Livia Serpa, co-editora de , dirigido por João Salles, ficou nos devendo uma visita à Tate Modern desde novembro, depois que Walter Lima Jr. mandou notícia publicada no The Guardian sobre a instalação de Tacita Dean, definida pela própria artista como “uma carta de amor a uma mídia em via de desaparecimento”. A desculpa de Livia, atualmente fazendo mestrado em Londres, pelo atraso foi ter estado tomada por sua dissertação.
Tentando se redimir, ela finalmente foi à Tate Modern e mandou seu relato e suas fotos.[EE]
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Ao chegar ao museu minha primeira surpresa foi notar a escuridão em que se encontrava a enorme entrada principal dessa histórica construção que já foi uma grande fábrica de produção de eletricidade. Havia uma sugestiva luz piscante vinda de trás de uma divisória de madeira mas o restante da sala estava às escuras. Na parede me deparei com um texto escrito pela própria Tacita Dean e uma frase logo me chamou atenção:
“Eu edito meus filmes em uma Steenbeck [marca de mesa de montagem], eu sempre trabalho sozinha, eu corto o negativo manualmente e depois o colo usando fita adesiva. São nesses dias ou semanas de trabalho solitário e concentrado que está o coração do meu processo criativo e o modo como eu moldo e faço filmes. Filme é o meu material de trabalho e eu preciso da matéria do filme assim como um pintor necessita da matéria da tinta.”
Essa frase foi uma boa indicação do que eu estava prestes a descobrir.
Algumas das técnicas utilizadas lembram os experimentos dos primeiros anos do cinema, quando trabalhar com o filme negativo ainda era uma aventura imprevisível e desafiadora. Em “Film”, Tacita Dean brinca com a dupla exposição da imagem, com recortes e colagens, pinta à mão o negativo e parece se divertir com as inúmeras possibilidades de manipulação de cor e criação de texturas. O resultado é um filme mudo de 11 minutos em loop, projetado continuamente sobre um enorme monolito de mais de 13 metros de altura. A peça tem as proporções de um fotograma de 35 mm com as famosas perfurações laterais típicas de um filme negativo. O tamanho do enorme fotograma impressiona e também diverte. Ao passarem em frente à fonte de luz, a sombra das pessoas é projetada na obra e assim interagem com as imagens. As crianças, em especial, pareciam incansáveis brincando com as várias formas que criavam sobre o enorme negativo.
Mais tarde, ao pesquisar sobre a artista, descobri que Tacita Dean nasceu em Canterbury, na Inglaterra, mas mora e trabalha agora em Berlim, tem uma irmã chamada Antígona e um irmão Ptolomeu. Descobri também que Tacita Dean tem demonstrado sua preocupação com o fato de ser cada vez mais difícil encontrar e trabalhar com filme negativo. Com a tecnologia digital virando norma nas produções audiovisuais, muitos dos tradicionais laboratórios de revelação e processamento de filme tem fechado as portas. Numa entrevista à rede televisiva BBC, a artista comenta:
Mesmo depois de mais de um século de experimentos com película, as possibilidades desse meio parecem ainda não ter se esgotado. Há algo de misterioso, inesperado e arriscado na maneira como as imagens são captadas em filme que não encontra paralelo na imagem digital, e isso parece explicar em parte o fascínio que sentimos ao nos depararmos com essas imagens. A vídeo instalação de Tacita Dean parece um aviso para não esquecermos da simplicidade prazerosa do analógico, da adrenalina da revelação, da satisfação do cortar e colar, da alquimia das cores e principalmente do encantamento que sentimos ao nos depararmos com a mágica do fotograma parado ganhando a ilusão do movimento.
“Filme é o tempo concretizado: tempo como duração física – 24 fotogramas por segundo, 16 frames em um pé de película 35mm. São imagens fixas movimentadas ilusioramente pelo próprio movimento o que é eternamente mágico.” Tacita Dean