Ao aceitar o cargo de superministro da Justiça (e segurança), Sergio Moro aceitou por tabela o de candidato à sucessão de Jair Bolsonaro. Até o mais neófito dos deputados recém-eleitos pelo PSL sabe que a próxima eleição começa quando a anterior termina. Impensável que o futuro ex-juiz que sentencia como quem joga xadrez não tenha considerado o lance seguinte de sua nova carreira. Ministro do Supremo? Só se der tudo errado.
Assim, o folhetim político brasileiro se consolida como roteiro de novela ruim. O algoz do protagonista o tira de cena para assumir o seu papel. Moro condena Lula para vir a ser eleito presidente no seu lugar, eventualmente. Essa história perseguirá o futuro superministro-candidato e, de quebra, amarrará o PT em uma narrativa que o impedirá de sair do lugar. Xeque.
Como candidato, Bolsonaro já se provara um grande manipulador de tramas. Graças a essa qualidade, conseguiu, a exemplo de Trump nos Estados Unidos, tanta mídia gratuita na tevê que compensou com sobras a falta de propaganda no horário oficial – algo absolutamente essencial para o sucesso de seu projeto eleitoral. Como presidente eleito, segue pelo mesmo caminho de marionetista. Se há função supérflua no governo Bolsonaro é a de secretário de imprensa. O Twitter é seu porta-voz, e ele é seu próprio estrategista de comunicação. A imprensa que corra atrás.
“Moro é indemissível.” Em tese. Se a Polícia Federal não policiar, se o Ministério Público se rebelar e se a corrupção grassar, Bolsonaro pode “promovê-lo” a ministro do Supremo Tribunal Federal. Se Alexandre de Moraes pode, Moro também poderá. Logo, não é com tanto pesar assim que o futuro ex-juiz abandona 22 anos de magistratura. Leva, como seguro-desemprego, vale-promessa de cargo vitalício na mala para Brasília.
Na maleta de mão, Moro também poderia levar a capa do Estadão de 6 de novembro de 2016 na qual se lê, em manchete garrafal: “Jamais entraria para a política.” Deveria emoldurá-la e colocá-la na antessala de seu futuro gabinete, no Palácio da Justiça, como advertência aos jornalistas que o forem entrevistar. Ao lado, quem sabe, uma plaquinha de bronze, com outra frase inesquecível: “É errado tentar medir a Justiça por essa régua ideológica.”
Para um capitão, Bolsonaro tem demonstrado habilidades de general de filme de guerra, daqueles que ficam mexendo pecinhas numa mesa em formato de tabuleiro. Terceirizou a economia de tal forma que, qualquer fracasso, será de Paulo Guedes e só dele. Entendeu, antes de assumir, o que Dilma demorou demais a captar: ministro é como fusível, existe para ser trocado e evitar que o presidente se queime. Ao nomear Moro, repetiu a tática com a principal área publicitária de seu governo, a segurança. Se o superministro colher bons resultados, serão de Bolsonaro. Se frustrar o eleitorado, mesmo tendo fama de superministro, a culpa não terá sido do presidente que deu tudo o que ele quis.
Também há que se notar a ironia de Bolsonaro ter conseguido estampar em todos os jornais e tevês a imagem de Moro se deslocando de sua República particular, a de Curitiba, até a Nova República da Barra da Tijuca para falar com ele. Um ano e meio depois de ter sido ignorado pelo então todo-poderoso juiz da Lava Jato durante encontro casual no Aeroporto de Brasília, Bolsonaro demonstrou quem, de fato, é a montanha e quem é Maomé.
Finalmente, a nomeação de Moro para tal superministério já colocou o PT em transe, como aquele jornalista que, após ter acertado uma única previsão na vida, fica repetindo o tempo todo para cada vez menos pessoas: “Eu te disse, eu te disse!”
Bolsonaro deu para o principal partido de oposição ao seu futuro governo um brinquedo tão viciante para se distrair que é capaz de conseguir desviar o foco dele próprio. Mais importante, evita que o PT coloque Lula no panteão dos ex-presidentes e busque construir uma nova liderança. Os lulistas do PT ganharam meses de combustível para colocar na fogueira das vaidades que consome e consumirá o partido numa luta interna enquanto o que sobrou do PDT de Ciro Gomes, o PSB e o PCdoB articulam uma frente independente. A nomeação de Moro foi a pior notícia que Fernando Haddad recebeu desde a boca de urna do Ibope no domingo passado.
Bolsonaro está jogando com as brancas, tem uma peça de vantagem sobre os adversários e controla o tabuleiro de 2022. E se o Congresso vier com exigências demais, tem fardas suficientes na Esplanada para ameaçar virá-lo. Mas essa é outra coluna.