Cientistas que trabalham em disciplinas diferentes podem recorrer a estratégias bastante distintas para atacar uma mesma questão. Quando eles trabalham numa cooperação sistemática – o que não é a norma nos grupos de pesquisa brasileiros –, essas diferentes visões da ciência podem render soluções criativas para problemas práticos e teóricos.
Um bom exemplo é o do grupo liderado pela neurocientista Suzana Herculano-Houzel, no Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ. Entre os integrantes do time, está o cosmólogo Bruno Mota, que usa as ferramentas da física teórica para atacar as questões que o grupo tenta responder no Laboratório de Neuroanatomia Comparada, ou Naco(*). Uma das principais linhas de pesquisa da equipe busca determinar a composição celular do cérebro de várias espécies de animais e entender sua contrapartida evolutiva.
Recentemente, acompanhei de perto a rotina do grupo durante várias semanas para uma reportagem publicada na piauí 77 (disponível para assinantes). Conversei com Bruno sobre como é ser um físico entre biólogos e com os outros integrantes da equipe sobre as peculiaridades de se trabalhar com um cosmólogo. Como a matéria ficou sem espaço para essas reflexões, volto ao tema no blog.
A função de Bruno no Naco é ajudar o grupo a escrever algoritmos e desenvolver modelos matemáticos para abordar problemas biológicos. “Construir um modelo simplificado permite capturar a essência do que se quer estudar e obter resultados diretamente, sem que você dependa de um resultado experimental”, explicou o físico. Com a ajuda dessa ferramenta, o grupo determinou leis que parecem reger a construção do cérebro de diferentes grupos de mamíferos e, mais recentemente, mostrou as restrições que uma dieta crua impõe ao tamanho do cérebro dos primatas.
Para Bruno, a vantagem de aplicar métodos da física à neurociência é a liberdade para fazer ciência de forma criativa. “Está tudo em aberto, você não sabe quais métodos serão mais úteis ou quais abstrações pode fazer”, explicou. “Chego com minha caixa de ferramentas de físico matemático e pergunto: o que vou usar hoje? Isso é muito interessante.”
Após quatro anos trabalhando com neurocientistas, ele notou algumas diferenças na visão de mundo dos praticantes dessa disciplina. Para ele, diferentemente da física, a biologia é uma ciência eminentemente narrativa. “O biólogo conta uma história, diz o que vai acontecer”, explicou. “Na física, quando você tem um tratamento matemático, não tem isso. Uma igualdade não significa que A está causando B, mas que uma coisa implica a outra e vice-versa.”
Bruno tem ajudado a treinar os alunos do Naco a lidar com conceitos matemáticos. Na avaliação de Suzana Herculano-Houzel, o domínio dessas ferramentas será um diferencial em sua formação. “Biólogos com conhecimento funcional de matemática são raríssimos”, disse ela. “Quando você entende que tem uma abordagem matemática possível, fica muito mais fácil apreciar o significado de uma série de conceitos biológicos.”
O trabalho em cooperação permitiu colocar em evidência as diferentes concepções de físicos e biólogos. “A parte mais divertida era trazer o Bruno de volta para o chão e dizer ‘escuta, existem limitações básicas, não é assim que os neurônios funcionam’”, contou Suzana. “Os físicos trabalham com o ótimo, mas em biologia basta ser bom o suficiente. Se não custa demais e resolve o problema, está bom demais.”
(*) No fim de fevereiro, Bruno Mota deixou o Naco para assumir uma vaga como professor de física médica no Instituto de Física da UFRJ, na outra ponta do campus da Ilha do Fundão. Mas deve continuar a colaborar com o grupo de Suzana Herculano-Houzel.