“É a escolha do povo!” Assim Fábio Novo (PT) celebrou, nas redes sociais, a divulgação de uma pesquisa do instituto DataMax que o colocou em primeiro lugar nas intenções de voto para prefeito de Teresina. O petista aparecia dez pontos à frente do segundo colocado. “Teresina está chamando!”, escreveu, por sua vez, Silvio Mendes (União), seu concorrente. Comemorava uma pesquisa do instituto Opinar com resultado completamente diferente: segundo os dados, era ele quem liderava nas intenções de voto, onze pontos à frente de Novo. As duas pesquisas, apesar da discrepância, foram divulgadas num intervalo de poucos dias, em agosto. “Já ganhou”, comentou no Instagram um apoiador do candidato petista. “Dr. Sílvio vencerá no primeiro turno”, vaticinou um apoiador do candidato do União Brasil.
Divergências como essa, gritantes, não são raras em Teresina. Na cidade, há pesquisas para todos os gostos, publicadas aos montes. Do começo de fevereiro até 15 de agosto, quando terminou a pré-campanha eleitoral, foram registrados 51 levantamentos – uma média de praticamente dois por semana. O número não é igualado por nenhuma outra capital brasileira. São Paulo, a maior delas, registrou 29 no mesmo período. O Rio de Janeiro, quinze.
A capital do Piauí é o exemplo mais turbinado de um fenômeno que vem ocorrendo no Brasil: a profusão de pesquisas eleitorais. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contabilizou 4.244 levantamentos durante a pré-campanha deste ano, mais do que a soma da pré-campanha das últimas três eleições municipais. O crescimento foi puxado por institutos pequenos, que atuam principalmente em municípios médios, geralmente a preços baixos.
DataMax, o instituto que coloca Fábio Novo na liderança das pesquisas em Teresina, é uma microempresa de sócio único, fundada em 2009. Tem capital social de 8 mil reais, não tem site institucional e sua sede, segundo as informações prestadas à Receita Federal, fica numa casa em Teresina. A piauí esteve no local, mas ninguém atendeu à reportagem. Não havia nenhuma placa sinalizando que ali funcionava uma empresa de pesquisas. O DataMax informa ter feito cinco levantamentos em Teresina entre maio e agosto, todos pagos pela TV Meio, antiga retransmissora da Rede Bandeirantes que atualmente exibe programação regional. Produziu outras 36 pesquisas em municípios piauienses e uma no Maranhão.
O Opinar, que dá vantagem a Silvio Mendes, também tem apenas um sócio. Fundado em 2013, registrou 31 pesquisas este ano, todas no Piauí, a maioria contratada por partidos como União Brasil, Progressistas e Republicanos. A que deu ampla vantagem a Mendes, celebrada por ele, foi contratada pela campanha do próprio candidato. O instituto tem capital social de 10 mil reais, também não tem site próprio e sua sede fica numa casa em outro bairro de Teresina. A piauí visitou o endereço, mas não encontrou nenhum representante da empresa.
Os dados das pesquisas foram tabulados pela Lagom Data com base em informações prestadas ao TSE e nos resultados publicados pelos institutos. Só precisam ser registradas no tribunal eleitoral as pesquisas que serão tornadas públicas. O TSE determina que o levantamento deve ser cadastrado até cinco dias antes da divulgação dos dados, e que o instituto informe sua metodologia, seu questionário e quem o contratou. Toda pesquisa precisa da chancela de um estatístico registrado no Conselho Regional de Estatística (Conre).
O TSE, no entanto, apenas registra os levantamentos em sua base de dados. Não os fiscaliza e nem pode, por lei, negar seu registro. O tribunal, segundo uma resolução própria, só deve impedir a divulgação de uma pesquisa eleitoral caso um candidato, um partido político ou o Ministério Público o acione e os argumentos convençam o juiz de que houve algo de errado. Sabendo o número do registro, qualquer eleitor pode verificar no site do TSE o que foi informado pelo instituto e, caso note algo estranho, tentar acionar a promotoria eleitoral.
É difícil dizer de antemão quais institutos, dos tantos que publicam pesquisas, são mais confiáveis ou menos. Todos, em tese, tentam estimar o que os eleitores pensam hoje de algo que só vão fazer em outubro. E todos, a rigor, estão sempre errados – nem que apenas na margem de erro estatisticamente calculada. Alguns, no entanto, são mais diligentes na tentativa de entender o momento. Pesquisas feitas com rigor adotam, em geral, uma metodologia complexa, que passa pelo critério de amostragem, treinamento dos pesquisadores, checagem dos questionários e até a ordem das perguntas feitas aos eleitores.
O que alguns institutos têm mais que outros é reputação, e isso se reflete nos preços. Na pré-campanha deste ano, os institutos mais tradicionais – e caros – estão entre os que menos registraram levantamentos no TSE (os números não consideram pesquisas contratadas para consumo interno). Entre os que mais publicaram estão nomes pouco conhecidos ou que, em anos anteriores, não gozavam de grande prestígio. Paraná Pesquisas, DataTrends, Ranking Brasil, Séculus, Skala, Doxa e 100% Cidades, por exemplo, registraram mais de cem sondagens cada.
Pesquisa eleitoral não é uma atividade barata. Nas metodologias tradicionais, é preciso mandar pessoas à rua – como foi feito em 96% das pesquisas registradas no Brasil este ano, segundo uma análise da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep). Outra opção é colocar os pesquisadores para discar loucamente no telefone, com os próprios dedos ou com a ajuda de um computador, até que colham um número suficiente de pessoas dispostas a responder. (Se você alguma vez recebeu uma chamada de número desconhecido, atendeu e a ligação caiu, provavelmente você confirmou a um sistema de discagem automática que seu número pode futuramente atender a uma pesquisa). As respostas, depois de coletadas, precisam ser processadas e passar por um controle de qualidade que também tem custo.
O mais recente levantamento da Datamax ouviu 2 mil eleitores a um custo médio de 12,50 reais por entrevista. Esse foi, também, o valor médio das pesquisas publicadas em Teresina na pré-campanha (12,47 reais). A diferença é grande quando se compara com o Datafolha, um dos mais tradicionais institutos de pesquisa do Brasil. Na última sondagem sobre a disputa pela prefeitura de São Paulo, ele ouviu 1.200 eleitores a custo de 79,50 reais por entrevista.
Há diferentes fatores contribuindo para o boom das pesquisas. João Francisco Meira, diretor de opinião pública da Abep, pondera que o acirramento da polarização política no Brasil vem gerando demanda por mais sondagens. A política está mais presente na vida dos cidadãos comuns, e em algumas regiões as disputas eleitorais tornaram-se mais acirradas. À esquerda e à direita, pesquisas frequentemente são contratadas como uma ferramenta de marketing: alardeiam que determinado candidato está popular, o que, em tese, pode afetar a percepção do eleitor sobre ele. O embate entre Fábio Novo e Silvio Mendes, em Teresina, é exemplar.
Nos meses que precedem as convenções partidárias, as pesquisas são decisivas para testar a popularidade dos postulantes. Em Teresina, alguns pré-candidatos a prefeito apareceram em somente uma ou duas pesquisas. Outros, nas pesquisas de um só instituto. Ter o nome inscrito nesses levantamentos é um feito relevante para personagens pouco conhecidos. Vários usam as redes sociais para noticiar a inclusão, mesmo que depois acabem não se candidatando.
Mas, além da demanda por pesquisas, aumentou a oferta. “Temos hoje mais universidades, mais escolas técnicas, mais gente que tem uma formação adequada para ser treinado como entrevistador”, explica Meira. Embora os grandes institutos de pesquisa eventualmente atuem em pequenos municípios, empresas de menor porte tendem a ser mais atrativas nesses locais. Munidas de apenas quatro ou cinco pesquisadores, dão conta das entrevistas necessárias a um preço baixo, que cabe no orçamento de rádios, blogs e diretórios regionais de partidos. Há mão de obra potencial em praticamente todas as cidades, com expectativas salariais locais.
O fenômeno não se restringe a Teresina. Até o final de julho, 449 pesquisas haviam sido registradas em 154 municípios piauienses. Nenhum outro estado escrutinou tanto o eleitorado durante a pré-campanha. O número chama atenção, já que o Piauí, com 3,2 milhões de habitantes, é apenas o 18º estado mais populoso do país e o oitavo com mais municípios.
Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), esse fenômeno pode estar relacionado à dinâmica política do estado. “Na história recente do Piauí, há sempre um grupo petista liderando, enquanto do outro lado há uma força política de centro-direita que quer quebrar essa hegemonia”, diz Gomes. O professor explica que, além disso, as pesquisas são usadas como termômetro para captar que assuntos mais mobilizam os eleitores. “A quantidade de pesquisas surge pela necessidade de segmentar diferentes públicos durante as eleições.”
O levantamento da Lagom Data mostra que no Brasil, neste ano, cerca de 3% das pesquisas eleitorais foram declaradas como tendo sido pagas por partidos e candidatos. No Piauí, a proporção é bem maior: foram 17%, o que reforça a tese de Gomes. O PSD foi o partido que mais encomendou pesquisas no estado: 43 ao todo, realizadas em 32 municípios.
Cerca de 30% das pesquisas no Brasil foram declaradas como tendo sido pagas por veículos de mídia. Outros 30%, segundo as informações prestadas ao TSE, foram bancados com recursos próprios dos institutos. Trata-se de um número que deve ser analisado com cautela: em muitos casos, esse expediente é usado para ocultar os verdadeiros patrocinadores, que, por algum motivo, não quiseram ter seus nomes divulgados. Em entrevista recente ao Valor Econômico, um diretor do instituto baiano Séculus admitiu fazer isso, alegando que o registro de financiador não passa de uma “filigrana da lei”. Analistas e entidades do mercado de pesquisas defendem, por isso, uma regulamentação mais rígida desse tipo de declaração.
O Piauí também foge à regra no quesito pessoas físicas: segundo os dados do TSE, elas custearam cerca de 24% das pesquisas eleitorais no estado, enquanto no Brasil a proporção foi de apenas 8%. O principal contratante foi um ex-diretor da Emater, instituto de assistência técnica rural vinculado ao governo piauiense. Ele encomendou dez pesquisas em oito cidades do estado. Nenhuma outra pessoa física contratou tantas pesquisas quanto ele no Brasil.
A regulamentação das pesquisas no Brasil é mais dura que nos Estados Unidos, onde não há qualquer restrição por parte do poder público. No entanto, ela é ainda liberal em muitos aspectos. Institutos só precisam registrar suas pesquisas no TSE em anos eleitorais, e ainda assim somente quando se pergunta sobre os cargos em disputa e quando os dados serão tornados públicos. O tribunal, por um lado, cobra regras de prazo e transparência; por outro, não impede que se faça pesquisas com metodologias inovadoras. Afinal, ele exige apenas o registro. Ninguém controla como as pesquisas são feitas, e se a metodologia informada ao TSE foi mesmo utilizada. Associações setoriais, como a Abep, podem chamar seus membros a explicar procedimentos pouco ortodoxos, mas quem não é membro não está sujeito a isso.
Os dados do tribunal permitem uma análise meramente estrutural. É possível constatar quem contratou uma determinada pesquisa e conferir as perguntas que cada instituto informou ao TSE, mas não é possível cravar se os pesquisadores realmente as fizeram (e em qual ordem). Também é possível saber quantas pessoas deveriam, em tese, ser entrevistadas e onde – mas, novamente, não há como confirmar se o roteiro foi devidamente cumprido. A Abep defende que institutos de pesquisa sejam obrigados a publicar um banco de dados com os resultados detalhados que colheram. Neste ano, os relatórios com os resultados de todas as pesquisas registradas serão anexados ao registro delas no TSE – mas somente ao final da eleição, e sem incluir informações detalhadas, como as respostas e as características de cada entrevistado.
A metodologia pode influenciar radicalmente os resultados. Mundo afora, pesquisadores estão debatendo, por exemplo, o quanto as pesquisas telefônicas ainda conseguem captar a temperatura da eleição. Na época do telefone fixo, elas já eram vistas com ressalvas por vários motivos, entre eles o fato de que o telefone é um marcador de classe (nem todos têm dinheiro para comprá-lo) e grande parte do eleitorado não está em casa durante o dia. Quem está não reflete, necessariamente, o comportamento e a composição média do eleitorado. Hoje, com os celulares sendo usados como plataforma de pesquisa, não há como garantir que as pessoas entrevistadas votem nos bairros esperados na amostra, ou mesmo que vivam na cidade correspondente a seu DDD.
Soma-se a isso o fato de que, exauridas por anos de telemarketing, cada vez menos pessoas topam atender ligações recebidas de números desconhecidos. Se eleitores de uma determinada orientação política forem menos propensos a responder pesquisas, a amostragem ficará prejudicada, enviesando o resultado. Em 2022, foram noticiados ataques – até mesmo físicos – de bolsonaristas a pesquisadores do Datafolha. A rejeição ao nome do instituto era muito maior nesse eleitorado, e não se pode descartar que isso tenha impactado os resultados.
Pesquisas feitas pela internet, cada vez mais comuns (e que são diferentes de enquetes de rede social), têm ainda mais dificuldade em garantir a aleatoriedade e a representatividade da amostra. Não é fácil filtrar eleitores num universo repleto de robôs e perfis falsos. Já existem no mundo, no entanto, alguns exemplos consistentes de pesquisas conduzidas online.
A piauí perguntou ao TSE se, diante da profusão de pesquisas, o tribunal está adotando algum tipo de fiscalização do que é divulgado. “O controle judicial de pesquisa eleitoral depende de provocação do Ministério Público Eleitoral, de partido político, federação, coligação, candidata ou candidato, observados os limites” da Resolução nº 23.727 de 2024, respondeu o tribunal. A reportagem perguntou ainda se o TSE não considera que pesquisas enviesadas são um tipo de desinformação – e, nesse caso, se não pretende aplicar alguma restrição a elas. A resposta foi uma mudança de assunto: “Você pode conferir algumas ações do tribunal no enfrentamento à desinformação nas matérias publicadas no portal do TSE.”
João Francisco Meira, da Abep, sugere que, diante do desencontro das pesquisas, que muitas vezes publicam resultados díspares, o eleitor tome uma medida simples: “junta todas e tira a média.” É essa a lógica dos agregadores de pesquisas, utilizados no mundo inteiro a partir da última década para enxergar as tendências apontadas pelo conjunto das sondagens. Quando se aplica essa metodologia, nem Fábio Novo (PT) lidera a corrida em Teresina com folga de dez pontos, nem Silvio Mendes (União) caminha para ser eleito em primeiro turno: os dois, na verdade, aparecem empatados, a julgar pelo conjunto das pesquisas publicadas em julho.
Procurado pela piauí, o diretor do instituto Datamax, que dá vantagem tranquila a Novo na disputa pela prefeitura, não foi encontrado. O diretor do instituto Opinar, que coloca Mendes com folga na liderança das intenções de voto dos teresinenses, preferiu não dar entrevista. Afirmou, contudo, que o instituto funciona na casa informada à Receita Federal, onde a piauí esteve e não encontrou ninguém. As portas, ele justificou, não ficam abertas ao público.