Ao convocar o general Luiz Eduardo Ramos, comandante militar do Sudeste, para a vaga do general Santos Cruz na Secretaria de Governo, o presidente Jair Bolsonaro não troca só um general pelo outro. Ao contrário, põe na linha de frente de sua articulação política um militar da ativa. Esse fato foi ponderado nas reuniões entre os militares que integram o primeiro escalão do governo – até aqui, todos da reserva ao serem nomeados, à exceção do ministro de Minas e Energia, almirante de esquadra Bento Albuquerque.
O argumento de que as Forças Armadas não se misturam com o governo – já utilizado por Bolsonaro e por militares – fica enfraquecido com a chegada à Esplanada do chefe do Comando Militar do Sudeste. O porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, é um general da ativa, mas havia a desculpa de que este é um cargo de assessoria especial, e não da cúpula decisória do governo.
Alguns oficiais admitem, nos bastidores, que cruzar essa linha deixará o Exército mais vulnerável a críticas. Um arranjo burocrático permitirá manter na ativa um general cedido ao governo, assim como já foi feito com Rêgo Barros. Mas, ao integrar o primeiro escalão do governo Ramos terá de deixar o Alto Comando do Exército, instância máxima da corporação, composto hoje por dezessete generais de quatro estrelas (a mais alta patente). Em 24 de junho, o colegiado se reúne para uma reunião de promoção, na qual será promovido um general para ocupar o seu posto no Alto Comando.
No desenho da articulação política no governo Bolsonaro, o trabalho é dividido entre a Casa Civil, pasta de Onyx Lorenzoni, e a Secretaria de Governo. Assim, pesou a favor de Ramos a fama de ter mais trânsito e habilidade para lidar com a política e com políticos. O substituto de Santos Cruz já trabalhou na assessoria do Exército no Congresso e tinha bom trânsito com parlamentares de todos os matizes. Embora os dois se conheçam desde os anos 70, foi no período em que Ramos frequentou a Câmara, nos anos 2000, que Bolsonaro se aproximou dele.
O general Ramos foi um dos 11 brasileiros a comandar o contingente militar da Minustah, a missão de paz enviada pela ONU ao Haiti em 2004, que se estendeu até 2017. Ramos foi o sétimo comandante, de março de 2011 a março de 2012. Teve uma gestão de relativa tranquilidade, sem eleições nem catástrofes (nos 13 anos da Minustah, o Haiti enfrentou um grande terremoto e três furacões). Quando Ramos era force commander, a principal organização haitiana de direitos humanos acusou tropas brasileiras da Minustah de espancarem e roubarem três jovens haitianos. Na época, Ramos disse que investigaria as denúncias. Não houve punição a militares brasileiros pelo episódio.
O novo ministro assumirá uma Secretaria de Governo fortalecida. Um decreto assinado em maio por Bolsonaro deu ao titular da pasta o poder de analisar e vetar todas as nomeações no segundo e terceiro escalões do governo.
Segundo militares que trabalham no palácio, a substituição de um general por outro é um recado de Bolsonaro aos olavistas. A demissão de Santos Cruz não significa a conquista de espaço de seus adversários, mas uma insatisfação com o agora ex-ministro. Santos Cruz tinha proximidade pessoal com Bolsonaro —“amizade, admiração e respeito”, segundo definiu o presidente, em nota. Nos primeiros meses de mandato, serviu como um conselheiro de Bolsonaro. Insistia na necessidade de uma atitude técnica, e não permeada de ideologia e disputa política, na administração federal.
Mas ao expor publicamente, a partir de março, suas restrições ao polemista Olavo de Carvalho, que por sua vez postou nas redes insultos aos militares, Santos Cruz entrou na linha de tiro de Carlos Bolsonaro, filho do presidente. Com a nomeação de Fabio Wajngarten para a Secretaria de Comunicação Social (Secom), em tese subordinada à Secretaria de Governo, a situação de Santos Cruz ficou ainda mais tensa. Ministro e secretário disputavam influência mesmo em detalhes da administração, como discursos e cumprimentos. A Secom é uma área de influência de Carlos.
Desde o início de maio, quando Santos Cruz foi convocado por Bolsonaro para uma reunião num domingo, em meio a ataques feitos contra ele por Olavo de Carvalho, o desgaste do ministro se acentuou. O controle rigoroso que Santos Cruz fazia das verbas da Secom era uma das principais fontes de atrito entre o militar e a ala olavista do governo, sobretudo Carlos Bolsonaro.
As divergências entre Bolsonaro e Santos Cruz foram ficando claras ao longo do tempo também em relação à EBC. O presidente dizia querer extingui-la, e o ministro parecia resistir.
Vinte dias depois de Wajngarten assumir a Secom, Santos Cruz contestou medida do secretário de determinar que estatais submetessem à sua pasta o teor de campanhas publicitárias. Era uma resposta à veiculação de propaganda do Banco do Brasil com atores que representavam diversidade racial e sexual, que desagradou Bolsonaro. “A Secom não observou a Lei das Estatais, pois não cabe à administração direta intervir no conteúdo da publicidade estritamente mercadológica das empresas estatais”, afirmou Santos Cruz em nota na ocasião.
Em seu comunicado de despedida, na noite desta quinta-feira, o ex-ministro registrou que sua exoneração era “decisão do excelentíssimo presidente”. Fez uma extensa lista de agradecimentos, referindo-se antes a servidores, aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, e, por último, a Bolsonaro e seus familiares, sem citar nominalmente Carlos. Na etiqueta dos discursos oficiais, começa-se pelas mais altas autoridades. Não foi assim desta vez. “Ao presidente Bolsonaro e seus familiares, desejo saúde, felicidade e sucesso”, concluiu Santos Cruz, no último parágrafo da nota.