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Vacina sim, mas qual?

O uso disseminado de máscaras pode expor a população a quantidades minúsculas de Sars-CoV-2 e aumentar a proporção de casos assintomáticos de Covid-19?

| 23 set 2020_16h33
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No 50º episódio do podcast Luz no fim da quarentena, José Roberto de Toledo e Fernando Reinach conversaram sobre as diferenças entre as vacinas em teste contra o Sars-CoV-2. Ouça o episódio completo aqui.

José Roberto de Toledo: Neste 50º episódio, voltamos a falar de vacinas contra o Sars-CoV-2. Fernando Reinach explica as grandes diferenças do que vai dentro de cada uma das vacinas e quais as consequências de elas serem tão distintas entre si. 

A diversidade tecnológica não influencia apenas a eficiência das vacinas, mas também a sua segurança e o custo, não só de produção, mas também de transporte e de armazenamento. Se dermos sorte e mais de uma das 173 vacinas em estudo vier a ser aprovada, é possível que a vacinação em um país tão grande e populoso quanto o Brasil seja feita com mais de uma delas. Ou seja, eu e você, aqui no Brasil, podemos não vir a tomar a mesma vacina. Mas isso não deve acontecer tão cedo. Reinach estima a partir de quando poderemos ter vacinação no Brasil.

Fernando Reinach, chegamos ao 50º Luz no fim da quarentena. Quem diria. 

Fernando Reinach: O que quer dizer que faz 25 semanas que nós estamos tentando procurar a ponta do túnel. 

José Roberto de Toledo: Mas, com a nossa lanterninha, a gente tenta dar alguma luz, nem que seja para a gente mesmo. Neste programa de aniversário, vamos chamar assim, a gente vai falar sobre vacinas, que afinal de contas podem vir a ser a única luz no final desse túnel. Lembrando que tem mais de uma vacina sendo testada no Brasil e que a gente não sabe no final qual vai sobreviver à fase de testes, se uma, duas ou três. Então vamos explicar direito esse processo. 

Fernando Reinach: Queria primeiro explicar o seguinte: a gente tem várias vacinas sendo testadas no Brasil. Pode ser que as três que estão sendo testadas deem certo. Pode ser que nenhuma delas dê certo. Pode ser que algumas delas deem certo e mesmo assim o governo resolva comprar uma quarta, que é mais barata ou de melhor qualidade. O que a gente sabe é que a maioria das vacinas já apresentaram resultados muito parecidos nas fases 1 e 2. Então elas estão entrando na fase 3 mais ou menos empatadas. Algumas um mês na frente, outras um mês atrás. E o que vai determinar o sucesso é como elas são feitas e o que elas têm na coisa que vai ser injetada na gente, que faz a diferença para ela ser, primeiro, mais eficiente, proteger com uma maior eficiência as pessoas, e ter menos efeitos colaterais. 

José Roberto de Toledo: Eficiência, só lembrando…

Fernando Reinach: Eficiência é a porcentagem das pessoas vacinadas que não pega a doença. Então, se ela é 100% eficiente, 100% de quem foi vacinado não vai pegar a doença. Cinquenta por cento vacinado, se vacinar cem, metade ainda tem chance de pegar doença.

E há os efeitos colaterais adversos, como esse que fez essa pausa na vacina da Oxford. Você também quer uma vacina que não cause nenhum efeito colateral preocupante. Então são essas as duas coisas principais que vão determinar o sucesso da vacina. Tem uma outra coisa, que é o preço da dose e a maneira como ela é guardada e transportada. Uma vacina que você possa guardar à temperatura ambiente durante três meses, levar até o Sertão, levar à Amazônia, vai ser preferida a uma vacina que precisa da geladeira, que por sua vez vai ser preferida a uma vacina que precisa de um congelador.

José Roberto de Toledo: -70ºC.

Fernando Reinach: O que determina todas essas coisas é o imunizante, que é o que tem dentro daquele frasquinho que vai ser injetado no braço. E aí eu queria contar um pouco sobre três vacinas, para o pessoal entender um pouco a diferença do que tem no frasquinho.

José Roberto de Toledo: Vamos nos concentrar no conteúdo do frasco.

Fernando Reinach: Uma é a vacina chinesa.

José Roberto de Toledo: Da Sinovac.

Fernando Reinach: Outra é a vacina inglesa.

José Roberto de Toledo: A AstraZeneca.

Fernando Reinach: E a terceira, que ainda não está sendo testada, que a fase 1 e fase 2 saíram agora, é a Novavax, que é uma empresa americana. Saíram resultados muito animadores da fase 1 e da fase 2. A primeira coisa que vocês têm que pensar é o seguinte: quando a gente é infectado pelo vírus, o que entra na gente é o vírus vivo, e ele faz o estrago. Então, uma coisa que você não quer injetar nas pessoas é o vírus vivo. Todo o resto é jogo livre, o que funcionar está valendo. Com a vacina chinesa, eles pegam o vírus normal, infectam células em cultura nos frascos grandes, e essas células produzem um monte de vírus.

Então você tem o vírus, e intacto, como ele normalmente está nas gotículas de tosse. É o vírus inteiro. E você purifica esse vírus e trata ele com um composto químico que inativa o vírus, que mata o vírus. Você está sendo injetado com o vírus todo. Qual a diferença entre o vírus todo vivo e ele todo morto? É que, ao se injetar na pessoa o vírus todo vivo, ele começa a se reproduzir e você pode ter Covid. Com o vírus todo morto, caso ele esteja bem inativado, você injeta e, teoricamente, você tem toda a resposta imune, mas sem o vírus vivo. 

José Roberto de Toledo: Sem ele se autorreproduzir aos milhões ou bilhões, né?

Fernando Reinach: Com o vírus morto, você vai injetar aquelas duas doses e ele não vai se reproduzir lá dentro. Então apenas o que você injetar vai causar resposta imune. Você tem que dar um jeito de aquela dose ser suficiente para causar a resposta imune. Isso vai ser medido na fase 3, para que ela proteja as pessoas. Então essa é a Sinovac. 

O segundo vírus é o da Oxford AstraZeneca. Esse não é como o chinês, que é um vírus inteiro. Eles pegaram só o gene da proteína que faz a lançazinha, que chama spike protein, e colocaram esse gene num outro vírus, que é um vírus muito inofensivo e que foi modificado para praticamente não se reproduzir. Mas ele infecta células humanas. Então você está injetando um vírus que vai infectar células humanas, e as células humanas vão produzir a proteína spike e colocar essa proteína spike na superfície delas. 

José Roberto de Toledo: Você está usando um vírus como cavalo para um pedaço do Sars-CoV-2.

Fernando Reinach: E aí o sistema imune vai reconhecer só lança na superfície das células, vai produzir anticorpos, vai produzir células T. E daí que deve vir a imunidade. Então é bem diferente. Um é um vírus morto, o outro é um vírus vivo, mas muito fraco, que produz uma parte do coronavírus, que é a lança, e essa lança que vai ser reconhecida. Então você vê que é completamente diferente a história. O vírus morto é uma técnica muito antiga que já funciona com várias vacinas. A técnica que está sendo usada pela Oxford Astrazeneca é muito promissora, mas não existe nenhuma vacina comercial que seja feita desse jeito. Mas ela se mostrou muito promissora e estava na boca do forno, porque eles estavam desenvolvendo exatamente esse vírus com essa proteína do Sars-CoV-1 quando apareceu o Sars-CoV-2. Eles simplesmente pegaram, tiraram a lança do Sars-CoV-1, puseram a lança do Sars-CoV-2, e tinham a vacina pronta. Por isso que eles saíram na frente. 

 

José Roberto de Toledo: Não totalmente testada em larga escala, digamos assim, para vacinação em larga escala.

Fernando Reinach: E a Novavax é uma coisa ainda mais diferente, que é o seguinte: eles produziram no laboratório uma quantidade enorme de lanças. Não o gene da lança, mas a lança propriamente dita, a proteína que compõe a lança. E essa proteína é um trímero. Trímero é assim: essa lança é uma lancinha comprida. Imagina que ela não seja feita de um lápis só, usando a imagem de um lápis. Então trímero são três lápis que, quando estão juntos, formam a lança. E é a lança mesmo, a proteína da lança, que é injetada na pessoa. 

José Roberto de Toledo: Sem vírus?

Fernando Reinach: Sem vírus, sem nada, ela é totalmente morta. Tem zero de risco de ter alguma outra coisa.

José Roberto de Toledo: Diferentemente da chinesa, não tem o Sars-CoV-2 inteiro, mesmo que morto. Diferentemente da AstraZeneca Oxford, não tem um outro vírus, no caso um adenovírus, pra servir de cavalo para ela lá. É só a lança.

Fernando Reinach: O que elas têm em comum? Elas têm em comum que todas, de uma forma ou de outra, vão apresentar pelo corpo da pessoa que foi vacinada a tal da lança. É contra essa lança que os anticorpos neutralizantes são produzidos. Então as três vão ter a lança, que é o alvo. Tudo tem que ter lança, porque se eu tiver uma vacina qualquer que não tenha a lança, a chance de ela funcionar é muito menor. Então todo mundo tem que apresentar para o corpo da pessoa a lança. Um apresenta o vírus inteiro com a lança na superfície do vírus, mas o vírus está morto. Outro induz a produção da lança pelo corpo da pessoa que foi injetada, e o terceiro injeta a lança mesmo, a proteína da lança. 

 

A gente chama isso de uma apresentação, estou apresentando um antígeno para o sistema imune da pessoa. Todo mundo está apresentando a lança. Estou apresentando ela de diferentes formatos, dependendo da vacina, e a gente vai ver agora qual desses formatos funciona melhor.

Vamos supor que duas ou três dessas funcionem. Se essas duas ou três que terão fábrica no Brasil funcionarem, ótimo, vamos ter três fábricas. Se uma delas não funcionar, a fábrica no Brasil provavelmente vai ter que ser usada para outra coisa, ou vai para o lixo. E aí a gente não sabe como é que o governo vai distribuir essas vacinas. 

Existe no Brasil um programa nacional de imunização. O Ministério da Saúde compra todas as vacinas para o país inteiro, distribui para os estados, vai aos municípios, e todo mundo toma a vacina. Então é pouco provável que os estados tenham autonomia total para falar: “eu vou dar essa vacina para a minha população, ou vou dar outra.” Não vai ser assim. 

José Roberto de Toledo: Se mais de uma vacina se provar eficiente, existe um percentual que diz se a vacina é eficiente? Por exemplo, se ela só conseguir evitar que 40% das pessoas que tomem a vacina desenvolvam Covid?

Fernando Reinach: A Organização Mundial da Saúde (OMS) está tentando forçar um documento que diz que ninguém pode submeter a aprovação uma vacina que tenha menos de 50% de proteção, e o intervalo de confiança para baixo tem que ser acima de 30. Então, tem que ser 50%, vamos supor, de 30 a 70% o intervalo de confiança. Se o intervalo de confiança for abaixo de 30…

Agora isso não é uma lei, é uma espécie de uma recomendação da Organização Mundial da Saúde.

E tem outro problema também. Porque se duas vacinas derem, por exemplo, 50%, você não sabe se os 50% protegidos por uma vacina são os mesmos 50% que são protegidos pela outra. Você não sabe a razão para não dar 50%. Vamos supor que há uma vacina que só protege homem. E outra vacina que só protege mulher. Melhor comprar as duas. 

Ou o contrário: duas vacinas protegem os mesmos 50% e uma terceira vacina protege 60%. Aí vai ter um problema: é 60%, mas é mais cara. Vale a pena, não vale, é 60%, mas tem mais efeito colateral… Vai ter uma discussão enorme, caso haja várias bem-sucedidas, de qual cada país vai comprar. Você tem também o problema da quantidade de produção, que não vai ter para todo mundo.

José Roberto de Toledo: Quer dizer, a autoridade de saúde vai ter muito poder na hora de escolher a vacina, porque tem muitas variáveis envolvidas. Não é só eficiência, tem o custo, tem a facilidade ou não de transporte…

Fernando Reinach: Esse processo já ocorre todo ano. O governo todo ano compra as vacinas do Butantan, da Fiocruz, às vezes importa, e faz pacotes de vacinas que vão ser dadas para a população todo ano, que é o Programa Nacional de Imunização. A diferença dessa vez é que vai ficar todo mundo em cima. O governo vai ter que explicar direitinho por que escolheu essa e não aquela. 

José Roberto de Toledo: E o motivo não pode ser a bandeira do país que produziu originalmente essa vacina. 

Fernando Reinach: Nem a bandeira do governador do estado que financiou.

José Roberto de Toledo: Pode ser que uma das vacinas seja pior para um determinado, tipo, subgrupo da população? Vamos dizer, quem sofre de alguma doença rara…? 

Fernando Reinach: Pode ser, mas a gente não vai saber no fim dessa fase 3, a não ser que seja um efeito muito grande. A fase 3 não tem uma amostragem grande o suficiente de pessoas para pegar esse tipo de erro, esse tipo de diferença.

Só vamos saber disso mais pra frente. O Brasil tem uma vantagem, pois temos um dos melhores programas de imunização do mundo. Um dos mais bem organizados. Se a gente não deixar ele desorganizar, existe esse know-how de o que se escolhe, como se escolhe, que vacina se usa etc. Isso é feito todo ano, e a gente não fica nem sabendo. Agora, desta vez, estão todos de olho arregalado em cima, querendo saber o que vai acontecer.

Eu acho que começar a vacinar mesmo, em larga escala, só na metade do ano que vem. Tudo bem, vai ter alguns carinhas vacinados esse ano, vão dizer que começou, vão vacinar algumas centenas de milhares de pessoas no começo do ano que vem… Mas começar a vacinação do planeta em massa, mesmo, é algo para o meio do ano que vem.

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