As melhores histórias em quadrinhos de língua francesa foram produzidas por uma “escola” de criadores que desenvolveu-se ao longo da primeira metade do século XX de forma bastante independente da dinâmica indústria dos quadrinhos americanos. Os quadrinhistas franceses (e belgas de expressão francesa) sofreram, como era inevitável, uma grande influência dos grandes mestres do cartoon americano, mas souberam desenvolver temas e estilos próprios. Mesmo o sistema de divulgação apresentou logo diferenças fundamentais. A principal delas foi adoção de uma fórmula que previa longas histórias (desenvolvidas em mais de 40 grandes páginas ilustradas) muitas vezes propostas ao publico em revistas infantis, no ritmo de uma ou duas páginas semanais, ao contrário das pequenas tiras diárias dos jornais americanos. As páginas publicadas nas revistas eram depois reunidas e encadernadas em volumes vendidos de forma avulsa e avidamente disputados pelas crianças e adolescentes dos países de língua francesa.
As “séries”, como eram chamadas, tinham geralmente o nome do personagem principal e, quando faziam sucesso, rendiam por volta de um volume (ou álbum) por ano. A partir da década de 1920 (mas com popularidade crescente nos anos 1940 e 1950), a série de maior sucesso foi sem dúvida a do jovem repórter Tintin, de autoria do belga de língua francesa, Hergé (pseudônimo de Georges Rémi).
Hergé é considerado hoje um dos titãs dos quadrinhos, talvez o mais admirado dos criadores europeus do século XX desse meio. Era ao mesmo tempo roteirista e desenhista e antes do sucesso universal do gaulês Astérix, iniciado no final dos anos 1960, Tintin reinou absoluto como o mais famoso herói dos quadrinhos de expressão francesa.
Astérix tinha roteiro de René Goscinny e desenho de Albert Uderzo, o que o tornava um produto diferente de Tintin, com um único autor. Ambas as séries convivem hoje no panteão máximo da chamada , expressão francesa para designar os quadrinhos, considerados por lá como a “nona arte”.
A medida que se desenvolviam as histórias de Tintin, Hergé agregou-lhe um companheiro inseparável, o cãozinho Milu, e as aventuras passaram a se chamar “Tintin e Milu”.
O desenho assinado reproduzido nesta página é um raro original que mostra a dupla de personagens de Hergé, desenhados por ele numa folha do álbum de uma criança. Só muito ocasionalmente Hergé, constantemente solicitado por caçadores de autógrafos, agregava esse tipo desenho junto à sua assinatura, o que singulariza essa peça e a torna especialmente atraente.
As páginas originais das histórias de Hergé são hoje objeto de desejo de alguns colecionadores franceses, suíços e belgas que leram Tintin na infância e têm hoje idades avançadas e fortunas consideráveis. A disputa ferrenha entre essa meia dúzia de apaixonados (que preferem ter em casa uma obra de arte que remete ao imaginário infantil em vez de um quadro contemporâneo famoso que nada lhes diz) levou as raras páginas das aventuras de Tintin que chegaram ultimamente aos leilões a preços superiores a um milhão de dólares.