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Soldados, vapores e radinhos

Conversas gravadas pela polícia mostram a rotina dos operários do tráfico e o esforço de uma mãe para proteger o filho traficante

Elvira Lobato | 26 dez 2018_09h00
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Faltavam quinze minutos para a meia-noite de 25 de outubro de 2017 quando a polícia interceptou a ligação telefônica de uma mãe em busca de notícias do filho que estava “de plantão” quando uma equipe do Bope, o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar, entrou na favela do Guandu, em Japeri, na Baixada Fluminense, para mais uma operação de repressão ao narcotráfico, o que, naquela região, tem se tornado sinônimo de “enxugar gelo”.

A mãe pergunta se os policiais haviam entrado na favela. O interlocutor responde afirmativamente, e ela se desespera porque o filho Dudu, menor de idade, estava “de plantão”. Um desavisado poderia supor que o adolescente era mais um trabalhador em situação vulnerável a balas perdidas durante confrontos entre policiais e traficantes. Mas, não. Era um “soldado” do tráfico, e não podia deixar o posto para escapar dos tiros, como ansiava a mãe.

O diálogo acima faz parte da denúncia do Ministério Público sobre o suposto envolvimento de políticos com integrantes de uma das facções do tráfico de drogas – a ADA, Amigos dos Amigos – atuantes no município de Japeri. O prefeito Carlos Moraes Costa, o presidente da Câmara Municipal, Wesley George de Oliveira e o vereador Cláudio José da Silva, todos do PP, estão presos desde julho último, por suspeita de associação ao tráfico. As prisões foram amplamente noticiadas pela imprensa, mas, diante da relevância dos acusados, o desespero da mãe com o envolvimento do filho menor no crime passou despercebido.

Do outro lado do telefone, na conversa com a mãe, estava um outro jovem traficante, identificado pelo Ministério Público como Alexandre Rafael Silva. Ele diz que Dudu não poderia deixar o posto porque “o Bope tá lá lombradão” (chapado de maconha) e que dois companheiros deles de tráfico tinham sido mortos. Ela chora e seu interlocutor tenta acalmá-la, dizendo que o filho dela estava de plantão perto da entrada da favela, e que o pau comia nos fundos da comunidade.

O menino saiu ileso do confronto, mas não livre de perigo, como se depreende de um outro telefonema da mãe, capturado no dia seguinte pela escuta policial. Eram pouco mais de duas e meia da tarde quando ela voltou a ligar para o mesmo número da véspera. O menor estava desde o final da tarde anterior em seu posto na favela. Ela avisou que o plantão do filho terminaria três horas depois e que ele tinha de “repassar a peça” (arma) para o substituto. O interlocutor consulta outro integrante da facção e diz que o problema era de Dudu e que se falhasse no cumprimento da responsabilidade, o chefe do tráfico local “entraria no caminho dele”.

As conversas paralelas dos anônimos, captadas nos grampos telefônicos da investigação policial, são reveladoras de uma face pouco comentada do narcotráfico: a organização interna de trabalho e a relação entre os escalões hierárquicos. O tráfico de drogas se alastrou de tal forma pelo estado do Rio de Janeiro, que virou alternativa de mercado de trabalho para os jovens pobres e sem perspectiva de emprego.

Na noite de 25 de janeiro de 2018, a polícia gravou uma conversa que evidencia a rotina de trabalho dos peões do tráfico. Pouco depois das 22 horas, uma menor (identificada pelo primeiro nome, Vitória) conta para a mãe que ela e três colegas – Lucas, Belinha e o respectivo marido – passariam a noite de plantão no mesmo local, na favela Beira-Rio. A mãe de Vitória, que supostamente conhecia todos os citados, pergunta o que Lucas estava fazendo lá. “Traficando”, responde a menor.

O promotor de Justiça Carlos Eugênio Greco Laureano, que assinou a denúncia contra os políticos de Japeri, discorreu sobre esta organização de trabalho no âmbito da ADA naquele município. Os profissionais, segundo ele, são distribuídos em núcleos, com atividades específicas: financeiro, logístico, operacional, abastecimento, transportes e outros. O líder principal tem um gerente em cada comunidade sob o controle da facção, os quais controlam os “soldados”, “vapores” e “radinhos”.

Os soldados, prossegue o promotor na denúncia, são responsáveis pela segurança dos pontos de venda de entorpecentes e por aplicar as punições impostas pela cúpula da organização. Os “vapores” fazem a venda direta aos usuários e os “radinhos” (também chamados de “atividades”) vigiam as vias de acesso às comunidades dominadas pela facção e informam sobre a aproximação da polícia e de outras “forças hostis”.

Toda pessoa de fora é considerada, em princípio, hostil. Por este motivo, uma das regras básicas de sobrevivência na periferia do Rio – não só em favelas – é circular com os vidros do carro abertos e com a luz interna do veículo ligada, mesmo sob a luz do dia.

A investigação que levou à prisão dos políticos e à denúncia de 37 traficantes foi batizada de “Operação Sênones”. Segundo a explicação divulgada à época, o nome foi escolhido porque o chefe local do tráfico preso naquela operação se chama Breno, assim como o chefe da tribo celta dos sênones que liderou o exército gaulês e saqueou Roma quatro séculos antes de Cristo.

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