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questões cinematográficas

Em busca de raízes

Jornada rumo a Auschwitz-Birkenau

20nov2024_09h10
Eduardo Escorel

Em Tesouro, Ruth (Lena Dunham) e seu pai, Edek Rothwax (Stephen Fry), partem numa viagem em busca da história de sua família

Tesouro, de Julia Von Heinz, estreia no próximo dia 28 com alguns méritos, embora prejudicado pelo deslize sentimentaloide que dilui o desencontro entre a jornalista Ruth (Lena Dunham) e seu pai, Edek Rothwax (Stephen Fry), sobrevivente do campo de extermínio Auschwitz-Birkenau. Baseado no premiado romance autobiográfico Too Many Men, de Lily Brett, publicado em 1999, sem edição brasileira, o filme estreou no 74º Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro, e foi exibido no Festival do Rio, em outubro, na mostra World Panorama. Inspirado em eventos reais vividos 25 anos antes pela autora do livro e seu pai, Max Brett, Tesouro foi roteirizado pelo casal Heinz e John Quester.

 

A qualidade mais relevante do filme é retratar um conflito de gerações que consegue equilibrar, quase até o fim, situações comoventes e doses de humor, a partir do encontro de Ruth e Edek no aeroporto de Varsóvia, em 1991. Os dois fazem, em seguida, uma jornada rumo a Auschwitz-Birkenau, passando por Lodz e Cracóvia. Pai e filha vão à procura, primeiro, do apartamento onde Edek viveu com sua família até serem expulsos para o gueto de Lodz, em 1940, e depois partem tendo como destino o campo de extermínio ao qual ele sobreviveu. Durante a viagem em busca de suas raízes, Ruth procura respeitar sua dieta vegetariana e lê, à noite, entre outras publicações, uma entrevista de Joseph Goebbels, ministro de propaganda da Alemanha nazista, e as memórias do comandante de Auschwitz, Rudolf Höss.

 

Lily Brett e seu pai, Max, sobrevivente do Holocausto (Foto: Reprodução)

 

 

 

Desde o início, as perspectivas do pai e da filha são divergentes e eles custam a se entender, a começar pelo desastrado apelido de Ruth que, além de Ruthinha, seu pai chama de “pumpkin” (abóbora), traduzido nas legendas por “jaquinha” (diminutivo de jaca), o que não só é um erro de tradução como não faz o menor sentido.

 

 

Edek vai a locais onde passou a infância, mas procura se manter a meia distância e, depois, prefere fazer vida de turista, enquanto Ruth quer se aproximar, fazer contato e se dispõe a pagar para reaver pertences de seus avós, como uma tigela de prata, um bule de chá, xícaras, um açucareiro de louça e colheres, além do sobretudo preto do seu avô que, a princípio, não conta ao pai ter comprado.

 

Ao chegar em Auschwitz, a primeira reação de Edek é dizer que “o cheiro sumiu” e explicar: “achava que o cheiro nunca iria embora.” Em Birkenau, identifica o lugar de chegada do trem onde foi separado da mulher e do resto da família, além das ruínas do galpão para onde foi conduzido. A sequência acaba sendo anticlimática, em parte talvez por não ter sido autorizado filmar dentro do campo de extermínio.

 

 

À beira de um ataque de nervos, sempre fazendo questão de corrigir quem se refere a Auschwitz-Birkenau como um museu – “Não é um museu. É um campo de extermínio” –, Ruth resolve voltar sem seu pai para Nova York, onde mora e trabalha. Na despedida, após ter dado para Edek o sobretudo do pai dele, a reconciliação acontece quando ele afinal resolve desenterrar o tesouro que, na verdade, sempre soube onde estava. A razão de não ter revelado sua existência quando esteve com Ruth antes em Lodz fica no ar. Teria evitado a esse ponto, logo no início da viagem, recuperar os vestígios do passado – escrituras, mapas, fotografias de família etc., enterrados por ele e seu pai em uma caixa de metal, no pátio interno do prédio onde moravam, no dia em que “os alemães os forçaram a ir para o gueto”?

 

 

Ao comentar o lançamento de Tesouro no “pós-7 de outubro [de 2023, data em que o Hamas e outros grupos militantes mataram 1.200 pessoas e sequestraram mais de 250 outras, no deserto de Negev, ao Sul de Israel] em meio a um clima de crescente antissemitismo”, Lily Brett disse:

 

Este filme ou é ideal para os tempos em que vivemos, ou simplesmente errado para os tempos em que vivemos, porque há muito ódio no mundo. Acho que isso que aconteceu despertou o racismo em muitas pessoas, despertou o antissemitismo em muitas pessoas que não necessariamente o teriam expressado, por isso é um período de grande incerteza para todos nós que somos judeus.

 

 

Questionada sobre por que ela achava que poderia ser o momento errado, Brett explicou:

 

 

Porque acho que possivelmente este não é um período em que as pessoas irão sentir a dor dos judeus.

 

Sobre o que a inspirou a escrever Too Many Men, Brett observou:

 

 

Acho que foi a mesma coisa que me inspirou a escrever tudo o que escrevo, a ter voz, a fazer as pessoas compreenderem o que aconteceu no passado, porque não entendem. Quando você usa a palavra Holocausto, os olhos das pessoas rolam para trás da nuca. Comecei a dizer “era nazista” porque as pessoas acham mais interessante.

 

 

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