Pouco mais de cinquenta dias depois da expulsão dos garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, lideranças indígenas da terra indígena Waiwai, na região Sul de Roraima, denunciam que sua região também virou alvo de invasores. De 9 de fevereiro a 12 de maio deste ano, os tuxauas, líderes indígenas, acompanhados pelos grupos de fiscalizadores (indígenas encarregados da vigilância das terras) e pelos brigadistas (responsáveis pela prevenção de incêndios), percorreram cerca de 185 km dentro da terra Waiwai e prepararam um relatório contando o que viram. O documento, ao qual a piauí teve acesso, denuncia a existência de cinco acampamentos de garimpeiros dentro da Terra Indígena Waiwai, com a abertura de picadas para passagem de veículos e até local para uma pista de pouso de helicóptero.
A primeira vistoria aconteceu entre os dias 9 e 17 de fevereiro, percorrendo duas comunidades da Terra Waiwai, Anauá e Xaari. Participaram quatro pessoas, entre tuxauas, integrantes do GPVIT (Grupo de Proteção e Vigilância Territorial) e brigadistas. O relatório afirma que, em nove dias de fiscalização, o grupo encontrou uma região de garimpo ilegal, num acampamento com máquinas escondidas, barracas e lonas usadas como cobertura. A entrada desse acampamento fica na cabeceira do Rio Novo – onde foram vistos alguns peixes mortos. Os fiscalizadores acharam uma picada (passagem estreita) aberta no meio da floresta. Encontraram também uma clareira que era usada como pista de pouso para helicópteros ou aviões de pequeno porte. No acampamento, viram barracas simples de estacas fincadas no chão e lona para protegê-los das chuvas, e perceberam que os garimpeiros já haviam iniciado uma escavação. Segundo o relatório, todo o material encontrado foi incendiado – é uma espécie de aviso para tentar barrar futuras invasões.
A segunda vistoria aconteceu entre os dias 29 de março e 7 de abril, com apoio da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde. Durou onze dias, e uma equipe de 29 pessoas subiu o Rio Anauá. Os tuxauas levaram lanças para se proteger de possíveis ameaças, temendo um encontro com os invasores. Mas não encontraram garimpeiros. Localizaram mais acampamentos, onde acharam panelas, comida enlatada, instrumentos de caça e de mineração, e a equipe queimou os equipamentos e barracas encontrados.
A terceira vistoria aconteceu no dia 12 de maio. O objetivo era fazer uma “limpeza” nas áreas mais acima do Rio Novo e colocar placas de aviso para identificar as áreas como terra indígena. A Sesai forneceu as placas. O grupo, com seis pessoas, entrou até o limite Norte da terra indígena Waiwai. “Eles entraram até os limites das terras e encontraram mais invasões”, diz o relatório, destacando que os fiscalizadores e os técnicos da Sesai colocaram as placas para avisar que ali era terra demarcada das comunidades indígenas. Foi encontrado um carreador, um caminho largo feito às pressas no meio da mata, provavelmente aberto com um trator, além de uma clareira no meio da floresta. O grupo também achou placas com nomes de pessoas – uma estratégia que costuma ser usada por grupos de garimpeiros para identificar quem vai trabalhar em cada pedaço de terra. Tudo foi recolhido pelos fiscalizadores. As três expedições aconteceram na região do Rio Anauá, que corta os municípios de Caroebe, São Luiz do Anauá e São João da Baliza.
Os relatórios com as três fiscalizações serão enviados à Funai e à Polícia Federal. No dia 24 de maio, uma equipe da Sesai esteve nas comunidades para averiguar as informações. Procurada, a Polícia Federal disse que, em regra, não comenta eventuais investigações em andamento. A Funai afirmou que recebeu recentemente uma denúncia sobre a possível presença de pessoas estranhas na Terra Indígena Waiwai e que, com base nas informações recebidas, planeja uma ação no local para averiguar as denúncias e garantir a segurança e a proteção das comunidades indígenas.
Jailson Mesquita, representante do movimento Garimpo é Legal, disse que os garimpeiros expulsos da Terra Yanomami não estão indo para a Terra Waiwai. Segundo ele, os garimpeiros estão concentrando suas atividades na Guiana e na Venezuela, países que fazem fronteira com o Brasil por Roraima.
Na terra indígena WaiWai vivem cerca de 350 pessoas em oito comunidades – 365, pelos dados de 2013. A área de 406 mil hectares foi demarcada como terra indígena em 2002 e homologada em 2003. Abrange os municípios de Caracaraí, São João da Baliza e Caroebe. As comunidades vivem basicamente do extrativismo da castanha do Pará. Caçam, pescam, plantam banana e mandioca. Na manhã do dia 25 de maio, a piauí foi até as comunidades indígenas de Anauá e Xaari, à margem do Rio Novo, dentro da Terra indígena Waiwai. Conversou com lideranças do povo Waiwai, fiscalizadores indígenas e moradores da região. O sentimento geral é de indignação com a presença dos invasores. As comunidades ficam a 12 km de distância uma da outra. Segundo Levir Kaikiwi, tuxaua dos anauá, as duas comunidades compartilham informações entre si, e o grupo de vigilância indígena é formado por trinta homens de ambas as localidades.
O indígena Luís Ruis Waiwai, de 36 anos, foi um dos agentes do grupo de fiscalização indígena a participar das expedições. Ele diz que uma das principais preocupações é o local de entrada dos invasores, a estrada vicinal 05. “Nós também encontramos lá no garimpo uma clareira para pousar helicóptero, também encontramos o local onde eles desceram, chamado de pista velha.” Ele relata também que na última fiscalização eles perceberam que estava danificado o marco de pedra colocado para sinalizar que a terra é demarcada. “Onde estava o marco nós colocamos a placa para sinalizar e ficar no lugar onde o pessoal entrou de vez.”
Segundo Geraldo Pereira dos Santos, liderança indígena da comunidade Anauá, as invasões são recentes. Ele participou da segunda fiscalização acompanhando o grupo de vigilância. Disse que em nenhum momento se encontraram com os invasores pessoalmente e que até a terceira vistoria os garimpeiros não retornaram para os acampamentos.
Aquilino Pereira Waiwai, morador da comunidade Xaary, também participou das vistorias. Disse que um morador da comunidade encontrou uma “varação”, um canal estreito, aberto por invasores, e um cachorro. “Depois de duas horas fomos ver se era verdade e tinha uma entrada. Domingo ele foi coletar e não tinha ‘picada’. Quando foi terça-feira, ele foi e já tinha ‘picada’. A entrada era recente”, conta. Segundo ele, o morador diz que encontraram um tipo de loteamento dentro da picada. dividido em faixas de 600 metros.
As invasões relatadas pelos indígenas coincidem com o momento em que autoridades estavam com a atenção voltada para as operações na terra Yanomami. Segundo Levir Kaikiwi, tuxaua da comunidade Anauá, os fiscalizadores indígenas entram nas áreas a cada quinze dias para averiguar a situação. O vice-coordenador das lideranças da comunidade Anauá, Alexandre Waiwai, desabafou: “A gente está sentindo esse perigo porque eles são invasores, pessoas que invadem. A gente repudia esses atos que eles fazem. Os povos indígenas são os maiores protetores das florestas, dos rios e da terra. Usamos a natureza para o sustento. Ela serve para sustentar todas essas populações que você vê, todos os povos indígenas.” E se angustia ao pensar no futuro de seu povo: “Sem esses recursos para onde nós vamos? Com água contaminada, o que vamos beber, de onde vamos tirar o peixe, como vamos nos alimentar? A gente não aceita esse tipo de coisa, desmatando as florestas… O que nós vamos respirar daqui a dez, vinte, cinquenta anos, o que os nossos netos vão respirar?”