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    ILUSTRAÇÃO: JOÃO BRIZZI

questões migratórias

Subsaarianos nos EUA estudaram mais do que americanos

Imigrantes africanos também superam nativos no Reino Unido e na França em grau de instrução, mostra estudo da Pew Research

Roberto Lameirinhas | 24 abr 2018_10h59
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Cérebros interessam, seja lá de onde venham. Estima-se que o Projeto Manhattan, ponto crucial do programa de armas atômicas dos Estados Unidos, não teria sido viável sem as perseguições da Alemanha nazista. Nas últimas décadas, com o elevado custo econômico – e político – da admissão de imigrantes, sucessivas administrações americanas passaram a restringir a chegada de mais estrangeiros, mas a porta para o conhecimento seguiu escancarada.

O recém-liberado relatório do Pew Research Center – uma das principais instituições independentes de análise de dados e demografia do país – sobre imigração originária da África Subsaariana deixa isso bastante claro. Segundo esses números, 69% desses imigrantes com mais de 25 anos tinham pelo menos alguma experiência com o ensino superior, cujo primeiro nível nos Estados Unidos é o chamado “college”. Esta cifra supera a média global dos cidadãos americanos que chegaram ao ensino superior, de 63%. O escritório oficial do censo estima que 1,5 milhão de africanos subsaarianos viviam legalmente nos Estados Unidos em 2015. O Pew calcula que outros 250 mil estejam no país de forma ilegal e exclui essa parcela do atual estudo.

O fenômeno se repete em três dos quatro principais destinos europeus dos imigrantes subsaarianos. Na Grã-Bretanha, esses estrangeiros que chegaram ao ensino superior são 49%, enquanto a população global nativa com essa escolaridade é de 30%. Em Portugal, essa relação é de 27% de subsaarianos com ensino superior para 18% de nacionais. Na França, há 30% de subsaarianos com esse grau de instrução – quase o mesmo da média nacional, de 29%. Entre esses principais destinos, a situação só se inverte na Itália, onde a média dos nativos que chegaram à faculdade é de 15% e a dos subsaarianos é de 10%.

De acordo com outro estudo recente do Pew, 1 milhão de imigrantes subsaarianos chegaram à Europa entre 2010 e 2017. No mesmo período, outros 400 mil foram para os Estados Unidos.

 

O queniano George Njoroge é um exemplo bem-acabado de imigrante que se destacou pela excelência científica. No ano passado, ele se tornou o primeiro africano a acumular mais de 100 registros no escritório de patentes dos Estados Unidos. Pesquisador de laboratórios farmacêuticos como Eli Lilly e Merck, Njoroge foi agraciado em 2012 com o título de Herói da Química pela Sociedade Química Americana.

Depois de emigrar para os Estados Unidos, ele passou a aproveitar seu conhecimento de substâncias encontradas nas florestas africanas para o desenvolvimento de medicamentos utilizados no combate a doenças infecciosas e alguns tipos de câncer. É dele, por exemplo, em parceria com outros três colegas, a patente da droga Boceprevir, considerada a mais eficaz contra a hepatite C.

Outro ícone da imigração subsaariana, mas de uma leva anterior é o matemático nigeriano Phiplip Emeagwali, que chegou a ser citado num discurso do presidente Bill Clinton como exemplo “do que os imigrantes africanos são capazes quando lhes dão uma oportunidade”. Emeagwali foi recrutado como menino-soldado na guerra civil da Nigéria, no fim dos anos 60. Completou os estudos que equivaliam ao ensino médio por conta própria e emigrou para os Estados Unidos onde, em 1989, ganhou o Prêmio Gordon Bell por desenvolver uma aplicação de computador de alto desempenho ao custo de 1 mil dólares. Na Nigéria, ele é conhecido – segundo especialistas, um pouco exageradamente – como “o pai do supercomputador”.

O fator que explica nos dias de hoje a chegada de cada vez mais estrangeiros que rompem com o estereótipo do morador de rua desassistido está na própria origem da imigração para os Estados Unidos. O programa conhecido como “loteria de vistos” do Departamento de Estado, entre 2010 e 2016, exigia alta escolaridade para boa parte dos candidatos.

Com isso, o grau de empregabilidade desses imigrantes também se manteve alto. Em 2015, 92,9% dos imigrantes subsaarianos maiores de 15 anos tinham trabalho com remuneração regular nos Estados Unidos. Nos países europeus, 91,5% dos subsaarianos da Grã-Bretanha estão empregados. Em Portugal, eles são 84,9%; 83,7% na França e 80,3% na Itália.

Segundo o estudo do Pew, nem todo imigrante permanece no mesmo nível de escolaridade do momento em que deixa seu país de origem. Como, em grande medida, emigram para países que foram metrópoles coloniais, dominam o idioma do país de destino numa proficiência suficiente para dar continuidade à sua formação. Assim, políticas de imigração e histórias coloniais ajudam a moldar o perfil dos imigrantes.

Seis das dez principais origens de imigrantes subsaarianos para a Grã-Bretanha – e para os Estados Unidos – são países onde o inglês é idioma importante: Nigéria, Gana, Quênia, África do Sul, Zimbábue e Tanzânia. Angola, Moçambique e Cabo Verde são origem de 80% dos imigrantes subsaarianos que vivem em Portugal. Assim como Madagascar, Senegal e Costa do Marfim são fonte de um terço dos imigrantes subsaarianos que estão na França.

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Correção: uma versão anterior do gráfico publicado nesta reportagem indicava, incorretamente, que o grau de instrução dos italianos era de 10%, e o dos imigrantes subsaarianos na Itália era de 15%. O correto é o contrário. O erro está corrigido no gráfico.

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