Desde o começo da Idade Média, arquivos oficiais ou de famílias nobres preservavam documentos manuscritos, mas foi somente a partir do século XVII na França que alguns particulares começaram também a conservar papéis históricos ou literários, pelo gosto de manuseá-los ou estudá-los.
Um famoso ministro de Henrique IV, Sully, foi dos primeiros a colecionar manuscritos, talvez seguindo a máxima do grande filósofo francês Montaigne que dizia ter prazer em “preservar a escrita de meus amigos”.
O colecionismo de manuscritos tal como é conhecido hoje firmou-se apenas no século XIX, com o surgimento de alguns imensos acervos privados, geralmente formados por nobres ou magnatas, como o conde de Paar, os estudiosos franceses Bovet e Fillon ou ainda o milionário inglês Alfred Morrison, cuja extraordinária coleção foi dispersada logo após a Primeira Guerra Mundial, quando o mercado estava no seu nível mais baixo.
O documento reproduzido nesta página é indicativo de uma certa preocupação em identificar e preservar manuscritos notáveis já prevalecente no decorrer do século XVIII. Nessa época, a produção científica e literária era intensa e de grande qualidade, mas quase não existiam colecionadores privados para guardar os manuscritos resultantes da atividade intelectual do período.
As duas páginas mostradas aqui contém um poema de Fontenelle, escritor muito famoso em sua época, hoje pouco lido, mas não totalmente esquecido. É lembrado sobretudo por ter vivido 100 anos, o que era até então inédito entre os autores franceses.
Fontenelle foi amigo do grande Voltaire e, por algum motivo, manda-lhe nesta peça versos de circunstância, inspirados por situações literárias e políticas da época, cuja lembrança desapareceu com a morte dos dois escritores. Os versos foram enviados sob forma de carta, pois o endereço de Voltaire aparece no verso da última folha (que, uma vez dobrada, servia de envelope e seguia por portador ou pelo correio).
O manuscrito suscitaria ainda algum interesse hoje como obra de Fontenelle, mas é sobretudo uma curta menção na letra de Voltaire, que aparece acima do texto, que o torna mais desejável: “Na letra de Fontenelle:”
Voltaire achou importante fazer essa anotação, pois o poema poderia ficar perdido entre seus papéis e, por não estar assinado, a autoria de seu amigo seria esquecida.
É irônico pensar que são os poucos segundos que o grande pensador francês precisou para a menção a Fontenelle em cinco palavras que dão hoje o principal valor a este documento, muito mais que os 26 longos versos que seu colega escritor laboriosamente compôs para a ocasião.