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questões da política

Um líder acidental

Como um neófito da Câmara chegou à liderança do governo graças a persistência e uma folha de papel

Fabio Victor | 25 jan 2019_13h45
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Com uma incerta na porta do condomínio onde mora o presidente Jair Bolsonaro no Rio, no dia seguinte à vitória do candidato do PSL, o deputado federal eleito Major Vitor Hugo iniciou sua jornada rumo ao posto de líder do governo na Câmara dos Deputados. Anunciado pelo próprio Bolsonaro para a função dois meses e meio depois, Vitor Hugo, do PSL de Goiás, tomará posse em 1º de fevereiro junto com outros 512 deputados. A novidade é que será seu primeiro mandato como parlamentar, algo improvável para uma função tão espinhosa.

“Saiu o resultado da eleição no domingo, na segunda fui ao Rio de Janeiro, sem combinar. Fiquei na dúvida se ele me receberia. Peguei umas diárias ali num hotel próximo à casa dele [na Barra da Tijuca], porque imaginei que não conseguiria ser atendido no primeiro dia. Fui lá na frente do condomínio, liguei para o celular dele, ele atendeu e mandou eu entrar”, contou Vitor Hugo à piauí.

Naquele 29 de outubro, o major da reserva acompanhou de perto os passos do presidente eleito. “Vi o Bolsonaro recebendo embaixadores, estava ao lado quando ele deu as primeiras entrevistas. Quando eu dizia que ia embora, ele falava: ‘Não, fica aí. Eu vou dar uma dormidinha e você fica aí.’ Aí ele ia lá, dava uma descansada e eu ficava, sentado, conversando com as pessoas. Fiquei na casa dele das duas da tarde às oito da noite”, recordou Vitor Hugo.

Quando foi instalado o escritório de transição, em Brasília, o deputado passou a frequentá-lo. Até que apresentou-se a Bolsonaro como candidato ao posto de líder do governo na Câmara. O presidente lhe perguntou se ele estava se preparando para a função. Vitor Hugo, que tem 41 anos, disse que sim, que fizera reuniões com consultores da Câmara, que estudava as pautas alinhadas ao governo eleito – reformas da Previdência e tributária, segurança pública, agenda de costumes – e apresentou uma minuta de um plano de ação para o posto que reivindicava.

Para poupar o tempo do presidente e buscando se certificar de que Bolsonaro o leria, Vitor Hugo resumiu seu plano de ação em uma única folha de papel. “Sei que o tempo dele é escasso, então entreguei só uma página com o plano – que era muito mais detalhado. São coisas que já comecei a fazer: conversar com todos os ministros para aumentar a sensibilização deles sobre a importância do Parlamento, conversar com líderes partidários e com candidatos à Presidência da Câmara para abrir pontes, fazer contatos com a imprensa para distensionar a apreensão de eu ser deputado de primeiro mandato.”

A escolha de Bolsonaro por um novato foi o coroamento de uma relação que começou em 2015, quando Vitor Hugo assumiu o cargo de consultor legislativo para a área de segurança, depois de ser aprovado num concurso da Câmara dos Deputados – resolvera abrir mão da carreira militar após 21 anos no Exército e entrara para a reserva para poder se dedicar mais à família. Bolsonaro, então parlamentar, o procurou e gostou do currículo do major, primeiro colocado em concursos como o da Aman, a Academia Militar das Agulhas Negras, a escola de formação de oficiais do Exército, ex-integrante das Forças Especiais e ex-paraquedista como o atual presidente. Natural de Salvador, Vitor Hugo de Araujo Almeida é filho de um capitão de corveta da Marinha, que servia na Base Naval de Aratu, na capital baiana. Também viveu com a família em Niterói, e mudou-se para Goiânia em 2003.

Desde a transição, Vitor Hugo passou a auxiliar Bolsonaro na área de segurança e redigiu um projeto de lei para prevenir e punir ações terroristas, que foi encampado pelo presidente – em tramitação, o projeto aguarda a designação de um relator, antes de ser votado na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara. “Quando ele viu, gostou muito, rapidamente assinou e apresentou”, contou o major da reserva. Vigora no país desde 2016 uma lei antiterrorismo. Segundo Vitor Hugo, que é também advogado, aquele texto cria o tipo penal de terrorismo, enquanto o projeto que redigiu para Bolsonaro lista ações para “impedir que o ato terrorista ocorra e para reprimi-lo” – criando, por exemplo, o Sistema Nacional Contraterrorista e a Política Nacional Contraterrorista.

Questionado se o Brasil pode ser alvo de ações terroristas, e se a proposta de Bolsonaro de transferir a embaixada do país em Israel para Jerusalém pode aumentar essa possibilidade, o futuro líder do governo afirmou: “A partir do momento em que o Brasil se posiciona mais assertivamente na política externa, como vem fazendo, nosso sistema de proteção tem que ser mais desenvolvido.”

 

O contato com Bolsonaro foi crucial para a decisão de Vitor Hugo de entrar para a política. Ainda como consultor, começou a acompanhar mais de perto o capitão reformado. “Mantendo a equidistância, porque eu tinha de atender a qualquer parlamentar”, o major frisou. “Perguntei a ele: ‘Como posso usar esse broche de deputado na próxima legislatura?’ Ele responde: ‘Mas você quer mesmo? Não é fácil. Mas vai ser muito bom, vai ser uma troca: você não tem nenhum voto, eu posso te ajudar a conseguir. E você me ajuda a me reaproximar das Forças Armadas, vai ser um cartão de visita’”, relatou Vitor Hugo. Em seguida o major acompanhou o então deputado numa viagem a Natal. “Mas foi na minha folga, com passagem comprada por mim. Tinham mais de 3.000 pessoas esperando por ele no aeroporto.” Na campanha de Vitor Hugo a deputado, Bolsonaro e seus filhos gravaram vídeos de apoio, assim como o general Augusto Heleno, hoje ministro do Gabinete de Segurança Institucional, o GSI. Ele terminou com 31 190 votos e foi um dos dois deputados federais eleitos pelo PSL em Goiás.

O líder do governo na Câmara é o responsável por coordenar as bancadas dos partidos leais ao chefe do Executivo na Casa. Cabe ao ocupante do cargo afinar a posição dos partidos governistas, encaminhar votações, falar pelo governo durante as sessões (somente os líderes podem fazê-lo a qualquer momento), negociar com a oposição e, por causa disso tudo, aparecer na mídia – o líder de governo é a voz do Palácio do Planalto no Congresso. É uma função complexa, normalmente ocupada por parlamentares experientes. Daí a surpresa com a indicação de um desconhecido na Câmara para o posto.

Para Vitor Hugo, trata-se de um trunfo. “Existe um anseio da população para que o Parlamento se reinvente, para que haja uma nova relação entre Legislativo e Executivo. O presidente Bolsonaro não loteou ministérios, está combatendo o toma lá dá cá. As pessoas também não querem ver mais deputado envolvido com corrupção. Nesse contexto, escalar alguém que não tenha relações anteriores na Câmara não é desvantagem, é vantagem”, afirmou o major.

O PSL elegeu 52 deputados federais, menos somente que o PT, que elegeu 56, mas espera virar a maior bancada com a migração de parlamentares de outras siglas. O posto de líder do governo, que cabe normalmente ao partido de situação com o maior número de representantes, foi almejado por outros parlamentares do PSL, como a deputada eleita Joice Hasselmann. No início de dezembro, ela chegou a anunciar a jornalistas que havia “grande possibilidade” de ser a líder do governo na Câmara. Na época, vazaram para a imprensa discussões em grupos de WhatsApp de parlamentares do PSL, em que Hasselmann batia boca, entre outros, com o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, por disputas de poder no partido. Eduardo a chamou de “sonsa” e com “fama de louca”. “Liderança é algo automático, não imposto”, ele disse. Ela rebateu: “Se quisermos ter 52 candidaturas podemos ter e decidimos no voto e no debate, não por recadinhos infantis via Twitter. Cresça. Eduardo, não admito nem te dou liberdade para falar assim comigo (…), ponha-se no seu lugar.”

Procurada pela piauí, Hasselmann nega ter disputado o cargo com o Major Vitor Hugo e disse que passou a apoiá-lo ao saber que ele tinha respaldo de Bolsonaro. “Ele foi uma escolha pessoal do presidente, há uma afinidade, os dois são militares. Em nenhum momento houve qualquer tipo de disputa entre mim e o Major Vitor Hugo. Tivemos uma longa conversa, jantamos juntos, ele disse que já tinha falado com o presidente e pediu meu apoio. A partir dali eu passei a apoiá-lo”, disse a parlamentar.

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