Stefan Zweig encantou-se pelo Rio de Janeiro numa primeira visita ao Brasil, em 1936. Mais tarde, escolheu a cidade para viver o exílio forçado que lhe fora imposto pela Alemanha nazista. Instalou-se numa pequena casa em Petrópolis, com sua segunda mulher, Lotte, 30 anos mais moça, que havia sido sua secretária. Lá, como é sabido, cometeram suicídio juntos em 1942, profundamente acabrunhados com a evolução do mundo que haviam conhecido.
Zweig foi sempre cordial e delicado com todos os admiradores brasileiros que o aproximavam. Compareceu a numerosas sessões de autógrafos organizadas por seu editor brasileiro, homenagens no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e na Academia Brasileira de Letras, visitou escolas judaicas e atendeu a quase todos os convites. Apesar de tentar preservar-se do assédio, era constantemente solicitado por admiradores.
Entre os muitos livros que lhe enviavam, poucos o terão verdadeiramente interessado como o caso do volume intitulado: , de autoria do jovem diplomata Sérgio Corrêa da Costa, futuro embaixador em Londres e Washington e membro da Academia Brasileira de Letras. Corrêa da Costa tinha então apenas 23 anos, mas já escrevera uma biografia do primeiro imperador que ainda hoje é lida com proveito.
Agradecer por escrito o envio do livro é pretexto para Zweig discorrer sobre a personalidade de Pedro I e sobre seu interesse pela História do Brasil, o que torna a carta de 28 de agosto de 1941 reproduzida nesta página particularmente notável e merecedora de uma transcrição integral:
“Caro amigo e colega,
Desculpe-me se lhe escrevo em francês. É muito fácil para mim ler o português, mas não ouso ainda falá-lo ou escrevê-lo. Recebi seu livro sobre Pedro I no melhor momento – justamente quando fazia as malas para partir, pois em nenhum lugar se tem mais lazer para ler e estudar que a bordo de um navio. Pude então ler seu livro e o fiz com muito prazer: continha não somente uma infinidade de detalhes desconhecidos para mim, como também gostei muito do retrato moral e físico que soube dar de Pedro I. O senhor evitou o romantismo (um pouco fora de moda) e todos os drapeados líricos em torno de sua pessoa, e, por outro lado, lhe fez justiça. Li quatro ou cinco livros sobre Pedro I, mas o seu me fez entender a sua figura de forma ainda mais clara. Também gosto muito das outras pequenas biografias no fim do volume.
Quanto mais a estudo, mais a História do Brasil me parece interessante. Sua ligação com Portugal, com uma mistura de amor e repulsa (ou talvez melhor, ambição) é verdadeiramente fascinante. Espero que seus arquivos nos dêem ainda muito a descobrir e que o senhor pessoalmente terá ocasião de nos dar o prazer de outros estudos, tais como esta vida de Pedro I.
Obrigado de todo coração
Seu sinceramente devotado
Stefan Zweig”
Zweig, fascinado pela história européia, interessou-se pela do Brasil, sobretudo na sua ligação com a história de Portugal, que o aproximava do campo que melhor conhecia. A relação de “amor e repulsa” que identifica entre a colônia e a metrópole, e que considera “verdadeiramente fascinante”, poderia ter sido tema de algum romance histórico se o grande escritor austríaco tivesse decidido viver, e prolongar sua estada no Brasil até o final da guerra.
Esta carta foi guardada por Sérgio Corrêa da Costa por mais de 60 anos, até pouco antes de sua morte, quando a presenteou ao atual detentor, seu afilhado.