória cultural perdida. É uma conta que não para de crescer. Quando o Congresso finalmente decidir a data em que o streaming entrará na pauta da Câmara dos Deputados para ser votado, não estará apenas regulando um mercado: estará decidindo se o Brasil será autor ou figurante na cena global.
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