Uma multidão de fotógrafos e cinegrafistas apontava as câmeras para um dos elevadores do Senado, às nove da manhã, aguardando a chegada de Cristiano Zanin. O advogado, agora ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), despontou discretamente em outro corredor, driblando todos. Chegou para a sabatina sem ser visto pela imprensa. Antes do começo da sessão, reuniu-se numa pequena sala com aliados, entre eles os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Renan Calheiros (MDB-AL). Também estava ali o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas – um dos cotados para assumir a próxima vaga do Supremo, que será aberta com a aposentadoria de Rosa Weber, prevista para outubro.
A essa altura, Sergio Moro já havia entrado, saído e retornado do plenário onde aconteceria a sabatina. O senador chegou cedo para garantir um assento na primeira fileira. “Tenho várias perguntas para fazer”, anunciou rapidamente aos jornalistas. Fez exatamente catorze, logo no começo da sessão. Uma delas se baseou numa notícia falsa segundo a qual Zanin, seu ex-rival na Lava Jato, teria sido padrinho do casamento de Lula e Janja.
Enquanto Moro apresentava seu questionário, a senadora Zenaide Maia (PSD-RN), que ficou com uma suplência na CCJ, circulava pelo Salão Azul. “O Zanin, pelo que conheço, ninguém vai tirar do sério”, disse, tranquila. Questionada sobre o confronto entre o ex-juiz e o ex-advogado de Lula, respondeu: “O Moro tem que se encolher. Ele é que é um safadão.” A senadora esteve com Zanin há poucos dias, numa reunião marcada pela bancada feminina do Senado. Nesta quarta-feira (21), votou no plenário a favor do novo ministro do Supremo: “O Brasil deve muito a ele”, afirmou.
Moro foi responsável pelo principal embate com Zanin na sabatina, marcada pelo tom ameno. Outros bolsonaristas contestaram o fato de Lula ter indicado seu advogado pessoal para o STF, mas não foram além. Seguindo o sinal dado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, o PL, dono da maior bancada do Senado, liberou os parlamentares para que votassem como quisessem. A oposição vem tentando distensionar a relação com o Supremo e com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que começa a julgar nesta quinta-feira (22) a inelegibilidade de Bolsonaro.
“Ele é um cara de bom senso, equilibrado”, disse à piauí a senadora Tereza Cristina (PP-MS), que se encontrou com Zanin há semanas, durante um almoço, antes mesmo de Lula concretizar a indicação. “Ele é simpático”, reconheceu até o ex-vice de Bolsonaro e agora senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), deixando claro, no entanto, que votaria contra a indicação feita por Lula. Rogério Marinho (PL-RN) disse que sua conversa com Zanin foi “boa e tranquila”. O senador Jorge Seif (PL-SC), figura próxima de Bolsonaro, definiu o indicado de Lula como “qualificado” e, às quatro da tarde, disse que ainda estava decidindo seu voto. Flavio Bolsonaro (PL-RJ) declarou que a trajetória de Zanin na advocacia “o qualifica como ‘garantista’” – um elogio.
O ex-titular da Secom de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, se reuniu com parlamentares do PL na terça-feira, véspera da sabatina. Reconheceu que haveria votos no PL a favor de Zanin. “Indicação de ministro do Supremo é prerrogativa do presidente da República”, justificou, sintético.
“Zanin acabou, já estamos na disputa pela vaga da Weber”, disse uma parlamentar da base bolsonarista na manhã de hoje, antes de a sabatina começar. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), é cotado para o posto. Parlamentares atribuem a isso a rápida aprovação de Zanin – seria uma sinalização de Pacheco a Lula. Se vai se concretizar, é outra história. “Não acho que faça sentido para o Lula. Para que tirar um aliado que tá aprovando tudo no Senado?”, diz a mesma parlamentar. “É mais fácil segurar o Pacheco prometendo a ele uma terceira vaga.” Essa vaga, no caso, será aberta caso Luís Roberto Barroso antecipe sua aposentadoria. O ministro tem negado essa hipótese.
Outros candidatos ao Supremo circularam pelo Senado nesta quarta-feira. Além de Bruno Dantas, do TCU, o ministro do TSE Mauro Campbell compareceu à CCJ para cumprimentar Zanin. Campbell já foi cotado em diferentes ocasiões para assumir uma vaga no tribunal.
Moro foi um dos poucos senadores que não esteve com Zanin nas últimas semanas. Não foi procurado pelo ex-rival e não o procurou. Kajuru (PSB-GO) disse ter recusado cordialmente um encontro com o indicado de Lula – o senador se orgulha de não se reunir com ninguém que tenha interesses em pauta no Senado. Soraya Thronicke (UNIÃO-MS), que passou alguns dias afastada do Senado por motivos de saúde, afirmou que não teve tempo de se reunir com Zanin.
O senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) chegou a ser procurado pelo ex-advogado de Lula. Segundo ele, Zanin prometeu que apareceria em seu gabinete para defender a indicação, o que não aconteceu. “Ele falou que ia passar lá até as seis da tarde, hoje, mas até agora nada”, disse Valentim à piauí, na terça-feira à noite, enquanto andava pelo Senado. “Sem conversar, fica difícil me convencer a votar. Vou decidir no plenário”, afirmou. No fim das contas, Zanin realmente não apareceu. Hoje, Valentim votou contra ele.
A sabatina de Zanin demorou oito horas, terminando às seis da tarde. Enquanto os últimos senadores se pronunciavam na CCJ, Moro fazia hora no plenário do Senado, esvaziado naquele momento. Trocou palavras com Hamilton Mourão e Nelsinho Trad (PSD-MS). Depois, sentou-se em sua poltrona e passou a mexer no celular. Quando terminou a sabatina, Pacheco abriu imediatamente a sessão para votar a indicação de Zanin. O plenário então começou a encher e formaram-se rodas de conversa entre os senadores. Moro permaneceu sentado, sozinho.
O ex-juiz pediu a palavra e, no púlpito do Senado, reforçou que suas perguntas na sabatina foram “técnicas”. Disse que Zanin “fez seu trabalho como advogado, assim como fiz meu trabalho como juiz”, e concluiu justificando seu voto contrário ao “doutor Cristiano”: “Não [é] por falta de qualidades pessoais, mas porque é advogado pessoal do presidente da República.” O senador Fabiano Contarato (PT-ES) assumiu o microfone em seguida e espinafrou Moro. “Grave para mim é ex-juiz sair da magistratura para participar de governo que ajudou a eleger.”
No plenário do Senado, Zanin recebeu 58 votos a seu favor – mais do que o necessário (41), menos do que alardeava a base do governo (60). O voto é secreto, mas as contas permitem concluir que o advogado de Lula virou ministro com votos de bolsonaristas.