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    Mark Ruffalo e Michael Rezendes, repórter investigativo, integrante senior da equipe Spotlight do Boston Globe

questões cinematográficas

“Spotlight” – entretenimento e responsabilidade

Eduardo Escorel | 18 fev 2016_13h38
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O título completo de Spotlight, no Brasil, é Spotlightsegredos revelados. Seria possível opção pior? Difícil, muito difícil. O adendo ao original deve ter intenção de atiçar a bisbilhotice do público e refletir no resultado de bilheteria. Sendo esse o propósito, não passa de oportunismo barato e vulgariza o filme dirigido por Thomas McCarthy. Um filme interessante, bem intencionado, narrado de forma convencional mas eficiente e com um bom elenco.

Por que não manter apenas o título em inglês, como já se tornou prática corrente no Brasil? Ou, talvez, acrescentar ‘interesse público’ a Spotlight. Ou traduzir Spotlight por ‘em foco’. Não teria o mesmo apelo comercial? Talvez, não. Mas ao menos deixaria de banalizar o filme por antecipação.

A relevância de Spotlight, que deriva da gravidade dos fatos relatados no filme – abusos sexuais de crianças cometidos de modo recorrente por padres e encobertos pela Igreja Católica – é prejudicada, à primeira vista, pela sensação de que o assunto demorou demais para chegar às telas. Afinal, 13 anos se passaram desde que matéria publicada em janeiro de 2002 no Boston Globe tornou os crimes cometidos de conhecimento público.

Elenco do filme durante as gravações.
Elenco do filme durante as gravações.

O atraso que importa, porém, dadas suas consequências, não é tanto o do cinema. Em primeiro lugar está o da Igreja Católica que até hoje não deu sinais de ter encontrado meio adequado para tratar da questão, sob pretexto, segundo alguns, de que Roma não foi feita em um dia. Só em 2014, 12 anos depois das reportagens do Globe, o Vaticano criou a Comissão sobre abuso sexual cometido pelo clero, encarregada de encontrar meios para proteger crianças.

Significativa também é a demora do próprio jornalismo, apenas parcialmente redimido pelas reportagens de 2002, considerando que um jornalista do próprio Globe recebeu informações sobre o que vinha ocorrendo quase uma década antes.

Se o cinema, nesse aspecto, reproduz o padrão de comportamento recorrente, deixando de tratar no calor da hora de fatos que importam, por outro lado, introduz no debate, em casos como Spotlight, questões inesperadas – Oscars, pipoca e refrigerante.

Na recente entrevista a Christiane Amanpour, McCarthy, diretor de Spotlight, foi claro. Para ele, é uma “história atraente, muito divertida (entertaining), que pode realmente ter um grande impacto”. Aí está, com limpidez, o paradoxo do cinema. É possível conciliar entretenimento com as expectativas de Mark Ruffalo, declaradas na mesma entrevista a Amanpour, de que o filme tenha “efeito e responsabilize os culpados”?

Ruffalo é quem faz o papel de Michael Rezendes, repórter investigativo, integrante senior da equipe Spotlight do Globe, e redator das matérias que trouxeram a público o acobertamento dos abusos sexuais. Entre o pragmatismo de McCarthy e o idealismo de quem, como Ruffalo, acredita no poder do cinema, não haveria um abismo intransponível? No filme, Rezendes grita: “Está na hora, está na hora. Eles deixaram acontecer. Ninguém pode escapar disso.”

Jornalistas do <i>Globe</i> se reúnem com elenco de <i>Spotlight</i>
Jornalistas do Globe se reúnem com elenco de Spotlight

A fórmula perfeita que combina entretenimento, impacto e consequências práticas parece uma quimera. De um lado, há o custo de produção estimado em $20 milhões de dólares, a renda de bilheteria até o momento de $53 milhões, muita pipoca e refrigerante, além da expectativa de alguns Oscars; de outro, há a aparente inoperância da Comissão criada pelo Vaticano, em 2014, que até o momento não atendeu expectativas de que constituisse um tribunal para julgar os acusados, nem divulgou medidas para proteger crianças de serem molestadas por padres.

Como uma legenda informa no final de Spotlight, o cardeal Bernard Francis Law, responsável por acobertar os abusos cometidos em Boston, renunciou à Arquidiocese depois das reportagens do Globe serem publicadas, em 2002. Como consolo foi nomeado pelo Papa João Paulo II, em 2004, arcebispo emérito da Arquidiocese de Santa Maria Maior, em Roma.

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