Raul, Toninho Baiano, Osmar, Luisinho e Júnior; Cerezo, Carpegiani e Zico; Tita, Reinaldo e Éder. Essa é uma das escalações que poderiam ser feitas combinando os jogadores de Flamengo e Atlético Mineiro que entraram em campo no dia 1º de junho de 1980, no Maracanã, para decidir o Campeonato Brasileiro. Esses onze caras defenderam a nossa seleção e oito deles disputaram Copa do Mundo.
Fui ao jogo. Morava na Lauro Müller, uma pequena rua com alma de subúrbio meio que deslocada na Zona Sul carioca e que carrega boa parte da memória cultural da cidade, já que ali funcionou o Solar da Fossa. Eu e os amigos da Lauro Müller tínhamos comprado nossos ingressos com antecedência – única maneira de comparecer a um jogo com mais de 154 mil pessoas –, só que precisei passar a manhã e o começo da tarde de domingo desenrolando alguns contenciosos com a namorada. Questões resolvidas e namoro mantido, segui para encontrar a rapaziada, mas todos já tinham ido embora.
Embiquei meu Bugre amarelo – quase tão lendário quanto o Solar da Fossa – em direção ao Maraca e passei por uma experiência inédita: chegando lá quinze minutos antes da partida começar, me surpreendi com o entorno do estádio semideserto e cruzei a roleta com uma tranquilidade de Olaria x Bonsucesso. Só fui entender o que acontecia quando me atrevi a botar a cabeça para fora do túnel sombrio que dava acesso à arquibancada, e percebi que todo mundo que tinha que entrar já estava lá dentro. Não cabia uma mosca.
Cresci ouvindo a história de um tio que foi à final entre Brasil e Uruguai, em 1950, e que depois de chupar uma laranja se viu obrigado a engolir o bagaço por não ter como jogá-lo fora. Ainda bem que era laranja, imaginem se fosse manga.
No caso de Flamengo e Atlético Mineiro, a situação se repetia. Dei meia-volta e decidi tentar a parte superior do estádio, para cavar meu lugar no último degrau da arquibancada. Neca. Sem ver saída, parti para a mais desesperada das atitudes: apelei para o banheiro.
Os banheiros do Maracanã tinham, acima das pias, umas cerâmicas do tipo cobogó que ajudavam na ventilação. Escalei a pequena parede, me agarrei aos pedaços vazados de cerâmica e comecei a ver o jogo dali.
Todos devem ter uma boa noção do que eram os banheiros do Maraca em 1980, mas esse foi o menor dos meus problemas. Provavelmente para dar um toque estiloso, o arquiteto preferiu que os tijolos ficassem enviesados, de maneira que eu só conseguia enxergar um dos lados do campo. Por sorte, logo aos sete minutos Zico deixou Nunes na cara de João Leite e o Flamengo fez um a zero. Saí do banheiro comemorando e aproveitei a empolgação da torcida para me enfiar em um microespaço entre um degrau e outro. Quando me acomodei, Reinaldo já tinha empatado a partida, mas pelo menos dali eu conseguia ver tudo.
O resto da história é igual à de todos os que estiveram no Maraca naquele dia. Zico fez dois a um, o infernal Reinaldo – mesmo mancando – empatou de novo, Nunes fechou o placar que ele mesmo havia aberto e o Flamengo beliscou seu primeiro título brasileiro.
Hoje, Flamengo e Atlético Mineiro fazem, no novo e asséptico Maracanã, a primeira partida das semifinais da Copa do Brasil. Há expectativa de um bom jogo. Pode até ser e tomara que seja, mas dos vinte e dois escalados, apenas três teriam alguma chance nos times de 1980. Pelo Flamengo, Samir no lugar de Manguito – que, apesar de imortalizado por uma citação de Jorge Ben Jor em , quase entregou a rapadura no finzinho, com um desastroso recuo de bola que esfriou a espinha de 150 mil torcedores rubro-negros. Pelo Atlético Mineiro, creio que Victor ganharia a vaga de João Leite e, como vem jogando o fino, Diego Tardelli entraria no lugar de Pedrinho. Nos outros, há muito mais vontade do que técnica, muito mais esforço do que talento.