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    Mestre Moa do Katendê: assassinado em 2018, capoeirista é tema de documentário - Foto: Divulgação

questões político-culturais

Um canto para Moa do Katendê

Documentário que será lançado em outubro conta a história do mestre de capoeira baiano, assassinado por um eleitor de Jair Bolsonaro em 2018

Tatiane de Assis | 18 ago 2022_12h55
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Em janeiro de 2018, Romualdo Rosário da Costa – o Moa do Katendê – gravava um disco com músicas próprias na Mandril Audio, uma produtora de São Paulo. O compositor, percussionista e artesão baiano, considerado um dos principais mestres brasileiros de capoeira Angola, tinha 63 anos e morava na capital paulista desde 1987. Enquanto preparava o álbum, conheceu o cineasta Gustavo McNair. Os dois logo se entenderam e combinaram de realizar um documentário juntos. McNair seria o diretor; Moa, o personagem principal.

No dia 26 de fevereiro, o capoeirista negro deu o primeiro depoimento para o longa-metragem. Durante uma hora, relembrou sua rica trajetória e entoou quatro canções, acompanhado por dois atabaques que ele mesmo tocava. Uma delas foi Exu Elegbara. Mal a filmagem terminou, Moa e o cineasta branco – à época, com 31 anos – combinaram de fazer mais entrevistas no segundo semestre. Antes, o mestre passaria uma temporada na Europa. O reencontro da dupla, porém, nunca aconteceu.

Em 8 de outubro, um dia após o primeiro turno das eleições para presidente, o barbeiro Paulo Sérgio Ferreira de Santana atacou Moa pelas costas e o matou com treze facadas. A agressão, ocorrida num bar de Salvador, resultou de uma discussão sobre política. O mestre tinha votado no petista Fernando Haddad, e o assassino, em Jair Bolsonaro, então candidato do PSL. Treze meses depois, o tribunal do júri condenou o barbeiro a 22 anos de prisão.

McNair soube do crime pelo WhatsApp. Ele e o baiano haviam criado um grupo para tratar do filme. Assim que recebeu a notícia do homicídio, um integrante da equipe cinematográfica avisou os demais. “A entrevista de 2018 acabou se transformando num guia para o documentário, que retomamos quase dois meses após a morte de Moa. Ele falou do que achava importante e cantou músicas com as quais se sentia à vontade”, relembra o diretor. “Aquele cara mudou a minha vida… Me ensinou que devemos pensar no futuro, e não no passado, quando olhamos para a ancestralidade. Reverenciar os ancestrais pode ser a melhor forma de a gente encontrar uma identidade brasileira que abarque todas as nossas pluralidades.”

Intitulado Moa, Raiz Afro Mãe, o documentário de cem minutos estreia para convidados em outubro deste ano, justamente o mês das eleições presidenciais. A seguir, deve percorrer festivais brasileiros e internacionais até chegar aos cinemas de São Paulo e Salvador. Também em outubro, será lançado o disco Raiz Afro Mãe, que o mestre gravou na Mandril Audio. Os rappers Emicida e Criolo, a cantora Luedji Luna e o grupo BaianaSystem participam do álbum.

Ainda sob a comoção do assassinato, o cineasta Carlos Pronzato, argentino radicado no Brasil, assinou o documentário Mestre Moa do Katendê – A Primeira Vítima. Feito em apenas catorze dias, o média-metragem de 2018 está disponível no YouTube e reconstitui o crime, além de exibir testemunhos sobre a importância cultural do capoeirista. “Nosso filme é bem diferente. Tem um viés mais biográfico. Queríamos retratar o percurso de Moa desde a infância e enfatizar o papel dos ancestrais na vida dele”, explica Filipe Machado, produtor executivo do novo longa.

Moa Raiz Afro-Mãe, da produtora Kana Filmes, custou aproximadamente 500 mil reais, obtidos graças a um edital do extinto Ministério da Cultura. Entre os entrevistados por McNair, destacam-se o artista plástico Alberto Pitta, autor de várias das estampas que colorem os blocos afro de Salvador; o dançarino e coreógrafo Negrizu, o “moço lindo do Badauê”, que Caetano Veloso homenageou na música Beleza Pura; e a fotógrafa Arlete Soares, amiga do mestre.

O capoeirista Plínio Ferreira, discípulo de Moa, também aparece no documentário. Ele fundou o centro Angoleiro Sim Sinhô, que funcionava em Perdizes, na Zona Oeste paulistana, e hoje fica no bairro da Lapa. Quando estava em São Paulo, Moa gostava de visitar o espaço, onde conversava e jogava capoeira com os presentes. Nessas ocasiões, todos reverenciavam o mestre, mas sem muito alarde, como era do seu feitio.

 

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