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“Um jogo de poder”

As investidas sexuais do rabino Sternschein nos latíbulos da Congregação Israelita Paulista

22out2025_09h02
Allan de Abreu

O rabino Ruben Gerardo Sternschein se declara vítima de uma campanha difamatória

Reportagem atualizada às 22h52 de 22 de outubro de 2025*

 

No quarto andar do edifício-sede da Congregação Israelita Paulista (CIP), na Consolação, em São Paulo, há quatro escritórios destinados aos rabinos. Um deles, ao lado da sala da diretoria, é ocupado desde 2008 pelo argentino Ruben Gerardo Sternschein, rabino sênior da instituição. Trata-se de um espaço pequeno, em torno de 12 m², com três paredes brancas e uma quarta revestida com painel de madeira. Na entrada, há uma pequena estante com livros e papéis. Na outra ponta, próximo à janela, há uma mesa em “L” com um computador e fotos da família Sternschein.

 

Em geral, os rabinos usam suas salas para estudar, preparar cursos e prédicas, e atender os membros da comunidade. No caso de Sternschein, o escritório serviu de ambiente para relações sexuais com diferentes mulheres, que chegaram, quase sempre, com um mesmo objetivo: a conversão ao judaísmo, que é um processo rigoroso e demorado. Na CIP, o processo de conversão é, em grande medida, arbitrado pelo rabino Sternschein.

 

 

 

A piauí reconstituiu a história de cinco mulheres a partir de entrevistas – ora com elas próprias, ora com pessoas próximas. A revista também teve acesso a um documento de cinco páginas enviado a uma organização rabínica internacional, a Conferência Central dos Rabinos Americanos (CCAR, na sigla em inglês), com sede em Nova York. Neste documento, os relatos descrevem o envolvimento de Sternschein em quatro casos de assédio sexual e oito casos de assédio moral.

 

Em agosto do ano passado, uma das mulheres apresentou uma denúncia formal contra o rabino na CIP. Ao ler o documento, a presidente da congregação, Laura Feldman, chorou e abraçou a denunciante, uma psicóloga que a piauí chamará de Taís (todos os nomes das mulheres foram trocados a pedido delas). Laura Feldman abriu uma sindicância e afastou o rabino de suas funções antes mesmo de começar os trabalhos. A investigação durou 90 dias, mas não conseguiu acesso a nenhuma das testemunhas, que preferiram não depor. O caso acabou encerrado sem um resultado concreto. Diante disso, o rabino voltou a exercer seu posto.

 

O roteiro das relações de Sternschein é pouco variável. Segundo os relatos obtidos pela piauí, a aproximação acontecia com cantadas e atos libidinosos, evoluía para encontros periódicos e, tempos depois, tudo se encerrava de forma conflituosa. O primeiro dado que chama a atenção é que os encontros eram consensuais. Ainda assim, podem ser considerados crimes de assédio, cuja característica central está na relação de poder e de hierarquia. Nos casos apurados pela reportagem, há uma complexidade adicional: a hierarquia no ambiente religioso.

 

 

 

 

 

O caso de Taís é ilustrativo. Em 2022, ela iniciou o curso de conversão ao judaísmo na CIP, depois de conhecer a religião durante um trabalho voluntário na África. Em junho, participou da primeira reunião com Sternschein na sede da congregação. Surgiram flertes correspondidos e, ao fim do encontro, o rabino lhe ofereceu uma carona. Dentro do carro, deu-se o primeiro beijo dos dois. Três dias depois, eles tiveram relações sexuais – consentidas. Embora já fosse divorciado, Sternschein pedia para a psicóloga manter o namoro em segredo.

 

Um ano depois, em junho de 2023, Taís foi procurada por outra mulher dentro da sinagoga da CIP. Aparentemente sem saber do relacionamento da psicóloga com Sternschein, ela confessou que vivia um namoro com o rabino e que estava em choque porque havia descoberto que ele mantinha um relacionamento amoroso com uma terceira mulher. Arrasada, Taís contou o episódio ao próprio Sternschein, que negou manter outros relacionamentos. Na mesma conversa, Taís terminou o namoro. No entanto, os dois continuaram se encontrando esporadicamente, dentro e fora da CIP. Em vários desses encontros, o rabino tentou reatar o relacionamento, segundo Taís. Certo dia, em um jantar na casa de Sternschein, ele pôs a mão nas coxas dela. Quando se despediram, ele fez questão de que Taís notasse a ereção dele, dizendo que estava se recordando do primeiro beijo entre eles. Ela não quis ter relação.

 

 

Sternschein também tratou de manter Taís por perto. Conseguiu um emprego para ela na Academia Judaica, um braço da CIP que oferece cursos online sobre judaísmo. Em agosto de 2023, a psicóloga foi aprovada na avaliação que determina a concessão da conversão ao judaísmo, uma avaliação denominada beit din, com o voto favorável do rabino. (Taís chegou a pedir para que Sternschein não participasse do seu beit din, mas ele não aceitou se ausentar.) Aos 46 anos, Taís tornava-se formalmente uma judia convertida, mas nem por isso sua situação emocional melhorou.

 

 

Em relatos que fez a membros da comunidade judaica ouvidos pela piauí, Taís entrou em depressão, sofreu alopecia e começou a ter ideação suicida. Em meio a esses transtornos, resolveu procurar uma advogada para formalizar a denúncia por assédio sexual contra Sternschein junto à direção da CIP. Na denúncia que entregou em agosto de 2024, constavam as conversas que ela e o rabino mantiveram por WhatsApp. Hoje, a psicóloga busca retomar a vida profissional longe da congregação e de São Paulo.

 

 

 

 

Em conversa com a reportagem em um café na Zona Sul de São Paulo, em julho, Ana relatou seu caso. De família cristã, ela tinha 38 anos, trabalhava na casa de uma família paulistana e se interessou pelo judaísmo por influência dos amigos judeus do seu avô. Em 2021, procurou a CIP e, depois de ser entrevistada por dois rabinos (um deles era Sternschein), pagou uma taxa de 8 mil reais e iniciou o curso em março daquele ano.

 

Meses depois, quando a vacinação contra a Covid começou, Ana passou a ter encontros presenciais com os líderes religiosos na CIP, principalmente com Sternschein, para sanar dúvidas a respeito dos preceitos judaicos. Na nova rotina, ela passou a notar a aproximação do rabino, que na época estava recém-divorciado. “Uma vez ele me chamou por um diminutivo e eu disse que o meu avô me chamava daquela maneira. Ele retrucou, rindo: ‘Mas eu não estou tão velho, estou em forma.’”

 

Ana relembra que a sutileza de Sternschein acabou quando, em uma oração na noite de sexta-feira, dentro da sinagoga da CIP, o religioso exaltou a “rainha do shabat” olhando fixamente para ela. A atitude não foi trivial: normalmente essa expressão não é personificada, pois designa a chegada do shabat, período entre o pôr do sol de sexta-feira e o anoitecer de sábado, sagrado na semana judaica. Segundo Ana, quando a oração terminou, Sternschein foi em sua direção, deu-lhe um forte abraço e sussurrou no seu ouvido: “Está sentindo?” Ana percebeu a ereção. “Na hora, fiquei muito encabulada, com receio de alguém ter notado”, lembra.

 

 

O próximo passo foi dado pela própria Ana. Ela convidou o rabino para um café, mas ele disse que era uma pessoa conhecida e os dois não poderiam aparecer juntos em público. Dias depois, logo depois de comandar a oração matinal diária na sinagoga, chamada Shacharit, Sternschein fez um sinal para que Ana subisse até a sala dele na CIP. Lá, diz ela, o rabino a agarrou, e ela cedeu. “Não podemos chegar aos ‘finalmentes’ antes de você se converter, mas, até lá, podemos fazer umas coisas”, disse o rabino, segundo a reconstituição de Ana. Em seguida, ele a virou de frente para a estante de livros, abaixou as suas calças e a tocou. A cena se repetiria outras duas vezes, no mesmo local, por vontade de ambos. Assim, o caso ficou restrito aos latíbulos da CIP, enquanto nos lugares de circulação pública os dois tentavam não dar pistas da relação.

 

Sternschein era um dos três rabinos que avaliariam Ana no beit din. “Eu garanto que você passa, e depois quero fazer tudo com você”, dizia o rabino, segundo ela. A certa altura, Ana começou a questionar o curso e a duvidar da própria fé no judaísmo. “Comecei a misturar a questão amorosa com a religião. Ficou tudo muito confuso dentro de mim.” Ela também passou a suspeitar que Sternschein mantinha outros relacionamentos amorosos paralelos. Depois de passar por todo o processo de conversão, Ana chegou a agendar seu beit din três vezes, mas nunca compareceu. “Lá eu não volto mais. Não foi judaísmo o que eu vi lá.” Então, em 2023, ela afastou-se do rabino e da congregação.

 

 

 

 

No livro When Rabbis Abuse: Power, Gender and Status in the Dynamics of Sexual Abuse in Jewish Culture (Quando os rabinos abusam: poder, gênero e status na dinâmica do abuso sexual na cultura judaica; não publicado em língua portuguesa), a socióloga americana Elana Maryles Sztokman analisa as características do judaísmo que favorecem um eventual abusador. Além da cultura do silêncio, Sztokman destaca o poder exercido pela figura do rabino. “Os judeus são ensinados a confiar implicitamente nos rabinos e a acreditar no que eles dizem, mesmo que isso vá contra o que sua consciência sabe ser verdade”, diz. É algo que vale, é claro, para pastores, padres e outros líderes religiosos.

 

Na defesa de casos semelhantes aos da CIP, o argumento padrão é o de que são relacionamentos consensuais, com mulheres adultas e conscientes. Para Sztokman, o alegado consentimento é comprometido por uma razão clara. Em um ambiente no qual a mulher busca conselho ou orientação espiritual, o líder religioso abusa do seu poder sempre que sexualiza esse contato, uma vez que cabe a ele o dever de cuidado, além da posição de autoridade.

 

O código de ética da CCAR, a conferência rabínica americana, tem um capítulo específico para o assédio sexual e, como não há um documento semelhante para o rabinato brasileiro, o Conselho Rabínico Reformista do Brasil, do qual Sternschein faz parte, aplica o código americano. O texto, porém, é ambíguo: ao mesmo tempo que proíbe a “má conduta sexual” e exige respeito na relação com pessoas que buscam ajuda, não informa como define o relacionamento sexual entre rabino e uma pessoa judia. Diz o documento: “Temos a maior responsabilidade em garantir que os limites éticos e sexuais sejam escrupulosamente respeitados em todos os nossos relacionamentos, com todas as pessoas que confiam em nós. A má conduta sexual por parte de rabinos é um pecado contra os seres humanos; é também um Chilul Hashem (profanação do nome de Deus)”.

 

 

Do ponto de vista legal, as regras são mais claras. É justamente essa assimetria de poder entre o líder religioso e o seguidor da religião que caracteriza o assédio sexual, explica o professor de Direito Penal Taiguara Libano Soares, da Universidade Federal Fluminense (UFF). “O crime ocorre quando o indivíduo, valendo-se de sua posição hierárquica, busca favores sexuais da vítima”, afirma. A condenação pode ser dada mesmo quando a pessoa alvo do assédio consente com as relações, e ainda que se beneficie da situação (como uma funcionária que se vale de um caso com o chefe para conseguir uma promoção). A pena varia de um a dois anos de prisão.

 

Do lado das mulheres, à perturbação mental pode se somar a confusão espiritual. “Além do sentimento de culpa comum em qualquer caso de assédio, é frequente a mulher abusada questionar a própria fé, uma vez que o sacerdote é visto como um modelo de conduta ética e moral a ser seguido. É uma camada a mais de dano psicológico”, diz a psicóloga Liliane Domingos Martins, do Ministério Público de Goiás, que atuou na investigação dos crimes sexuais envolvendo o líder religioso João Teixeira de Faria. Em 2018, João de Deus, como é conhecido, foi acusado de abuso sexual por mais de trezentas mulheres, em relações quase sempre não consensuais. Condenado em dezesseis ações penais a uma pena somada de quase quinhentos anos de reclusão, atualmente ele está em prisão domiciliar. “São figuras de autoridade que reafirmam o próprio poder o tempo todo. É narcísico: eu faço, engano e, se não há punição, eu repito. A impunidade torna o assediador cada vez mais poderoso”, afirma Martins.

 

 

 

 

Em 2012, Sternschein envolveu-se com Beatriz, uma paulistana com pouco mais de 50 anos que, ao contrário das outras mulheres, havia se convertido ao judaísmo ainda na adolescência. Ela procurou Sternschein em busca de conselhos. Divorciada, estava fragilizada porque acabara de encerrar um relacionamento com um homem casado. No escritório do rabino, ela desabafou e começou a chorar. Sternschein abraçou-a colocando uma das mãos por debaixo da sua blusa, nas costas. “Eu me assustei com aquilo. Nunca esperei aquele tipo de reação da parte dele”, disse Beatriz à piauí.

 

Apesar do espanto inicial, ela se envolveu com o rabino. “Eu sabia que ele era casado, mas decidi entrar naquela dança”, disse. Em pouco tempo começaram a ter relações sexuais – em uma ocasião, fizeram sexo oral no escritório dele na CIP. “Na época, eu pensava que eu era a queridinha do rabino. Hoje vejo que não passava de uma boneca inflável dele”, afirmou Beatriz. O envolvimento durou três anos. Após algum tempo de terapia, ela pôs fim à relação.

 

Em setembro de 2018, ela enviou a seguinte mensagem para Sternschein, pelo WhatsApp:

 

 

          Na primeira vez que fui conversar com você, como rabino, confiei e te contei do meu erro, entre lágrimas, te contei vendo como quem compreenderia meu sofrimento por uma escolha errada, meu arrependimento, [e] me guiaria por um caminho certo e aliviaria a dor da culpa, e você, após a conversa, num momento de fragilidade minha, num momento onde eu te colocava no lugar de líder, em quem eu podia confiar, veio e me abraçou, […] me assediou, durante o abraço, colocando tua mão dentro da minha blusa, nas minhas costas. Isso foi muito errado, isso foi assédio. É isso que condeno em você. Como, depois de eu ter me exposto tanto, e te contado algo que me fazia tão mal, algo que eu considerava um grande erro, você me leva de volta ao lugar do erro, como quem viu ali essa oportunidade? E a partir de então condeno apenas a mim mesma, por eu, dentro de tudo aquilo, não ter dito nada, não ter feito nada, não ter reagido. […] Não podia repetir o erro de me envolver com um homem casado, muito menos podia ser com você, por ser rabino.

 

Em resposta, o rabino afirma que Beatriz estava distorcendo a história:

 

          Acredito fortemente que o caminho da reescritura dos fatos (para não dizer a manipulação) não é justo nem saudável. […] Há algo que possa indicar que eu preciso ‘aproveitar’ oportunidades de fraquezas de alguém? De mulheres? Ou que faço algo que não seja dialógico na minha função humana, judaica e masculina? […] Uma vítima de assédio busca o assediador embaixo da mesa, no quarto de Buenos Aires, de Jerusalém, de Campos [do Jordão]? […] Pode ter certeza que lido há anos com centenas de assuntos muito delicados e tristes e jamais eles derivam em absolutamente outra coisa que o acompanhamento e fortalecimento emocional e espiritual da pessoa.

 

 

Depois dessa troca de mensagens, os dois nunca mais se falaram.

 

Enquanto ainda se relacionava com Beatriz, em 2015, o rabino viajou com membros da CIP para Israel – a congregação promove excursões rotineiras com seus membros ao país. Durante um dos passeios, dentro do ônibus, Sternschein pediu para se sentar ao lado da advogada Renata. Quando ela adormeceu, sentiu o rabino pegar na sua mão. Instintivamente a advogada recuou o braço. Como o marido dela ficara no Brasil, Renata pediu para que um amigo a acompanhasse durante o restante da viagem a fim de evitar novas investidas do rabino.

 

Quando voltou a São Paulo, Sternschein chamou-a para uma conversa no seu escritório, na CIP. Disse que a advogada parecia “uma pessoa aberta” e perguntou o que ela achava de relacionamentos extraconjugais. Renata notou o assédio e deixou a sala. Nunca mais mantiveram contato. A advogada relatou a história para pessoas próximas, mas não quis dar entrevista à piauí.

 

 

 

 

Em junho de 2024, a CCAR, em Nova York, recebeu o documento com denúncias contra Sternschein, produzido a partir de 28 entrevistas com funcionários e ex-funcionários da entidade, além de pessoas da comunidade judaica de São Paulo. A mulher que assina o documento é, também ela, da comunidade judaica, mas não se apresentou como uma das assediadas. Ao relatar os oito casos de assédio moral e os quatro de assédio sexual, o documento resume as investidas do acusado com uma definição curta: “Um jogo de poder”.

 

Além dos casos de Ana, Beatriz e Renata – o da psicóloga Taís ainda não era conhecido –, o documento menciona outra situação em que, aparentemente, o rabino começou uma investida, mas não conseguiu ir em frente. É o caso de Carla, voluntária da CIP. Ela enviou um livro de presente para Sternschein. Em seguida, o rabino lhe enviou uma mensagem de WhatsApp. Nela, mencionou uma curta passagem sobre um encontro sexual entre os personagens (o que não era o tema principal da obra) e disse achar o trecho interessante. E então veio a pergunta: se Carla gostaria de colocar aquilo em prática. Carla não respondeu.

 

 

Depois de receber as denúncias, a CCAR, no entanto, não tomou qualquer providência, alegando que o rabino não era mais filiado à entidade desde 2021, e enviou o documento ao próprio Sternschein. Procurada, a CCAR não se manifestou. A piauí também entrou em contato com a CIP, relatando os casos abordados nesta reportagem. Em nota, a entidade confirma ter recebido a denúncia da psicóloga Taís e afirma que “contemplou a oitiva de diversas testemunhas” e “concluiu não haver qualquer irregularidade ou conduta incompatível com os valores da instituição”.

 

A piauí perguntou também se a CIP teve acesso ao documento enviado à CCAR. A congregação disse que não recebeu o documento, mas confirmou que a CCAR encaminhou as denúncias a Sternschein em “caráter exclusivamente procedimental, servindo apenas para assegurar ao rabino seu direito de defesa, sem qualquer juízo de valor sobre o conteúdo”. Embora não tenha recebido o documento, a nota da CIP sugere que a congregação conhece sua autora, na medida em que afirma que tudo foi escrito “por uma pessoa que, há mais de um ano, promove campanha difamatória e persecutória contra o rabino, coagindo e pressionando membros da comunidade judaica a endossar acusações falsas”. Diz ainda que a denunciante foi notificada extrajudicialmente para que cesse “tais atos difamatórios”. A piauí teve acesso a uma notificação extrajudicial enviada por um advogado do rabino, não da CIP. A notificação diz que a denunciante poderá ser processada criminalmente por difamação.

 

A reportagem também procurou o rabino, a quem perguntou se ele assediava mulheres dentro do ambiente de trabalho, se ele se aproveitou da condição de liderança para abordar sexualmente mulheres em processo de conversão ao judaísmo e como ele avaliava o seu comportamento à luz dos preceitos estabelecidos no código de ética da CCAR. Ele respondeu com uma nota curta: “O rabino Ruben Sternschein reafirma sua conduta ética e ilibada, rejeita as alegações de conduta inapropriada e se declara vítima de campanha difamatória, confiante de que a verdade prevalecerá”.

 

 

*Na tarde de quarta-feira (22), data da publicação desta reportagem, o site da CIP publicou uma nota pública na qual reafirmou seu “compromisso com a verdade, a ética e o respeito à dignidade humana”, disse que nenhuma irregularidade foi comprovada contra Sternschein na apuração da única denúncia formal que recebeu e anunciou que rabino “está afastado de suas funções por prazo indeterminado durante as investigações”.

 

Depois, o site da Congregação substituiu a nota por um texto mais extenso, assinado por Laura Feldman e também por Denise Antão, presidente do conselho da CIP, no qual foi específico: informou que uma “consultoria externa especializada” irá averiguar as informações publicadas na reportagem. Disse também que todas as cerimônias serão realizadas pelos rabinos Dario Bialer ou Rav Natan Freller enquanto Sternschein estiver afastado.

 

 

 

 

Fundada em São Paulo na década de 1930 por judeus alemães perseguidos pelo regime nazista, a CIP é formada por cerca de 2 mil famílias de judeus liberais, também conhecidos como reformistas, com costumes e regras mais flexíveis do que os ortodoxos. Desde 1954, a CIP ocupa uma área de 1.850 m² no bairro da Consolação, em São Paulo, onde construiu uma sinagoga e um edifício de dez andares. A entidade mantém projetos sociais como o Lar das Crianças, em Santo Amaro, Zona Sul da capital, que atende cerca de quinhentas crianças não judias com atividades pedagógicas no contraturno escolar.

 

A CIP protagonizou um episódio marcante da história do Brasil. Em 1975, durante o regime militar, seu líder, o rabino Henry Sobel, recusou-se a sepultar o corpo do jornalista Vladimir Herzog, de origem judia, na antiga ala de suicidas do Cemitério Israelita, no Butantã, em São Paulo. Era um protesto político. O Exército argumentava que Herzog se enforcara na prisão, mas já então havia fortes suspeitas – compartilhadas por Sobel – de que o suicídio era uma farsa. Posteriormente comprovou-se que o jornalista havia sido torturado e morto no cárcere.

 

Com a saída de Sobel do seu do posto de liderança da CIP, em 2007, o brasileiro Michel Schlesinger passou a ocupar a função de rabino sênior, o primeiro da hierarquia. Meses depois, no entanto, o argentino Ruben Sternschein chegou à CIP, e os dois passaram a dividir esse posto, o que sempre foi fonte de conflitos internos. Quando Michel Schlesinger se mudou para Nova York, em 2021, Sternschein tornou-se então o único chefe.

 

 

Em Barcelona, onde estava antes de se mudar para São Paulo, Sternschein fundou uma pequena comunidade de judeus liberais, nos anos 1990. Nascido e criado em Buenos Aires, caçula dos dois filhos de um empresário do ramo farmacêutico que emigrou da Ucrânia durante a Segunda Guerra Mundial, Sternschein fez estudos rabínicos em Israel. Casou-se com uma professora argentina, da qual se separou no início da década atual, e tem quatro filhos, dois homens e duas mulheres.

 

 

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