Seis rapazes, entre 11 e 18 anos, vestidos com ternos pretos, gravatas de cordão e óculos escuros, imitando os bandidos de Cães de aluguel, passaram correndo por Crystal Moselle em uma rua do Lower East Side, bairro de Nova York. Curiosa em saber quem eram, Moselle, diretora de comerciais e documentários de curta-metragem, puxou conversa com um deles e acabou fazendo Os irmãos lobo, premiado como melhor documentário americano no Festival de Sundance, no início deste ano, e exibido no Festival do Rio, na semana passada.
Entre o dia em que viu os rapazes pela primeira vez e o prêmio em Sundance, Moselle passou 4 anos e meio gravando mais de 500 horas de material. No início da gravação, desconhecia completamente a história pregressa deles. Não sabia que até passarem correndo por ela, nunca tinham saído juntos de casa. Só depois de cinco meses, eles deixaram que ela entrasse no apartamento onde moravam com os pais e foram precisos outros dois meses até ficar sabendo que ela era a primeira amiga deles.
O amor pelo cinema, afinidade que Moselle e os rapazes descobriram haver entre eles, permitiu que estabelecessem um vínculo inédito e, pouco a pouco, os irmãos venceram sua timidez e começaram a se abrir. Mas por muito tempo relutaram em falar sobre a relação que tinham com os pais.
Moselle não inclui essas informações em Os irmãos lobo, dando a falsa impressão ao espectador de que é adepta do preceito ortodoxo do cinema direto – observar sem interferir –. É esse equívoco que levou o filme a ser comparado, nos Estados Unidos, a Grey Gardens(1976), dos irmãos Maysles.
A relevância do que precede a gravação e acontece fora de campo, assim como da interação entre os irmãos e a diretora, fica clara, porém, nas entrevistas de Moselle, nas quais ela é levada sistematicamente a esclarecer como e por que entrou em contato com os irmãos, qual a relação estabelecida entre ela e eles, quanto tempo duraram as gravações etc. É natural que isso ocorra, pois o processo faz parte das circunstâncias da gravação, é parte essencial da feitura do documentário e tem tanto interesse quanto a bizarra constelação familiar que o filme revela.
Parecendo presa a um dogma obsoleto, Moselle deixa apenas entrever a forte interação havida entre ela, na posição de observadora, e os irmãos, no papel de observados. Nas breves e esporádicas gravações de conversas, feitas após dois anos de convívio com a família, é possível intuir, através do olhar e da entonação da voz, a intimidade que eles passaram a ter.
Também não é dado ao espectador a possibilidade de saber que algumas cenas foram gravadas pelos próprios irmãos, como por exemplo o telefonema que a mãe deles dá para a mãe dela. Eles gravaram e deram para Moselle como um “pequeno presente”, ela conta.
Na entrevista ao site The Dissolve, Moselle revela sua face distante do cinema direto, mas que, em prejuízo do filme, não deixa vir à tona em Os irmãos lobo. “Creio”, responde Moselle, “que a presença do documentarista sempre afeta seus assuntos de uma maneira ou outra. Acho que nesta situação particular era inevitável por que eu era a primeira amiga deles. Então havia muitas perguntas que eles faziam toda hora, sobre as quais conversávamos. No início, era mesmo apenas uma dinâmica. Quando entrei na história, eu não sabia qual era a história pregressa. Eu pensava assim: ‘Estes são uns garotos muito legais que estão interessados em cinema, e eu vou mostrar umas câmeras para eles’. No começo era uma amizade, e acabou se tornando uma relação entre documentarista e personagens. Sim, com certeza. Tenho certeza que minha presença influiu na vida deles.” Faz falta a Os irmãos lobo, a presença dessa “dinâmica”, dessa “amizade”, da relação entre “documentarista e personagens”.
A intuição de Moselle em ir ao encontro daqueles 6 irmãos que passaram correndo por ela na rua foi realmente notável. Verdadeira mulher com a câmera, começou a gravar e foi tendo aos poucos, enquanto gravava, a revelação de um caso extremo de pedagogia repressiva exercida durante anos.
Os irmãos lobo foge do padrão usual do documentário americano e merece ser visto.