Além do frio, a tensão dominava Bruxelas em novembro de 2015. Refúgio de imigrantes acusados pelos ataques terroristas que haviam matado 129 pessoas na França dias antes, a cidade belga estava sob alerta. Na porta giratória do Hilton Brussels Grand Place, Abdul, senegalês recém-chegado à Bélgica, tentava convencer o segurança que lhe barrava a entrada a chamar um hóspede que poderia dar um muito sonhado emprego.
O funcionário repetia burocraticamente ao homem com fisionomia e trajes não-europeus a orientação de não permitir a passagem de ninguém que não fosse hóspede ou não tivesse reserva no hotel. Abdul não se importava com a falsidade óbvia da alegação do segurança do Hilton – vários não-hóspedes circulavam pelo lobby do hotel. Abdul só estava preocupado em conseguir trabalho. Brasileiros que viram a cena intercederam e acabaram intermediando o contato com o possível recrutador.
O senegalês era mais um dos 1 milhão de imigrantes de países da África Subsaariana que buscaram asilo à Europa entre 2010 e 2017, segundo pesquisa inédita do Pew Research Center, divulgada nesta quinta-feira. O estudo foi elaborado com base em dados da agência de estatística da União Europeia (Eurostat).
Nem todos conseguiram permanecer na Europa, porém. Descontada a migração de retorno à África, os que usaram a Europa como trampolim para outro continente e os que morreram, 420 mil do 1 milhão de subsaarianos que chegaram ao continente europeu desde 2010 permanecem lá. Em 2017, 4,150 milhões deles viviam na Europa, contra 3,730 milhões em 2010.
Assim como com Abdul, não se sabe ao certo o que aconteceu com os outros 580 mil imigrantes da África subsaariana que entraram mas não ficaram na Europa. Não é possível dizer com precisão quantos voltaram a seus países, quantos migraram para outros locais ou quantos morreram tentando mudar o destino ditado por sua nacionalidade.
Durante a espera diante da porta giratória do Hilton de Bruxelas, Abdul dizia ter deixado o Senegal em busca de estabilidade financeira – trilhando o mesmo caminho que um irmão já havia feito anos antes. Trabalhava como motorista de uma empresa de entregas rápidas no seu país, mas tinha sido demitido meses antes de viajar para a Bélgica. Nascido numa ex-colônia francesa cuja população é formada por mais de 95% de muçulmanos, ele repetia que sua família não era religiosa e afirmava compreender as medidas de segurança reforçadas naqueles dias nervosos. Era solteiro e chegava disposto a enfrentar a discriminação e o crescimento da xenofobia na Europa.
Na mesma pesquisa, usando dados dos Departamentos de Estado e de Segurança Interna dos Estados Unidos, o Pew Research registra também a chegada de mais 400 mil imigrantes subsaarianos aos Estados Unidos entre 2010 e 2017. O estoque de imigrantes africanos subsaarianos no país nesse período passou de 1,220 milhão para 1,550 milhão.
A busca pela prosperidade econômica é uma das razões mais citadas pelos subsaarianos que deixam seus lugares de origem. O estudo do Pew Research Center cita que, embora muitos países da região tenham experimentado algum crescimento econômico nos últimos anos, a taxa de desemprego continua alta, e os salários, relativamente baixos – uma situação que se agrava com o crescente nível de fertilidade. Além da economia, outras causas apontadas para a emigração dos países da região estão ligadas à instabilidade política e a conflitos de outras origens.
Para efeito de comparação, o número de cidadãos de outros países que viviam na Europa era de 35 milhões em 1º de janeiro de 2016, segundo a Eurostat. E a pressão migratória exercida por pessoas nascidas nos países do Magreb (o grupo de nações africanas ao norte dos subsaarianos), por exemplo, segue intenso: mais de 3 milhões delas tentaram chegar – legalmente ou não – ao continente europeu só em 2015.
Essa chegada frenética de estrangeiros, à qual se somam foragidos dos conflitos na Síria e Ásia Central, tem causado reações políticas de movimentos de extrema direita em praticamente todos os países europeus. A rejeição de políticas que favorecem a imigração foi o principal combustível da vitória do movimento Brexit, que determinou o início do processo de retirada Grã-Bretanha da União Europeia, no referendo de 2016. Plataformas xenófobas também levaram à ampliação de bancadas ultraconservadoras em países como França, Alemanha, Holanda, Suíça, Suécia, Dinamarca e Finlândia – na maior expansão da direita radical na Europa Ocidental desde o fim da Segunda Guerra. Na Hungria e na Polônia, nacionalistas anti-Europa e anti-imigração controlam o Executivo. Na Itália, o movimento populista de direita duplicou sua bancada nas eleições de março.
No que depender das populações dos países subsaarianos, a pressão demográfica vai continuar. Pesquisas compiladas pelo Pew, conduzidas no primeiro semestre do ano passado, mostram que 44% dos senegaleses planejam deixar o país nos próximos cinco anos. Um desejo que se repete em alto grau também em Gana (42%) e na Nigéria (38%), por exemplo.
Estimativas do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) apontam que o número de cidadãos subsaarianos deslocados em seus próprios países praticamente dobrou entre 2010 e 2017, chegando a uma cifra próxima de 9 milhões. Entre eles, 2,3 milhões migraram para países da mesma região. O estudo menciona que entre 400 mil e 1 milhão de subsaarianos estão na Líbia, no norte da África, onde alguns deles teriam sido escravizados ou são mantidos em prisões.
Questões culturais e de idioma costumam definir o destino preferido dos candidatos à imigração. Se no Senegal o sonho de 49% dos que pretendem deixar o país é radicar-se na Europa, em Gana, por exemplo, 1,7 milhão (o que significa 6% da população nacional) se inscreveram no programa de loteria de vistos dos Estados Unidos, só em 2015. Entre emigrantes potenciais da África do Sul e Quênia, os Estados Unidos foram apontados como destino preferencial por 39% dos entrevistados do Pew – em ambos os casos.
Esses números se refletem também quando os pesquisadores do Pew perguntam aos candidatos à imigração se eles mantêm contato regular com parentes e amigos radicados em outros países. No Senegal, como era o caso de Abdul quando ainda vivia nos arredores de Dacar, 78% disseram que mantinham laços com pessoas que viviam na Europa. Entre os quenianos, a maior parte (42%) disse manter contatos com familiares nos Estados Unidos.