O Brasil era a última coisa que passava na minha cabeça quando entrei na faculdade. Tenho dezenove anos, sou americana e estudo na universidade Princeton, nos Estados Unidos. Não tenho nenhuma relação de família com o Brasil. Estava certa de que me formaria em Letras ou História. Para me manter afiada no espanhol, fiz algumas aulas de literatura latinoamericana – o suficiente para, quem sabe, ir à Espanha ou México sem passar vexame. Minha única ligação com o Brasil era o fato de ter visto o filme . Agora, dois anos depois, estou morando no Rio.
O que aconteceu nesse tempo?
Comecei estudar português. Traduzi uma biografia de Carmen Miranda para o inglês. Fiquei ligeiramente apaixonada, chorei no capítulo que ela morria, comecei a escutar as músicas dela, descobri Francisco Alves, Noel Rosa, e fiquei obcecada com a música popular brasileira nos anos 20 e 30. Lutei por um ano para pronunciar corretamente a vogal “a” em “criança”. Cobri o festival de cinema brasileiro em Miami para uma emissora local, comecei traduzir mais literatura brasileira, fiz meus amigos escutarem Carmen Miranda, descobri a Tropicália, fiz meus amigos escutarem Caetano Veloso, dominei o “a” em “criança”, li e reli e reli A Hora da Estrela, e, mesmo com um pouco de medo de ser atropelada como Macabéa, decidi ir para o Rio de Janeiro de qualquer maneira.
Esta é a versão bem resumida. (A versão longa inclui meu relacionamento de amor e ódio com Terra em Transe, meu relacionamento de amor-e-amor com O Livro do Desassossego e minha decisão de me formar em espanhol, português, e estudos da América Latina).
Num dos meus primeiros esboços em português, escrevi sobre um sonho que tive:
Vi um Rio de Janeiro onírico; uma cidade construída quase totalmente pelos filmes brasileiros que eu vira. Os morros eram os de Orfeu Negro, os prédios de Central do Brasil, as praias as em que brincava (brevemente) Pixote, e o Jardim Botânico do romance malfadado de Macabéa e Olímpico de Jesus. Viajei por esta cidade fictícia por uma espécie de bonde, incrédula e extasiada… Parou o bonde e eu desci em frente do Maracanã (o Maracanã de O ano em que meus pais saíram de férias, suponho). Cai ajoelhada na calçada e chorei.
Admito que ainda não chorei de joelhos diante do Maracanã, nem pretendo fazer isso. Mas o Rio permanece com uma atmosfera um pouco onírica. É estranho visitar os mesmos lugares frequentados pelas pessoas que passei a idolatrar por causa das minhas pesquisas (ainda que o Rio Antigo de Carmem Miranda esteja no passado, ou que Glauber não esteja mais por aí to para trocar umas idéias). Por outro lado, percebi que a cidade tem muito mais vida do que jamais poderia ter imaginado. É, sem dúvida, um lugar real, com todas as complicações de uma metrópole. Até dezembro, estarei aqui fazendo a minha cidade fictícia ganhar vida (sempre me assegurando de olhar para os dois lados antes de atravessar a rua).
Os posts que seguem serão em inglês. Não porque eu não fale português, mas porque estou convencida de que meu senso de humor é um pouco intraduzível. Espero que me acompanhem.