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    Ilustração de Carvall

questões eleitorais

Troca de guarda na propaganda política

Em ano de vacas mais magras, quem são os dois marqueteiros mais bem pagos da eleição

Tatiana Farah | 13 nov 2020_17h47
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Sem a pompa, o lucro e os escândalos dos antigos marqueteiros, dois novos publicitários estão na ponta do ranking do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de despesas com marketing político das campanhas para prefeito no país. Felipe Soutello e Otávio Antunes comandam em São Paulo, respectivamente, as campanhas de partidos historicamente adversários, PSDB e PT. O candidato de Soutello, Bruno Covas, lidera isolado, com 32% do eleitorado, segundo a pesquisa Datafolha divulgada na última quarta-feira (11). O petista Jilmar Tatto, cliente de Antunes, amarga 4% das intenções de voto. Entre eles há outros três candidatos.

Os dois marqueteiros mais bem pagos receberam menos, porém, que o Facebook. Em todo o país, o investimento em anúncios pagos nessa rede foi de 14.699.946,93 reais em 8404 notas fiscais emitidas por milhares de candidatos até as 14 horas desta sexta-feira (13). As eleições deste ano consolidam um cenário da política eleitoral que já se desenhava em 2016: recursos mais reduzidos, com o fim do financiamento de empresas, o pós-Lava Jato e o programa de tevê perdendo cada vez mais espaço para as redes sociais. 

Abaixo do Facebook e das empresas DLocal (20.543.537,08 reais) e Adyen do Brasil (12.969.552,79 reais), especializadas em serviços financeiros, a empresa Irmãos Soutello é a quarta do ranking do TSE, com 8.643.000 reais recebidos. Toda essa despesa foi feita pela campanha de Bruno Covas, que já gastou 17.921.151,24 reais em 2020. Esses dados, computados até as 14 horas desta sexta-feira (13), são atualizados em tempo real até a prestação final de contas dos partidos e candidatos, depois das eleições.

Divididos em quatro notas fiscais, os 8,6 milhões de reais de Soutello são o maior gasto de um único candidato com uma empresa, mas estão muito aquém do que o publicitário Luiz Gonzales cobrou de José Serra em 2012: 22,8 milhões de reais, por meio de sua empresa Campanhas Comunicação Ltda. Essas despesas foram feitas em 2012 pelo comitê financeiro do PSDB na capital paulista.

Naquele ano, Gonzales se aposentou. Depois, teve de recorrer à Justiça Eleitoral para receber do PSDB parte da dívida de campanha. Gonzales ressalta que deixou o marketing político antes dos escândalos que arrastaram nomes como Duda Mendonça e João Santana, preso e condenado na Lava Jato. Hoje, o ex-marqueteiro se dedica a fazer filmes e séries e mora no interior de São Paulo. Contou à piauí que Soutello trabalhou para ele, no início dos anos 2000.

“Ele era da juventude tucana. Começou colando selo em carta, no partido. Acabou se aproximando em 2000. Eu cuidava de toda a comunicação. Não apenas de rádio e televisão. E ele começou na equipe de preparação de debates. Tinha boa informação, conhecia como funcionava o poder público”, disse Gonzales.

“Ao longo das campanhas, foi melhorando de posição na equipe. Virou coordenador da equipe de preparação de debates. Depois, dei pra ele o setor de impressos, santinhos. Mas, paralelamente a isso, ele montou uma produtora, uma empresa de computação gráfica e uma de conteúdo — acho que foram essas. E foi fazendo outras coisas”, continuou o ex-chefe de Soutello.

Soutello, 49 anos, rejeita ser chamado de marqueteiro. Não tem formação em publicidade e interrompeu o curso de Direito. “Sempre tive muitos interesses, acabei fazendo várias faculdades, mas não concluí nenhuma”, afirmou ele à piauí. “Eu vim da política. Era militante. Nem gosto dessa nomenclatura de marqueteiro. Não me vejo assim. Me vejo como um consultor político, um executivo de campanhas.”

O marqueteiro, ou melhor, consultor político, não vê os tempos atuais como de “vacas magras” para os publicitários. Para ele, há uma mudança de modelo de produção do audiovisual. “As operações mudaram muito de padrão, em todo o mundo, e a forma de fazer a tevê e o audiovisual barateou demais. O modelo de produção também mudou. Ficou mais enxuto”, afirma ele.

Dois de seus adversários de marketing disseram à piauí que Soutello conseguiu equacionar os dois problemas enfrentados por Covas logo nas primeiras semanas da campanha. Tratou da doença do prefeito, um câncer em tratamento, com transparência e fez uma forte defesa do desempenho do tucano diante da pandemia do novo coronavírus.

No centro do vendaval da pandemia, o secretário municipal de Saúde, Edson Aparecido, concorda: “A campanha conseguiu expressar o que o Bruno fez nesses dois anos de mandato e particularmente nesse período da pandemia. O Soutello, que eu conheço bem como militante do PSDB, conseguiu também com o horário eleitoral aumentar a aprovação do governo e reduzir a rejeição do Bruno em 50%”. A rejeição ao prefeito caiu de 31%, em 22 de setembro, para 24% do eleitorado, em 10 de novembro.

Soutello foi um dos responsáveis por “esconder” o governador João Doria do horário eleitoral de Covas. O governador não apareceu em programas nem agendas do prefeito. O discurso oficial é que, por tratar-se de uma campanha municipal, interessam os assuntos cotidianos dos eleitores. Mas o fato é que Bruno descolou sua imagem da de Doria. “Quem trouxe elemento de fora não teve bom resultado, o Celso Russomanno (Republicanos) trouxe o presidente Bolsonaro, o Tatto trouxe o Lula. Os dois ficaram para trás”, justifica uma liderança tucana. E minimiza a ausência do governador: “Doria sabe que, Russomanno perdendo, quem perde aqui em São Paulo é o Bolsonaro.”

O governador tem motivos de sobra para torcer o nariz para Felipe Soutello, mais ligado à ala antiga do PSDB. Na eleição passada, de 2018, o marqueteiro assinou a campanha do principal adversário de Doria, o ex-governador Márcio França (PSB). A disputa entre os dois foi agressiva, bem diferente da cordialidade com que Covas e França se tratam.

 

O jornalista Otávio Antunes, 43, tem o mesmo perfil discreto e militante de Felipe Soutello. Ele começou a ganhar espaço com o PT nacional na gestão da presidente Gleisi Hoffmann. Circulava bem por setores do partido, ao qual foi filiado quando mais jovem e para quem fazia assessoria de comunicação. Antes de assumir a propaganda do PT, fez a comunicação da Fundação Perseu Abramo, a entidade partidária petista. 

Na eleição de 2018, em que Fernando Haddad foi derrotado por Jair Bolsonaro, Otávio já ocupava funções importantes, mas o marqueteiro que assinou a campanha foi o baiano Sidônio Palmeira, da Leiaute. Hoje a equipe ligada a Sidônio faz a campanha de Eduardo Paes (DEM), que tenta retomar a prefeitura do Rio de Janeiro.

Antunes tenta cobrir o vazio deixado pelo marqueteiro João Santana, preso e condenado na Lava Jato, delator de esquemas de lavagem de dinheiro e caixa dois nas campanhas do PT. Santana assinou a reeleição de Lula e as duas vitórias de Dilma Rousseff. Na última campanha em que trabalhou para o PT, em 2014, foi acusado pela ex-petista Marina Silva (Rede) de fazer jogo baixo e apostar em peças  que gerariam medo do impacto de uma eventual vitória de Marina sobre a economia e os programas sociais.

Em 2012, João Santana recebeu 30 milhões de reais da campanha de Haddad, segundo os dados do TSE. As despesas somam 31 notas fiscais de um total de gastos de campanha do petista de 67,9 milhões de reais. Em delação premiada, Santana afirmou ter recebido mais 20 milhões em recursos não contabilizados, o caixa dois. Haddad e o PT negam.

Os 30 milhões de reais são uma miragem perto do que Otávio Antunes recebeu até agora na campanha de Jilmar Tatto. Sua empresa, Urissanê Comunicação (que aparece também com o nome antigo, M.Romano), recebeu 1.424.250 reais de Tatto, um candidato que gastou até agora 4,5 milhões. 

O que aumenta o score de Antunes são os pagamentos feitos pelo PT Nacional, 5.100.000 reais. A outra nota fiscal da empresa é pelo pagamento de 250.000 reais feito pelo candidato José de Filippi Júnior, petista que tenta retomar a prefeitura de Diadema, no Grande ABC. O pagamento feito pelo PT Nacional são as peças publicitárias que o partido disparou para todos os diretórios do país, em que pesam a defesa do legado do governo de Lula e Dilma e a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas condenações pela Lava Jato.

Procurado, Antunes não quis dar entrevista. Não se pode colocar na conta do publicitário o mau desempenho de Jilmar Tatto na campanha. Ex-secretário nas prefeituras de Marta Suplicy e Haddad e ex-deputado federal, Tatto orbita na bolha do PT e em regiões estreitas da periferia paulistana. No mais, é pouco conhecido. Carrega também o peso de defender o PT depois de seguidos escândalos e do impeachment de Dilma. Nos debates, é alvo certo dos adversários, tanto de Bruno Covas, que tenta desconstruir a gestão de Haddad, quanto de franco-atiradores da direita, como Arthur do Val, o Mamãe Falei, do Patriota.

Segundo o deputado estadual José Américo Dias, um dos coordenadores da campanha do PT em São Paulo, Antunes e a nova geração de marqueteiros fazem um “recorte mais jornalístico das campanhas e são menos personalistas”. “Não ficam querendo vender milagres e conversam muito com o cliente”, diz o deputado, crítico do estilo de Santana, de quem o PT guarda mágoas por conta da delação do publicitário.

Num ano marcado pela pandemia, com uma campanha eleitoral mais curta, esta é, na avaliação do próprio PT, uma eleição de recall – aparecerão mais os candidatos de quem o eleitor se lembra. Assim, parte do PT tenta justificar o sucesso de Guilherme Boulos (PSOL), que disputa com França e Russomanno uma vaga no segundo turno.

Em tempo: a seção do site do TSE que aponta os percentuais e valores dos gastos de campanha apresenta uma distorção. A maior despesa até agora é de nada modestos 705,1 milhões de reais, supostamente feita por um candidato a vereador de Rio Preto da Eva, no Amazonas. Leilson da Silva Batista, candidato pelo Republicanos, explicou à reportagem se tratar de um erro administrativo. Ao preencher o formulário fiscal, foi colocado o CPF da fornecedora no lugar do valor. O valor descrito coincide, de fato, com o CPF apresentado pela fornecedora. O candidato afirma que pediu a correção na Justiça Eleitoral.

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