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    Ilustração de Paula Cardoso

questões ambientais

Três andares de fazendas em terra indígena

Registros de propriedades particulares dentro da reserva de Ituna Itatá, na Amazônia, se sobrepõem e superam em 2,5 vezes a área dedicada aos indígenas

Luigi Mazza | 10 jun 2020_16h21
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Helcio, Carlos César, Norma, Lorena, Paula, Ana Célia, Alexandre, Luis Alberto e José Maurício. Essas nove pessoas são irmãos, cunhados e primos entre si, todos de uma tradicional família do Pará, os Lorenzoni. E todos têm algo em comum, além do sobrenome: estão registrados como donos de fazendas dentro da reserva indígena de Ituna Itatá. Ao todo, nove sítios e 10 mil hectares em área ilegal estão no nome da família Lorenzoni, segundo os registros do Cadastro Ambiental Rural (CAR), ferramenta do governo federal usada para monitorar o desmatamento em imóveis rurais. É uma área equivalente a mais do que duas Florestas da Tijuca – o parque que fica na cidade do Rio de Janeiro e é considerado uma das maiores florestas urbanas do mundo. Movidos pela expectativa de que o governo federal passe a “boiada” e revogue a portaria que protege a região desde 2011, grileiros disputam áreas da reserva e avançam sobre a floresta. Em 2019, Ituna Itatá foi a terra indígena mais desmatada do país.

A posse de terras dentro da reserva, área protegida por lei, é ilícita, mas virou regra. A família Lorenzoni – que, apesar da coincidência, não tem parentesco com o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni – é só uma parte do problema. O registro de propriedades dentro de Ituna Itatá chegou a tal ponto que, hoje, existem ali mais fazendas do que terra. A reserva, que pega uma parte dos municípios de Altamira e Senador José Porfírio, tem 142 mil hectares de área. É um pouco menor do que a cidade de São Paulo. Ainda assim, 352 mil hectares de terrenos particulares dentro da terra indígena estão registrados no CAR, segundo levantamento feito pela ONG Rede Xingu +. É como se 246% de Ituna Itatá estivesse tomada por propriedades particulares. Esse número só é possível porque o CAR é um sistema autodeclaratório, e, em muitos casos, diferentes pessoas se dizem donas de uma mesma porção de terra.

O registro do CAR dentro de terras protegidas por lei é um indicador da prática de grilagem. Embora não constitua um documento oficial – no caso da família Lorenzoni, por exemplo, os registros das nove fazendas estão pendentes de aprovação –, o cadastro é comumente usado para legitimar a ocupação ilegal de terras. “Nesse tipo de circunstâncias, o CAR é um indício forte de crime. Infelizmente é muito comum que haja cadastros falsos”, afirmou o procurador da República Daniel Avelino, que trabalha na 4ª Câmara do Ministério Público Federal, seção responsável por lidar com crimes contra a fauna e a flora.

O avanço da grilagem é preocupante sobretudo porque há indicativos de que Ituna Itatá abriga alguns dos poucos grupos de índios que ainda vivem em isolamento total na Amazônia. Um relatório de 2016 da Funai dava conta de 26 povos indígenas isolados no país inteiro. No caso de Ituna Itatá, não se sabe ao certo a etnia ou a população de índios que vive na reserva. Estudos realizados pela Funai nos últimos nove anos ainda não chegaram a uma conclusão. Na falta de nome, os índios de Ituna Itatá são identificados como “os isolados do Igarapé Ipiaçava”, em referência ao córrego do Rio Xingu que cruza a região.

À medida que as terras vão sendo invadidas, aumenta o desmatamento. Até 2010, não havia registro de derrubada de florestas dentro da reserva. Os índices começaram a subir daquele ano em diante – ao que tudo indica, uma consequência da construção da usina de Belo Monte, que fica a cerca de 70 km da reserva. A usina passou a movimentar a economia da região, atraiu migrantes e alimentou a especulação imobiliária, com impacto claro sobre o meio ambiente. De um patamar de 0,2 km² desmatados em 2011, Ituna Itatá passou para 16 km² em 2018. No ano passado, foram 120 km² desmatados, segundo os dados do sistema Prodes, do Inpe – o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. A reserva concentrou quase 30% de todo o desmatamento em terras indígenas em 2019.

Para o procurador Daniel Avelino, o loteamento e o desmatamento de Ituna Itatá têm se acelerado desde 2018, dentre outras razões, pela expectativa de que o governo federal revogue a portaria que restringe o acesso à terra indígena. Isso porque a homologação da reserva, processo que compete à Funai, ainda não foi concluída. O que existe no meio-tempo é uma solução provisória: uma Portaria de Restrição de Uso, aprovada em 2011 e depois renovada sucessivamente. A última renovação se deu em janeiro de 2019.

“Essa área de Ituna Itatá, não sendo homologada, é mais vulnerável do que outras terras indígenas”, explica Paulo Barreto, engenheiro florestal e pesquisador sênior do Imazon, ONG dedicada ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. “E agora esse discurso genérico do Bolsonaro contra os indígenas agrava isso, fragiliza o que já existia ali. Isso faz com que alguns atores políticos da região se achem mais poderosos do que de fato são.” 

Um desses atores políticos da região é Edward Luz, antropólogo e militante bolsonarista. Em fevereiro deste ano, ele foi detido por agentes do Ibama dentro de Ituna Itatá ao tentar impedir uma operação de retirada de gado que estava sendo criado ilegalmente na terra indígena. Luz filmou a si mesmo, dizendo que estava ali para fazer cumprir uma ordem do ministro Ricardo Salles, com quem se reunira dias antes. Salles, por sua vez, afirmou que a operação do Ibama ocorreu dentro da legalidade, mas alegou que o imbróglio em torno de Ituna Itatá era fruto de “insegurança jurídica”. “Tem que se definir. Ou há realmente os pré-requisitos para que se torne [terra demarcada] ou não há, e cancela a medida.”

A maior parte dos terrenos que os Lorenzoni registraram dentro da terra indígena de Ituna Itatá tem o mesmo tamanho: cerca de 1400 hectares. É uma configuração comum em terras destinadas à grilagem, ou ocupadas ilegalmente. Pelas leis fundiárias que vigoram hoje no país, um terreno ocupado de forma ilegal que tenha até quinze módulos fiscais de extensão – o equivalente a cerca de 1500 hectares – pode ser regularizado pelo governo sem necessidade de licitação. Por isso muitas vezes um grande terreno é registrado de forma fracionada no CAR, em fatias de menos de 1500 hectares, para que no futuro ele possa ser regularizado com descontos e sem necessidade de leilão público.

“É uma configuração bastante comum. O CAR foi criado para monitorar as terras e ajudar no combate ao desmatamento, mas acabou virando um instrumento para começar a ação da grilagem. O governo deveria cruzar esses dados e dizer que é ilegal possuir terras nessas áreas, mas isso geralmente não acontece”, afirmou Paulo Barreto, do Imazon.

O CAR é da alçada do governo federal, coordenado pelo Serviço Florestal Brasileiro. A rigor, o sistema tem filtros que detectam se uma terra foi registrada em área protegida – e, quando isso acontece, o proprietário da terra é notificado. Mas a aplicação desses filtros é uma escolha que cabe aos governos de cada estado. Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente do Pará afirmou que bloqueia automaticamente todos os registros de CAR feitos em áreas de preservação. Com isso, as fazendas cadastradas nessas áreas constam como pendentes. Os dados só não são rejeitados imediatamente para que possa haver “análise de eventual dolo”. Não há, no entanto, uma coordenação direta com órgãos de fiscalização ou com o Ministério Público para que eles vão atrás dessas informações.

É o que relata o procurador Daniel Avelino. “O CAR foi criado de maneira declaratória, assim como o Imposto de Renda. Acontece que, no caso do imposto, a Receita Federal tem um sistema de auditoria muito eficiente, que cruza todos os dados e permite encontrar fraudes. Era para termos essa mesma estratégia no CAR, mas para isso é preciso um laboratório geoespacial com tecnologia para fazer a validação dos cadastros”, afirmou. “O governo federal tentou passar essa responsabilidade para os estados, há alguns anos, mas eles não acataram. Então hoje existe uma quantidade imensa de registros sem avaliação.”

O Ministério Público Federal divulgou esta semana um levantamento que identificou 9,9 mil registros do CAR sobrepostos a terras indígenas no Brasil. O Pará lidera a conta, com 2,3 mil propriedades em áreas indígenas. Dessas, metade está em terras que ainda não foram homologadas, mas que estão sob restrição de uso, como é o caso de Ituna Itatá.

A Funai, enquanto isso, trabalha para flexibilizar a ocupação das terras indígenas não homologadas. Em 16 de abril, a fundação publicou uma instrução normativa que promovia mudanças na Declaração de Reconhecimento de Limites (DRL), um certificado usado por proprietários de terras para provar que suas áreas não invadem territórios indígenas. A instrução levou em conta apenas as terras indígenas homologadas. A consequência disso é que pessoas que ocupam terras indígenas não homologadas poderiam requerer posse oficial dessas terras, como se faz normalmente com qualquer outra área. O Ministério Público Federal entrou com uma ação para reverter a nova regra, e a Justiça Federal em Mato Grosso acatou o pedido. A instrução normativa, até o momento, está suspensa.

Quase todas as fazendas da família Lorenzoni constam no Sistema Nacional do CAR como tendo sido registradas em 2015. Em ao menos três delas já houve registro de desmatamento, de acordo com imagens de satélite obtidas pelo Imazon a pedido da piauí. A figura abaixo mostra, em verde, as fazendas da família, cobertas quase integralmente por floresta. Em vermelho, as manchas de desmatamento registradas em Ituna Itatá até 2011, e depois até 2018.

Imagens de satélite do Imazon

 

Os Lorenzoni são uma família conhecida em Altamira e nas cidades próximas, como Brasil Novo e Senador José Porfírio. Estão espalhados em várias frentes de negócios. Carlos César Lorenzoni – em cujo nome está registrada a fazenda Rio Maria – é fundador da Construtora Lorenzoni, que se intitula a maior empresa de construção civil de Altamira. Sua cunhada, Norma Lorenzoni – proprietária da fazenda Nossa Senhora Aparecida –, é sócia da empresa, que tem capital social de 14 milhões de reais. São especialistas em construir estradas. No começo do ano, no entanto, Norma se tornou alvo de uma ação civil pública que apura irregularidades na construção de uma rodovia em Pacajá, cidade a Leste de Altamira. O Ministério Público estadual acusa a Construtora Lorenzoni de ter recebido o pagamento integral do governo – 3 milhões de reais – e entregado apenas uma parte da obra, ainda assim em condições precárias. Meses depois, em abril, a Construtora Lorenzoni foi alvo de uma nova ação por improbidade administrativa. Desta vez, o MP acusou a empresa de irregularidades em obras de asfaltamento em dezessete municípios do interior do estado. Os contratos em questão somaram mais de 44 milhões de reais.

Além da construção civil, a família tem braços no ramo madeireiro. O marido de Norma, Helcio Lorenzoni, é sócio da Serraria São José, registrada em Altamira desde 1985. O empresário Paulo Lorenzoni, falecido em 2009, era proprietário da Lorenzo Artefatos de Madeira, e deixou para seus herdeiros um inventário riquíssimo, que precisou ser disputado na Justiça. Em audiências ocorridas em 2011, sua viúva brigou com outros familiares pela posse de sete terrenos em diferentes cidades do Pará, além de uma plantação de 14 mil pés de cacau às margens do rio Bacajaí e cerca de 2 mil cabeças de gado. Somaram-se a isso catorze caminhões, sete pás carregadeiras, três tratores e dois reboques.

A piauí tentou contato com os Lorenzoni, mas não obteve retorno. Um funcionário da Lorenzoni Autopeças – empresa registrada em nome de Ana Célia Lorenzoni – indicou que o presidente da Associação dos Produtores Rurais e Agroindustrial do Vale do Bacajaí (Asprub), Pedro Ferreira do Nascimento, próximo da família, poderia falar. Nascimento negou que os Lorenzoni tenham incorrido em qualquer crime. Segundo ele, a família registrou as terras no CAR antes de 2011, quando o acesso à região ainda não era proibido. Na época, Ituna Itatá era apenas uma fração da chamada Gleba Bacajaí, área de 298 mil hectares situada entre Altamira e Senador José Porfírio. Por volta de 2006, segundo ele, os Lorenzoni compraram os lotes de terra das mãos de posseiros. Pagaram uma “bagatelinha”. Pouco depois, em 2008, a gleba deixou de ser considerada área devoluta – isto é, sem destinação pelo poder público – e foi incorporada às terras do governo do Pará. Só então a família Lorenzoni pediu a regularização (ou seja, a compra e o título de posse) das terras que havia ocupado.

“Isso tudo foi feito até 2010. A nossa ideia era fazer um projeto sustentável, de dar inveja ao primeiro mundo. Íamos plantar cacau e agricultura rotativa, com arroz, feijão, farinha”, afirmou Ferreira do Nascimento, agricultor de 62 anos nascido em Altamira. Como presidente da associação, coube a ele tocar o processo de regularização fundiária junto ao Iterpa, o Instituto de Terras do Pará. Ele guarda até hoje os documentos enviados ao instituto, provando que os Lorenzoni e outras dezenas de associados da Asprub tinham, de fato, interesse na compra daquelas terras. Em 2008, José Maurício Lorenzoni – na época vice-presidente da Asprub – contratou uma empresa para fazer o georreferenciamento de 72 lotes de associados, numa área de 70 mil hectares.

“Nós pagamos para fazer estudos topográficos, georreferenciamento e tudo. Mas, para nossa surpresa, saiu aquela portaria da Funai em 2011. E aí 68% das terras dos nossos associados passaram a ter restrição de uso, porque estavam dentro da terra indígena”, lamentou Ferreira do Nascimento. Ele, assim como muitos produtores da região, é contrário à existência de Ituna Itatá. “Essa reserva foi feita por interesse politiqueiro. Eu conheço toda aquela terra, não tem um índio isolado ali. Isso não tem cabimento. E era para a Funai ter terminado isso depois de dois anos de análise, mas eles não cumpriram com a palavra deles”, afirmou. Segundo ele, por conta da criação da terra indígena, os processos de compra daquelas áreas estão paralisados até hoje no Iterpa. Nenhum dos associados chegou a pagar ou obter o título de posse.

O desmatamento registrado dentro das terras dos Lorenzoni, segundo o presidente da Asprub, foi feito por grileiros que passaram a invadir a região nos últimos anos. Ele guarda até hoje um boletim de ocorrência que registrou na Polícia Federal de Altamira, em 2014, denunciando sinais de invasão na terra indígena. De acordo com Ferreira do Nascimento, os registros do CAR, que permanecem ativos, têm feito com que ele e outros agricultores sejam responsabilizados e multados injustamente por esses crimes. “Existe uma facção criminosa de grilagem naquelas áreas que amedrontou e botou nossos associados para correr há muitos anos. Enquanto não cancelar o CAR, todo crime que acontecer na Gleba Bacajaí vai cair em cima dos associados. Eu tenho mais de quarenta boletins de ocorrência registrados na Polícia Civil de pessoas se defendendo de crimes que não cometeram.” A frequência dessas multas, segundo ele, aumentou de 2018 para cá.

Até hoje, no entanto, os CARs não foram cancelados e constam no site da Secretaria de Meio Ambiente do Pará. Nascimento afirmou que ainda não havia conseguido acesso ao cadastro, mas que na semana passada pediu à secretaria que liberasse a senha de todos os CARs registrados em nome de associados da Asprub. Ele diz que, assim que receber as senhas, vai desativar os cadastros.

As nove fazendas que a família Lorenzoni declarou em Ituna Itatá foram registradas por um mesmo engenheiro florestal: Jorge Luiz Barbosa Corrêa. Ele é o responsável pela maior parte dos cadastros feitos na terra indígena, segundo levantamento feito em 2018 pela Rede Xingu +. Ao todo, já validou o registro de 62 propriedades dentro da reserva, somando 89 mil hectares de terra – o equivalente a mais de 22 Florestas da Tijuca.

Corrêa tem um histórico de processos por crimes ambientais. Em 2007, foi acusado pelo Ministério Público Federal de manter 57 trabalhadores em condições análogas à escravidão em um terreno da Gleba Pacoval, que fica na cidadezinha de Uruará, a Oeste de Altamira. De acordo com a denúncia, os funcionários foram contratados para fazer um inventário florestal, abrir piques e catalogar espécies, preparando o terreno para que futuramente servisse à agricultura extensiva. Eles viviam, segundo o MPF, em barracos de lona, sem instalações sanitárias e com acesso restrito a água e comida. Quase dez anos depois, em 2016, Corrêa foi condenado pela Justiça a cinco anos de prisão e pagamento de multa. Ele alega inocência e recorre da sentença, em liberdade, no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Em março deste ano, o caso foi a julgamento e o tribunal deu provimento parcial às apelações de Corrêa. A decisão, porém, ainda não foi publicada em Diário Oficial. Questionado sobre o teor dessa nova decisão, o TRF-1 não respondeu até o fechamento desta reportagem.

O engenheiro também foi alvo, em 2013, de uma ação civil pública do MPF sob acusação de ter atuado como responsável técnico de empresas fantasma que vendiam madeira e carvão ilegais no Pará. O processo, um desdobramento da Operação Caça-Fantasma, do Ibama, foi indeferido na primeira instância. O Ministério Público recorreu, e o caso está marcado para ser julgado no TRF-1 no dia 24 de junho. Ainda em 2013, a Secretaria de Meio Ambiente do Pará denunciou Corrêa no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do estado (CREA-PA), mas o caso não foi para a frente. O conselho decidiu apenas por uma advertência. Hoje, apesar da condenação e das denúncias, o engenheiro florestal está com seu registro profissional ativo e com o pagamento da anuidade em dia. 

Procurado pela piauí, Corrêa enviou uma nota assinada por seu advogado. Ele nega as acusações feitas pela Justiça e afirma que, como o CAR é um procedimento meramente declaratório, os proprietários das terras é que são responsáveis pela idoneidade dos documentos. Segundo o texto, Corrêa não tem conhecimento de esquemas de compra e venda de terras na região, e “apenas executou trabalhos técnicos amparados em documentos de propriedades, respeitando as normas agrárias e ambientais”.

Embora seja o mais prolífico, Jorge Luiz Corrêa não é o único engenheiro florestal com atuação registrada em Ituna Itatá. Uma nota técnica da Funai publicada em julho de 2018, a partir da denúncia feita pela Rede Xingu +, chamou atenção para a ocorrência de disputas entre engenheiros pelo registro de terras. A maior evidência disso é a sobreposição de diferentes cadastros do CAR num mesmo terreno. Enquanto, em alguns casos, parece haver uma partilha de áreas – um engenheiro só registra fazendas ao Sul da terra indígena, ao passo que o outro fica com a porção Norte –, há situações de disputa aberta.

No mapa abaixo, cada polígono corresponde a um CAR registrado em Ituna Itatá. As áreas cadastradas por Jorge Luiz Barbosa Corrêa (em lilás) dominam as porções central e Norte da terra indígena. Na parte Sul, o domínio é de outro engenheiro florestal (azul claro). No entanto, há terras em aparente disputa: duas engenheiras (cujos registros estão representados no mapa nas áreas em listras azul e amarela) validaram o CAR em áreas onde também há registros em nome de Jorge Corrêa e de outro colega.

Imagem que consta na denúncia da Rede Xingu +

 

“Entendemos como fortemente provável que haja pelo menos dois grupos de interesse na região, que estariam promovendo a abertura de clareiras na mata para delimitar regiões de domínio e firmar a ocupação perante os concorrentes”, afirmou a Rede Xingu +, na denúncia enviada à Funai. O grupo apontou para o risco de essa disputa se desdobrar em conflitos violentos e recomendou, diante disso, uma “maciça ação policial de inteligência” para impedir o avanço de grupos de grileiros. A Funai endossou a recomendação.

Pouco mais de um ano depois, em agosto de 2019, uma equipe de policiais federais e fiscais do Ibama foi alvo de tiros disparados por garimpeiros, durante uma operação de fiscalização em Ituna Itatá. Dali em diante, o Ibama pôs em prática ações mais contundentes na região. No começo deste ano, ativou uma base fixa de fiscalização em Altamira. A consequência disso pôde ser mensurada em pouco tempo: o desmatamento dentro da reserva, que em janeiro tinha sido de mil hectares, praticamente zerou em fevereiro, março e abril, segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon.

Numa espécie de prêmio às avessas, os fiscais do Ibama diretamente responsáveis por essas operações foram exonerados de seus cargos. Dias depois da reunião ministerial de 22 de abril, quando Ricardo Salles propôs passar a “boiada” sobre a legislação ambiental do país, o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, afastou Hugo Loss do cargo de coordenador de operações de fiscalização. Salles, por sua vez, se encarregou de exonerar o chefe de Loss, o coordenador-geral de fiscalização Renê de Oliveira. Os dois continuam no Ibama, mas em outras funções. O Ministério do Meio Ambiente foi procurado, mas não respondeu à piauí sobre os motivos que justificaram a exoneração dos fiscais.

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