Conforme prometido, volto à discussão sobre os limites do método científico lançada no post inaugural deste blog, no qual foi apresentado um artigo controverso de Jonah Lehrer sobre o tema e sua repercussão na internet.
Para prosseguir o debate, convidei o pesquisador Bernardo Jefferson de Oliveira, que estuda questões ligadas à história e à filosofia da ciência. Sua pesquisa de doutorado, realizada em parte na Universidade Harvard e lançada em livro em 2002, investigou a obra do britânico Francis Bacon (1561-1626), um dos fundadores do método científico moderno.
Oliveira é professor da UFMG e está atualmente fazendo pós-doutorado no núcleo de história da ciência da Universidade Paris-1. Da capital francesa, ele conversou comigo por Skype sobre o texto de Lehrer há alguns dias. Os principais argumentos apresentados por ele nessa conversa seguem sistematizados abaixo.
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A replicação de resultados – o foco da argumentação de Lehrer – é uma das contribuições de Bacon para a consolidação do método científico e tem muito a ver com nosso domínio prático da natureza. Mas é difícil reduzir o método científico a essa dimensão. A ciência tem outras virtudes, como a intenção autocrítica.
A constante busca de refutação de teorias é uma dimensão crítica que separa a ciência e a filosofia de outras formas de conhecimento. Os pesquisadores estão frequentemente repensando e descartando as teorias vigentes. E, para isso, todos concordam que não há um método único. E isso enfraquece a visão que tenta transformar o fenômeno do efeito de declínio em uma grande questão da ciência, como aparece no texto.
Creio que a desatenção social para muitas das anomalias citadas no texto pode ser explicada de um ponto de vista histórico, sociológico ou antropológico. Elas não significam que haja uma conspiração da natureza, ou que “tudo que pode dar errado dará”, como postula a famosa lei de Murphy. Como essa lei, a reflexão de Lehrer sobre o efeito de declínio não deixa de ser uma teorização bem humorada sobre uma frustração.
A história do conhecimento é em grande parte uma história de desilusão. Por um lado, a ciência está associada ao progresso, ao aumento do nosso domínio sobre a natureza. Mas podemos também entendê-la também como uma tomada de consciência das nossas limitações. Freud notou isso muito bem: com Copérnico, o homem se deu conta de que a Terra não é o centro do universo; com Darwin, ele descobriu que pertence a uma espécie como outra qualquer; e, com a psicanálise, que sequer domina sua própria mente.
E a história das ciências é um prato cheio pra estudarmos essas decepções. O incentivo à refutação e ao descarte de ideias antigas é um lado rico da ciência. Isso não a desmerece – pelo contrário, enriquece-a. Não se trata de uma invalidação do método, mas da afirmação de um valor científico fundamental.
Ao chamar a atenção para o fato de que a natureza nem sempre responde de forma igual às indagações que fazemos, Lehrer não leva muito em consideração que a natureza pode não ser tão regular e objetiva como cremos. Os fenômenos naturais não são, como pretendiam os métodos da ciência moderna, separáveis do conhecimento que temos deles e das formas que temos para conhecê-los. Assim as investigações dos cientistas, como as que Lehrer explora, muitas vezes dizem mais sobre suas crenças, hábitos e expectativas do que sobre o próprio funcionamento da natureza.
Seja como for, é interessante que o questionamento de Lehrer venha à tona. Seu artigo é provocador e este é um ótimo debate. Recomendo-o para quem queira entender o funcionamento da ciência, por mostrar como são discutíveis nossas certezas.
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O debate está longe de ser esgotado – e nem poderia num espaço como este. Ainda há muito chão para reflexões interessantes, como as que recebi por e-mail de alguns leitores após a publicação do primeiro texto sobre o tema. O próximo post desta série será dedicado à discussão desses argumentos.
Imagem: Francis Bacon retratado no século 18 pelo pintor britânico John Vanderbank (detalhe).