Domingo, enquanto o Papa Francisco visitava Fidel Castro, Uma escola em Havana, escrito e dirigido por Ernesto Daranas, era exibido em 5 cinemas, no Rio. Ao todo, havia 6 sessões para assistir ao filme. Apesar da modéstia do circuito e das poucas opções de horário, nos dias que correm, estar em cartaz há 3 semanas pode ser considerado um feito.
Cerca de três quartos da pequena sala de projeção, em Botafogo, estava tomado para assistir ao filme cubano, na sessão das 14h20m, ao contrário do domingo chuvoso da semana anterior, quando Beatriz Cardoso e Lucia Araújo assistiram a Uma escola em Havana com apenas mais sete espectadores, conforme relatam em “Quando o professor decide uma vida” (O Globo, 21.9.2015, p. 15). E enquanto o Papa e Fidel trocavam presentes, e conversavam sobre meio ambiente e temas internacionais, a pequena estampa de uma santa, ao ser afixada no quadro de avisos da sala de aula de Uma escola em Havana, contribuía para o agravamento de uma crise.
O artigo de Beatriz Cardoso e Lucia Araújo enfatiza aspectos educacionais de Uma escola em Havana, sublinhando com precisão sua virtude em mostrar com clareza como a escola pode ser fator de “desestruturação pessoal, condenação à pobreza e formação de delinquentes”. Cabe realçar também, por outro lado, os méritos propriamente cinematográficos do filme, decisivos para sua eficácia narrativa.
Chala (Armando Valdés Freire), menino de 11 anos cujas peripécias são narradas em Uma escola em Havana, é herdeiro direto de Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) e Billy Casper (David Bradley), personagens principais, respectivamente, de Os incompreendidos (1959), primeiro filme de François Truffaut, e Kes (1969), segundo filme de Ken Loach. Além de alguns traços e hábitos em comum, os três não parecem ter grandes perspectivas na vida. Precoces e abusados por adultos, cometem pequenos delitos e estão à beira do sistema penal.
A mais recente versão dessa trajetória de vida sem futuro aparente é também um retrato penoso da decadência urbana de Havana, a cidade servindo de contexto opressor para a história de Chala. Os trens que cruzam o bairro, em planos montados de modo a lembrar os clássicos do cinema soviético, acentuam as ameaças ao menino e expõem o risco de vida permanente ao qual ele está exposto. A rinha de cães, brigando até a morte, situação que atravessa Uma escola em Havana, é a metáfora perfeita da luta de Chala para sobreviver.
A discreta referência feita no filme ao famoso best-seller de Jack London, Caninos brancos (White Fang, 1906), rende homenagem a uma fonte de inspiração da qual, porém, Uma escola em Havana se distancia com habilidade. Em London, trata-se da alegoria de um jovem rebelde transformado em cidadão responsável, narrado do ponto de vista de um husky do Alasca, espécie de cachorro sem pedigree. Daranas, por sua vez, modula o filme de maneira a torná-lo menos ilusório e mais contundente.
Incorporando sem medo, mas de forma comedida, as lições do melodrama, Daranas filma em locais que conhece por experiência própria. São lugares onde passou a infância, ele conta. “Ruas e telhados nas quais continua a viver. Afiar as chapinhas no trilho do trem ou a tentativa fracassada de atravessar a baía a nado, são vivências pessoais que os meninos que atuam no filme se entusiasmaram em compartilhar.”
Além de ser baseado em experiências próprias, Uma escola em Havana foi desenvolvido como filme-oficina para um grupo de alunos da Faculdade de Meios Audiovisuais da Universidade das Artes (ISA). Os participantes, segundo Daranas, “foram parte ativa na obra desde a escolha do tema, a pesquisa paralela ao roteiro e a escolha das crianças que atuam no filme”.
Conhecimento de causa, experiência própria, projeto coletivo e talento asseguram a autenticidade de Uma escola em Havana e parecem estar na base dos seus méritos.
O título em português, porém, não poderia ser pior. Por que não traduzir literalmente o original Conducta e adotar Conduta como título? Afinal, não é exatamente disso que se trata? Carmela se sujeita a ser demitida para ficar em paz com sua consciência e é do ponto de vista dela que Uma escola em Havana em parte é narrado.
Cuba tem uma peculiaridade que diferencia o país de muitos outros, inclusive o Brasil. O público lota os cinemas quando estreia um filme cubano. Na revista Cine Cubano, o crítico Juan Antonio García Borrero, descreve a reação dos espectadores a Conducta: “Os vi chorar e depois rir. Ou ao contrário. Ou as duas coisas ao mesmo tempo.” Segundo Borrero, essa reação, deve-se, além da habilidade de Daranas como “grande narrador”, “à circunstância realmente mágica que o encontro coletivo em uma sala escura propicia.”
“Assistir a Conducta em uma sala lotada”, prossegue Borrero, “na qual o riso do vizinho de poltrona inevitavelmente nos contagia, ou o silêncio da expectativa nos prepara para o desenlace, faz o filme funcionar de outra maneira”, diferente de quando for visto na tela de um laptop ou em um telefone.
Borrero prevê que Conducta “poderá se tornar um dos filmes que provoque mais polêmicos da história do audiovisual cubano. Uma espécie de Retrato de Teresa [Pastor Vega, 1979] da nossa época. E isso será possível porque Daranas evitou bancar o juiz que moraliza sobre seus personagens. Não há aqui uma desqualificação humana, mas sim um desejo veemente de mostrar esses seres humanos em suas circunstâncias mais naturais”.
“Conducta é isso”, completa Borrero. “um olhar muito inquietante para uma parte dos cidadãos que contribui dia a dia para conformar a arquitetura moral desta nação. Aí não estão todos os cubanos, porque nenhum filme pode pretender refletir a realidade como um todo. Nesse sentido, um dos seus valores estaria em nos mostrar e nos fazer pensar sobre um segmento da realidade que nos inunda, ainda que não o vejamos nos meios [de comunicação] oficiais. É um filme que estremece, mas que evita todo o tempo os perigos do melodrama simplista nos quais poderia ter caído. Um filme, enfim, que pode nos ajudar a sermos pessoas melhores.”