Ninguém vivo a viu atuar. Seus poucos filmes dão apenas a pálida idéia de um declamar enfático de alguns minutos, mas poucos de seus contemporâneos discordavam de que Sarah Bernhardt fosse a melhor atriz do final do século XIX e do início do século passado. Filha de pai desconhecido – judia, numa França em grande parte anti-semita ? Sarah deveu seus primeiros sucessos a uma beleza exótica e a uma enorme cabeleira cacheada cuja exuberância é ressaltada pelo célebre fotógrafo Nadar, em seus primeiros retratos da aspirante a atriz. A adulação frenética a partir da década de 1870 e as muitas turnês internacionais fizeram de Sarah uma das maiores celebridades mundiais por mais de 50 anos, e valeram-lhe o rótulo de “maior atriz de todos os tempos”.
O Brasil, que Sarah odiava, lhe trouxe bons dividendos em várias temporadas, mas o Rio de Janeiro causou-lhe também um grande dano: numa cena da “Tosca”, em que pulava no vazio e esperava cair sobre um colchão, o contrarregra carioca esqueceu de colocá-lo e Sarah machucou gravemente a perna. Foram dez anos de dores terríveis até que a amputação se tornou inevitável. Mesmo com mais de 60 anos, Sarah ainda conseguia ser aclamada em papéis de jovens como no “L’Aiglon” de Rostand, peça na qual convencia como o filho de Napoleão, morto aos 20 anos.
A foto reproduzida nesta página, tirada no estúdio parisiense Otto, por volta de 1890, é uma mostra do quanto o talento de Sarah a tornava crível para platéias no mundo inteiro, mesmo em papéis improváveis de rapaz. Aqui ela é Hamlet e o fotógrafo a imortaliza no diálogo com a caveira. A cena é algo risível para o observador de hoje, mas parecia na época perfeitamente indicada para ampliar a fama de Sarah, que assina a foto com uma cordial dedicatória. Fotos desse tipo chegam geralmente até nós bastante desbotadas, mas essa tem o mesmo frescor dos tons sépia que no dia em que foi assinada pela maior diva de seu tempo.
Olhar hoje para esta imagem ajuda a perceber o quanto a avaliação do desempenho dos atores variou com o surgimento do cinema e da televisão e com a própria evolução do teatro. Se ressuscitasse hoje, seria Sarah Bernhardt considerada uma grande atriz? Passaria ela simplesmente nos testes? Certamente não, se quisesse declamar no estilo vigente em seu tempo. Mas quem sabe seu talento se adaptasse aos novos padrões e uma Sarah totalmente diferente, mas igualmente convincente, surgisse da nova realidade?