Quando o jornalista norte-americano Adam B. Ellick começou a idealizar uma nova seção de vídeos para o New York Times, entrevistou uma série de especialistas no tema perguntando quem no mercado fazia bons vídeos de opinião. Um deles riu, conta Ellick, e disse: “Você chama de ‘vídeo de opinião’ porque está no Times, mas o resto do mundo só chama de vídeo”. É assim que Ellick define a seção que ele ajudou a inaugurar no jornal em 2018, o Opinion Video, com conteúdos audiovisuais que misturam informação, análise e opinião. Para Ellick, são vídeos na “linguagem dos seres humanos, não das corporações”. O jornalista participou do segundo dia do Festival piauí de Jornalismo, que acontece neste final de semana na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. Ele foi entrevistado pelo diretor de redação da piauí, André Petry, e a apresentadora da GloboNews Natuza Nery.
“Gosto de nos descrever como uma start-up dentro dessa companhia de mídia gigante”, diz Ellick, diretor e produtor executivo da seção Opinion Video. Morando em São Paulo há quase um ano, ele comanda do Brasil uma equipe de onze pessoas, enquanto a equipe de vídeo tradicional do Times tem sessenta. A iniciativa de Ellick já rendeu ao jornal quatro prêmios Emmy e, este ano, seu primeiro Oscar, com o documentário The Queen of Basketball, sobre uma das mais famosas jogadoras de basquete dos Estados Unidos, Lusia Harris Stewart.
Para Ellick, o sucesso do Opinion Video está justamente no seu formato inovador. “Contamos as histórias com um vocabulário com que as pessoas estão familiarizadas”, diz ele. O jornalista lembra que, palavra usar a palavra bullshit – merda, em português – para se referir a notícias falsas num vídeo, ele teve de pedir licença ao Times. “Eles disseram que esse não era bem o vocabulário do jornal, que existiam muitas outras palavras para substituir. Eu sei que existem, mas queríamos aquela porque é assim que as pessoas falam.” Ellick destacou que os vídeos não representam a opinião da empresa e estão longe de ser um editorial. O elemento “opinativo” dos vídeos, diz Ellick, está além dos comentários políticos – está também nas escolhas técnicas. “Opinião pode estar em algumas palavras, mas também é o ângulo da câmara, é como você aplica a edição e todas essas técnicas audiovisuais”, explica.
A emoção também ajuda a explicar o êxito da iniciativa de Ellick. “As histórias podem ser contadas de várias formas, em vários meios. O vídeo traduz perfeitamente a emoção crua. E isso não significa filmar pessoas chorando, mas ver alguém incomodado, a reação que a pessoa tem ao ouvir o que não quer e é contrariada. Até alegria e prazer”, afirma ele. “A mídia audiovisual prospera no sentimento, na opinião, na voz e na personalidade”. A ideia de Ellick era transpor o formato dos artigos de opinião para o vídeo, aproveitando para tirar vantagem das duas mídias que abraçam atitude e personalidade.
“Os editoriais reportam o tempo todo antes de dar uma opinião. Eu pensei que em vez de falar de forma ortodoxa, poderíamos usar a forma de falar que os seres humanos usam. Uma forma que seja divertida, digestível, leve e até engraçada”. Para Ellick, o segredo é pensar em contar as histórias na linguagem audiovisual, em vez de tentar traduzir uma reportagem escrita para uma plataforma de vídeo. Mas ele acredita que a narrativa textual ainda é base para seu trabalho. “Escrever é uma das maiores armas. Se você faz certo, é uma arma poderosa. No final, tudo é sobre palavras. Acho que a razão pela qual alguns departamentos não têm sucesso é porque não têm essa visão da escrita. As pessoas pensam que para fazer um vídeo é preciso ter algo muito impactante, um backflip (pirueta) ou helicóptero”, brinca ele. “Nossos vídeos não têm backflips nem helicópteros. Mas as palavras vão chegar ao seu coração.”
O jornalista reconhece que a produção de vídeo é relativamente cara – e sua seção não tem um ritmo de produção acelerado. “Mas nos perguntamos para quem fazemos esse vídeo. A audiência pode ser de milhões de pessoas no YouTube, porque queremos ser virais, ou pode ser um senador que venha a mudar de ideia sobre um assunto, ou até um CEO.” Para ele, existem formas diferentes de medir o sucesso, o que não se resume a visualizações nas redes sociais e plataformas.
O tipo de vídeo da seção Opinion Video permite liberdade narrativa. Ellick cita o exemplo do documentário From North Korea, With Dread, em que sua equipe filmou um show de golfinhos na Coreia do Norte – porque era uma das poucas coisas que podiam filmar com autorização local. “Nós voltamos aos Estados Unidos pensando o que fazer com o show de golfinhos”, lembra ele. Até que tiveram a ideia de intercalar trechos dos norte-coreanos aplaudindo o show com um pronunciamento do ex-presidente Donald Trump. “Alguns críticos disseram que não podíamos fazer isso porque era manipulação de imagens. Mas as pessoas são espertas para saber que se trata de um comentário político”, explica ele. “É uma opinião”.
Ele acredita que nem toda história necessariamente cabe num vídeo – e é preciso discutir previamente, em equipe, qual o meio ideal para reportar cada uma delas. Durante a mesa do Festival piauí, Ellick disse que poderia fazer algumas dezenas de documentários no estilo Opinion Video para o Brasil. “Eu tenho milhões de curiosidades sobre o país, mas tem uma coisa específica que eu gostaria muito de investigar: guardanapos de padaria”, ele conta. “Eu sou obcecado para saber por qual motivo um dos países mais higiênicos do mundo tem os piores guardanapos. Eles não absorvem nada e ainda são mais caros. Então não existe explicação para esses guardanapos. Talvez a gente possa escrever sobre isso numa Esquina da piauí”.