O teto côncavo do Teatro Amazonas, em Manaus, costuma hipnotizar os visitantes. Um lustre de bronze e cristais pende do ponto central. Em torno dele, se distribuem cenas alegóricas que simbolizam a tragédia, a ópera, a música e a dança. Pintadas sobre um tecido grosso no ateliê do cenógrafo francês Eugène Carpezat, as imagens lembram, por sua textura, as cobiçadas tapeçarias feitas na Manufatura dos Gobelins, em Paris. O conjunto faz parte das joias do teatro, inaugurado no último dia de 1896 e símbolo do faustoso Ciclo da Borracha. Entre o final do século XIX e o início do XX, com o desenvolvimento da indústria automobilística, o látex das seringueiras amazônicas passou a ser usado na fabricação de pneus e virou mercadoria valorizada mundo afora. A economia de toda a região floresceu, gerando uma opulência que durou até aparecerem seringais mais rentáveis no Sudeste Asiático.
Na noite de 29 de dezembro de 2023, uma sexta-feira, o teatro lotou. Antes de os portões se abrirem, o público já dava uma volta completa ao redor do edifício. A ativista e técnica de enfermagem Vanda Witoto chegou cedo. Saiu de casa pouco depois das 18 horas, em companhia do marido, Sidnei dos Santos, e da irmã mais velha, Sandy Witoto. Quase 25 km separam o teatro do Parque das Tribos, maior bairro indígena do Brasil, onde a ativista vive. Ali moram cerca de 5 mil pessoas, que pertencem a vinte etnias, incluindo os Witoto, também presentes na Colômbia e no Peru.
Vanda usava uma elegante blusa cropped branca e uma calça da mesma cor, adornada por bordados de formigas pretas. Na cabeça, trazia um cocar feito com penas de arara azul e casca de tucum, um tipo de palmeira. “Minha coroa é inspirada na do meu povo”, disse a ativista algumas semanas mais tarde, enquanto observávamos juntas as fotos daquela noite. Ela escolheu um cocar tão especial porque iria participar de um acontecimento que julgava histórico: a exibição do documentário Amazonas, o maior rio do mundo, que o português Silvino Santos filmou entre 1918 e 1920. Até o ano passado, o longa-metragem em preto e branco, de 67 minutos, estava perdido e muitos o consideravam destruído.
Para boa parte da plateia, Vanda dispensava apresentações. Em 2022, ela se candidatou a deputada federal pela Rede Sustentabilidade e conseguiu 25,5 mil votos, a maioria vinda de Manaus. Não foi o suficiente para lhe garantir um assento na Câmara, mas a campanha popularizou sua história. Natural da Aldeia Colônia, em Amaturá, no Amazonas, Vanderlecia Ortega dos Santos tem 37 anos e chegou adolescente à capital do estado, com o intuito de continuar os estudos. Uma tia a acolheu. Enquanto frequentava a escola, a jovem exerceu diversos ofícios: empregada doméstica, atendente de mercearia e gerente de loja. Hoje, integra o núcleo de governança da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia, rede com mais de setecentos líderes que busca a conservação e o desenvolvimento sustentável da região. Prestes a se formar em pedagogia na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), a ativista dá um curso vivencial aos sábados para cinquenta crianças do Parque das Tribos. O objetivo é melhorar a autoestima da turminha. Os alunos realizam trilhas na mata, mergulham num rio, cozinham e papeiam muito.
Em 2014, quando tinha 27 anos e cogitava disputar uma vaga no ensino superior pelo sistema de cotas, Vanda saiu à procura de seu Registro Administrativo de Nascimento de Indígena, o Rani. Algumas universidades públicas exigem o documento de cotistas que descendem de povos ancestrais. Por meio do registro, ela descobriu seu nome original, Derequine. Na língua dos Witoto, a palavra significa formiga brava. Trata-se de uma referência às saúvas, que denominam um dos três grandes clãs da etnia, ao qual sua avó paterna, Teresa Vargas, pertencia. Os outros são os clãs da onça e da aranha.
A descoberta “abriu as comportas da memória”, como diz Vanda, e lhe despertou uma série de interrogações: “Por que meus parentes não falam a língua witoto? Por que só agora conheci meu próprio nome?” Iniciava-se ali uma longa pesquisa que acabou resultando no ensaio O silêncio das mulheres witotos. A ativista vai apresentá-lo como trabalho de conclusão de curso na UEA. “Meu povo precisou silenciar. Foi isso que permitiu à minha geração existir”, afirma.
Um dos ramos witotos de que Vanda provém se encontrava em Putumayo, na Colômbia, quando o boom amazônico da borracha começou. Como faltava mão de obra nos seringais, os indígenas se viram obrigados a trabalhar na sangria, na coleta e no beneficiamento do látex. Não raro, eram aprisionados e torturados. Mulheres sofriam estupros e se casavam à força com os brancos que controlavam o negócio. Quem pôde colocou a canoa no rio e fugiu.
Teresa Vargas deixou a Colômbia e cruzou a fronteira do Brasil ainda bebê, durante a década de 1930, quando o Ciclo da Borracha já havia terminado. Mal aportaram, os membros de seu grupo toparam com missionários católicos, que os orientaram a se vestir e abandonar o idioma natal. “Era um jeito de proteger o nosso povo, mas também de nos catequizar”, explica a ativista. Muitos anos mais tarde, Vargas uniu-se a Carlos Ortega, um brasileiro de sangue witoto. Por temer perseguições, o casal se comunicava basicamente em português e não falava de suas origens para os descendentes. Os netos de Vargas, porém, lembram-se de ouvi-la cantar numa língua que só reconheceriam tempos depois.
Vanda sabia que Amazonas, o maior rio do mundo contém as primeiras imagens cinematográficas dos Witoto. Antes mesmo de as luzes do teatro se apagarem, a ativista tinha uma ideia relativamente precisa do que o filme mostra e, sobretudo, do que esconde. Ela estava ciente de que a produção é uma peça de propaganda. Afinal, já havia lido o diário que o irlandês Roger Casement escreveu entre 1910 e 1911, durante uma viagem pelo Alto Amazonas, para investigar as condições de trabalho nos seringais. Também já assistira ao documentário Segredos do Putumayo (2020), do manauara Aurélio Michiles, que reconstitui o percurso de Casement e mescla trechos aterradores do diário com imagens da época, igualmente terríveis. Ambas as obras expõem a violência que marcou a extração do látex na Amazônia e detalham os castigos corporais aplicados em quem se recusava a trabalhar ou produzia menos que o desejado.
Até a sessão daquela noite, Vanda havia pisado apenas duas vezes numa sala de cinema. A primeira foi em 2004. Ela ganhava a vida como empregada doméstica e levou os filhos dos patrões a uma matinê. “A gente viu um filme de terror. Morri de medo. Era tudo muito escuro, um barulho assustador.”
O “cineasta da selva” Silvino Santos nasceu no interior de Portugal, em 1886. Com 14 anos, embarcou num navio para o Brasil, a fim de encontrar o irmão mais velho, comerciante no Norte do país. De início, o adolescente morou em Belém, onde aprendeu a pintar retratos e a fotografar. Mais tarde, se mudou para Manaus. Em 1912, a Peruvian Amazon Company – empresa anglo-peruana que explorava o látex e maltratava os trabalhadores indígenas – o contratou como fotógrafo. Ele deveria produzir um álbum que falseasse a realidade e mostrasse o quanto as condições laborais na Amazônia eram boas. Um ano depois, ainda sob o patrocínio da Peruvian, Santos estagiou nos estúdios da Pathé, em Joinville-le-Pont, na periferia de Paris, para se iniciar no cinema. Dirigiu, então, seu primeiro filme, um longa em 35 milímetros que retratava o Rio Putumayo, um dos principais afluentes do Amazonas. Boa parte dos negativos, porém, afundou com o navio que os levava à Inglaterra. As sequências que restaram originaram o curta Índios witotos do Rio Putumayo, lançado em 1916.
A partir daí, o cineasta se consolidou como documentarista da Amazônia. Seus trabalhos divulgavam os produtos locais e exibiam a monumentalidade da natureza para atrair investimentos à região. O diretor atendia, assim, aos anseios das elites amazônicas que o financiavam, segundo a tese de doutorado defendida por Sávio Stoco em 2019 na Universidade de São Paulo (USP). Hoje o autor é professor na Universidade Federal do Pará (UFPA).
Em 1918, Santos começou a trabalhar para a recém-inaugurada Amazônia Cine-Film. Bancada pelo governo amazonense em parceria com sócios capitalistas, a companhia lhe encomendou Amazonas, o maior rio do mundo. Quando o cineasta o finalizou, em 1920, Propércio de Mello Saraiva – espécie de produtor do longa – viajou à Europa sob o pretexto de copiar os negativos num laboratório inglês. Durante a viagem, alterou o nome do documentário para As maravilhas do Amazonas, passou a se apresentar como seu diretor e conseguiu que a francesa Gaumont o distribuísse. Em sua tese, Stoco conta que, na França, o filme foi exibido sob o título Les merveilles de l’Amazonie; na Itália, Le meraviglie del rio delle Amazzoni; na Inglaterra, The wonders of the Amazon; e na Alemanha e na Polônia, Die wunder des Amazonenstromes. A cada país em que a produção chegava, traduziam-se também as cartelas – os letreiros característicos do cinema silencioso.
O longa circulou até por volta de 1931. Depois, desapareceu. O próprio Santos, que morreu em 1970, jamais pôde revê-lo. No livro de memórias que escreveu em 1969, o cineasta dizia-se triste com o destino do documentário. “Ele está até hoje na órbita dos planetas”, lastimou. Entretanto, em fevereiro de 2023, a equipe do Národní Filmový Archiv, o Arquivo Nacional de Cinema da República Tcheca, suspeitou que as latas marcadas com o título de um filme realizado em 1925 nos Estados Unidos estavam identificadas erroneamente. Uma curadora de Praga enviou um link com imagens do material guardado nas latas para o crítico Jay Weissberg, que comanda o Festival de Cinema Silencioso de Pordenone, na Itália. O nova-iorquino, por sua vez, mandou o link a Stoco. Não havia dúvidas: aquelas imagens eram de Amazonas, o maior rio do mundo.
O documentário fez sua reestreia mundial em 10 de outubro de 2023, justamente na mostra de Pordenone. Num artigo para o catálogo do festival, Stoco salientou que, entre os gêneros cinematográficos presentes no longa, destaca-se o “filme de viagem”. O cineasta português optou por seguir o curso do rio e registrar tanto as paisagens da floresta quanto as de Belém e Manaus. Nas palavras de Stoco, o documentário “tem a modernidade de eliminar a figura do explorador/viajante, deixando às plateias somente as cartelas como guia para o entendimento das articulações, às vezes tênues, entre os planos e sequências”.
Amazonas, o maior rio do mundo, com o título em tcheco, sendo exibido no Teatro Amazonas, em Manaus (Foto: Lucas Silva)
No ano passado, a notícia sobre o reaparecimento do filme despertou em Vanda sentimentos ambíguos. Ela queria e não queria vê-lo. A primeira sessão no país foi marcada para 22 de novembro, na Cinemateca Brasileira, em São Paulo. A ativista cogitou comparecer, mas, no regresso de Dubai, onde participou da COP23, a conferência da ONU sobre o clima, sentiu-se fraca. Preferiu ficar em casa e se recuperar.
No dia 7 de dezembro, a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio) também mostrou o longa. Naquela semana, o jornal O Globo publicou um texto assinado por Vanda: “Amazonas, o maior rio do mundo traz imagens raras da floresta amazônica e dos povos que a habitavam (…). Entre esses povos, está o meu. E é sobre isso que preciso falar. Estão ali ‘os primeiros registros de nós’, que ficamos à sombra da história. As imagens nos registram, mas não nos contam. (…) Quero falar aqui do que [o filme] não diz. Como parte do povo Witoto, trago comigo a resiliência que permeia a trajetória da minha comunidade ao longo de mais de um século no Brasil, mas também as cicatrizes dos meus ancestrais, marcados pelo genocídio, estupro de mulheres, assassinato de crianças, a escravidão pela borracha e pelo silenciamento de nossas vozes, cantos, danças e rituais sagrados. (…) Somos Murui Muinane, o povo do centro da Terra, filhos da semente do tabaco, da coca e da macaxeira doce, tendo a alimentação como base identitária. Uma cultura que também canta para esfriar e adoçar o coração da terra e dos homens.”
Deste trecho, uma frase martelou em minha cabeça pelos dias que se seguiram: “As imagens nos registram, mas não nos contam.” Sou professora no curso de cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF), e a constatação de Vanda toca numa questão que me interessa há quase vinte anos. Em minha dissertação de mestrado, a formulei da seguinte maneira: “Podem os personagens de um documentário reconhecerem-se diante da própria imagem na tela do cinema?” No artigo publicado pelo jornal carioca, a ativista respondia que não, mesmo sem ter visto o filme de Santos. Ela fazia a afirmação sobretudo por saber que a economia que financiara o cineasta era inseparável daqueles que haviam explorado e torturado os Witoto na Colômbia. Será que Vanda manteria a opinião depois de assistir ao longa?
Da capital fluminense, a cópia digital do documentário seguiu para Fortaleza, antes de ganhar a tela de Manaus, onde a ativista finalmente conseguiu vê-la. No momento em que o texto do Globo saiu, a antropóloga Oiara Bonilla e eu começávamos a preparar a disciplina que ofereceríamos no primeiro semestre de 2024, sob o título de O gesto documental. Entre as imagens de si e as imagens do outro. Decidimos iniciar o curso na UFF com o filme de Santos e sonhamos ter Vanda na aula inaugural. Por estar ocupada, a militante não aceitou o convite.
Quando a pandemia de Covid chegou ao Brasil, no começo de 2020, Vanda trabalhava como técnica de enfermagem no ambulatório da Fundação Hospitalar Alfredo da Matta e já morava no Parque das Tribos. Em razão da crise sanitária, o ambulatório fechou, e a ativista resolveu atender voluntariamente a população de seu bairro. Na condição de mulher indígena e profissional da saúde, ela acabou sendo a primeira vacinada de Manaus. Um conhecido jornalista do Amazonas, Ronaldo Tiradentes, a criticou por isso: “O índio fake não deve tomar a vacina. O índio aldeado é que deve tomar.” Mais tarde, o comunicador se retratou.
A foto de Vanda recebendo a CoronaVac correu o mundo e alcançou seus parentes de Putumayo, que lhe escreveram. Eles queriam conhecê-la. “Os Witoto de lá não tinham conhecimento dos Witoto daqui, já que nunca mantivemos contato com nenhum deles”, conta a ativista. Depois da troca de mensagens pela internet, marcou-se um encontro em Letícia, município colombiano que faz fronteira com o Brasil e o Peru. A reunião aconteceu em agosto de 2021 e ensejou a promessa de uma expedição dos Witoto brasileiros até Putumayo, ainda por realizar-se.
Numa de nossas conversas, Vanda notou os pontos em comum entre a trajetória de seu povo e o percurso do documentário de Santos. “Nós ficamos perdidos de nossos parentes da Colômbia por uns cem anos. Só nos reencontramos na pandemia, reafirmando nossa história, nossa identidade. Esse filme também reaparece após quase um século para que a gente possa contestá-lo e apresentar outra narrativa de nós mesmos, a partir da nossa perspectiva.”
O longa do diretor português gira em torno de dez “riquezas” da Amazônia: borracha, castanha, cana-de-açúcar, gado, madeira, mandioca, orquídea, algodão, cabaça e pesca. Cada uma é nomeada numa cartela e mostrada em etapas significativas de sua produção. “Era todo um mercado sendo vendido para o exterior”, interpreta Vanda. Nesse ponto, sua avaliação coincide com a análise de Eduardo Morettin, que estudou No paiz das Amazonas, o filme seguinte de Santos, exibido em 1922, no centenário da Independência do Brasil.
Em Amazonas, o maior rio do mundo, os trechos dedicados a cada produto sempre deixam ver figuras humanas, seja trabalhando na sangria da seringueira ou defumando a borracha, seja coletando castanhas, fisgando peixes-bois, laçando cavalos ou montando em touro bravo. Os letreiros, porém, jamais identificam as pessoas filmadas e, na maior parte das vezes, nem sequer mencionam a existência delas. Em sequências claramente encenadas, vemos trabalhadores e patrões, de cabelos lisos ou de chapéu, cigarro quase sempre na boca. Homens de mãos dadas medem a largura do tronco de uma árvore e a derrubam. Entre um e outro golpe de machado, olham para a câmera, numa atitude bem característica das primeiras décadas do cinema e, depois, considerada inadequada. Seriam menos falsos os filmes em que os personagens não encaram a câmera?
Num certo momento do documentário, aparece uma cartela com os seguintes dizeres: “No Brasil, crescem muitas espécies de cabaças, que os nativos decoram com habilidade.” É um raro instante em que os humanos são citados. Depois de alguns planos em que vemos cabaças no pé e outras entalhadas, uma das quais serve de chapéu para um cachorro brincalhão, surge a imagem de uma mulher negra que, como os abatedores de árvores, mira a objetiva de frente. A melancolia de seu olhar parece ser um sinal de verdade.
As únicas sequências dedicadas aos Witoto despontam logo após a passagem das cabaças. As cenas duram 5 minutos e começam com a seguinte informação: “Aqui vivem tribos selvagens que, há apenas cinquenta anos, decoravam suas ocas com os crânios dos inimigos.” Não é possível atribuir a redação dos letreiros a Santos. Provavelmente, as cartelas foram muito modificadas a cada parada do longa, a cada nova tradução. De todo modo, é somente nesse momento, depois de 59 minutos de filme, que emergem as primeiras imagens dos indígenas. O diretor os enquadra de perto, em planos americanos ou mesmo em close-up. Dois Witoto são filmados de acordo com o sistema antropométrico. A técnica, desenvolvida no século XIX pelo criminologista francês Alphonse Bertillon para tipificar corpos de criminosos, consistia em tirar medidas dos rostos e retratá-los de frente e de perfil, um pouco como nas fotos que são feitas até hoje quando alguém é preso.
Com pintura no corpo e volumosos brincos nas orelhas, os dois homens dão a impressão de estarem bastante desconfortáveis. “No documentário, o meu povo aparece como mais uma mercadoria para ser explorada”, lamenta Vanda. “Nossos corpos eram o produto mais barato a serviço dos brancos extrativistas. Era o meu povo que pescava, que coletava a castanha, que retirava a borracha.” O plano seguinte ao dos Witoto traz imagens de nenúfares, uma planta aquática. Depois da informação de que as folhas da vitória-régia podem atingir 1 metro de diâmetro, uma cartela anuncia: “Nossa jornada chega ao fim.”
“Silvino Santos criou uma das maiores fake news da história”, prossegue a ativista. “Ele quis transmitir a mensagem de que meus parentes estavam bem, de que não houve genocídio. Foi contratado não para mostrar a verdade, mas para negar o horror vivenciado por meus antepassados e passar outra imagem deles. Eu o considero tão genocida quanto Julio César Arana, apontado como o grande vilão daquele período.” O político e empresário peruano estava à frente da Peruvian Amazon Company.
No Teatro Amazonas, enquanto assistia ao documentário, Vanda gravou trechos dele em seu celular. A militante se interessou especialmente pelas imagens dos Witoto. Embora consciente da estratégia negacionista de Santos, ela conseguiu se reconhecer em algumas daquelas cenas. “Essas são as nossas malocas”, disse-me, apontando para construções que eu jamais saberia identificar. “Nossa gente senta desse jeito”, mostrou em seguida. “A roupa deles me impactou bastante. Notei que as mulheres usam vestidos longos. Pensei nas mulheres tomadas como esposas à força… Minha irmã chorou muito nessa parte do filme. Eu também chorei.” Outra passagem gravada exibia fortes corredeiras de um curso d’água não nomeado. “As canoas do meu povo devem ter passado por aqui”, especulou Vanda. Diante de uma sequência que retratava os indígenas em festa, a ativista comentou: “Olha quanta gente! Meus parentes dançam assim. E olha a pintura! O meu povo já nem pinta o corpo dessa maneira, mas é bonito demais, né?”