Por motivos de segurança, a participação de Delfin Mocache Massoko no Festival piauí de Jornalismo foi mantida em sigilo até a tarde deste domingo (4). Ele é jornalista na Guiné Equatorial, um pequeno país da África Central com 1,5 milhão de habitantes, rico em petróleo, onde a censura é prevista em lei e jornalistas sofrem com perseguição e ameaças. Os guineenses são governados pelo mesmo ditador, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, desde 1979. Não há oposição organizada nem meios de comunicação independentes atuando no país. Sindicatos são proibidos, assim como movimentos sociais em geral.
Quando criança, Mocache viu seu pai, um ativista político, ser preso e agredido pela polícia. Em 2004, se autoexilou na Espanha, onde vive até hoje. Foi uma decisão de sua família, que não queria que ele tivesse a mesma vida do pai. Em 2012, Mocache fundou o Diário Rombe, um jornal digital que ele comanda do exílio e que investiga principalmente fraudes envolvendo a relação do governo Obiang com as petroleiras que operam no país.
“É preciso ter uma coisa clara: estamos numa ditadura, e uma ditadura protegida por potências ocidentais, por petroleiras ocidentais. Qualquer dissidência que surja na Guiné Equatorial, há uma obrigação moral do regime e das petroleiras de soterrá-la”, afirmou Mocache ao iniciar a conversa com o repórter Breno Pires, da piauí, e Alana Rizzo, gente de políticas públicas do Youtube. “Em 2012, me reuni com companheiros, eu fora do país, eles dentro, e decidimos que era o momento. Dissemos: ‘Vamos montar uma estrutura e fazer o que os meios de comunicação estrangeiros não fazem por interesses políticos e financeiros. Contemos nossa própria história”, ele contou, relembrando como foi a fundação do Diário Rombe.
O portal faz um trabalho focado na investigação de casos de corrupção e violação de direitos humanos. Devido às circunstâncias do país, a apuração tocada por Mocache e seus colegas depende principalmente da ajuda de fontes de dentro do governo ou de empresas que possam vazar informações. Mocache se referiu a essas fontes como “formigas”.
“Infelizmente, na África Central, não há uma cultura de acesso à informação. A Guiné Equatorial é um país opaco, uma espécie de paraíso fiscal. O sistema político é herdeiro do franquismo. A lei em vigor na Guiné é aquela que o franquismo deixou. Há muito pouca informação digitalizada. É preciso ter ‘formigas’, fontes espalhadas pelo país”, afirmou.
Mocache frisou que, nessa situação, o cuidado com a segurança dessas fontes é um ponto inegociável. “Temos a obrigação de proteger as pessoas que estão dentro [do país]. Somos prudentes na hora de obter informação.” Segundo ele, não houve até hoje casos de represálias a fontes do Diário Rombe. Já houve, no entanto, inúmeras tentativas de suprimir reportagens. Mocache mostrou à plateia do Festival piauí de Jornalismo a gravação de uma ligação que recebeu em 2017 de um policial espanhol. No áudio, o agente, que recusou se identificar, parecia fazer uma ameaça velada ao pedir que o jornalista não levasse adiante uma reportagem que estava preparando. Ele diz ter vivido outras situações similares.
“Passei seis anos praticamente vivendo nos tribunais da Espanha por causa de denúncias de difamação e calúnia. Por sorte, com apoio de organizações civis, ganhamos todas as ações até hoje. Eu recebo ameaças constantemente”, relatou Mocache. O jornal, segundo ele, sofre com boicotes. Nem todos conseguem acessá-lo usando navegadores comuns de internet na Guiné Equatorial. A equipe do jornal, por isso, tem priorizado a publicação das reportagens em redes sociais como Telegram e Signal, onde o controle sobre a informação é mais difícil. Mocache estima que, atualmente, 60% dos guineanos acessam a internet.
Em junho deste ano, o Diário Rombe deu início à publicação do GQ Leaks, um compilado de mais de 1 milhão de e-mails vazados do Centro Nacional de Informatización para La Administración Pública da Guiné Equatorial. “Nunca antes na história da Guiné houve um meio de comunicação que publicasse matérias [sobre o governo] com documentação”, disse o jornalista, orgulhoso. Segundo ele, esse formato é especialmente importante na Guiné Equatorial porque, sem documentos, os meios de comunicação do governo, que são muito fortes, provavelmente conseguiriam desacreditar as informações publicadas pelo Rombe.
Mocache diz que pretende voltar à Guiné Equatorial, mas não agora. Pretende continuar o trabalho que faz da Espanha. Ao ser questionado sobre o futuro de médio prazo que enxerga para o país, respondeu de forma pessimista: o único horizonte inevitável é a morte do ditador Teodoro Obiang. Seria possível a formação de uma democracia depois disso? “Enquanto houver petróleo na Guiné Equatorial, nunca”, respondeu categoricamente. Obiang deve ser sucedido por seus herdeiros. Seu filho é o atual vice-presidente. A continuação do regime, segundo Mocache, tem levado uma parcela cada vez maior da população a defender um golpe de Estado para mudar o regime. “Se esperarmos o Ocidente, vamos esperar 100 anos.”