Quem vota em Luiz Inácio Lula da Silva não vota em Jair Bolsonaro, e a recíproca é verdadeira, certo? Parcialmente certo – o que significa que essa redução, como todas, é parcialmente errada. De fato, 36% dos eleitores brasileiros afirmam que votariam com certeza ou poderiam votar no ex-presidente e não no atual. Reciprocamente, outros 25% se dizem potenciais eleitores de Bolsonaro e rejeitam votar em Lula. Se você somou os dois percentuais percebeu que está faltando eleitor nessa conta. Pois então, como se definem os 39% que ficaram fora da soma?
Cerca de metade deles não votaria nem em Lula nem em Bolsonaro: 19% do eleitorado brasileiro não entra na tão apregoada polarização política porque rejeita os dois polos. O nem-nem votaria em outro presidenciável qualquer ou em nenhum. Mas ainda assim a conta não fecha 100%. Cadê o resto, os 20% que faltam? Uma parte minoritária está indecisa – diz que não conhece suficientemente os candidatos para se definir, ou simplesmente não quis responder para os pesquisadores do Ipec (Ipec é o “novo Ibope”, como explico no final deste texto). Mas esses eleitores sobre o muro são uma parcela menor do que a daqueles que têm um pé em cada canoa.
Lulistas e bolsonaristas radicais engasgariam ao saber que um em cada dez eleitores brasileiros diz que poderia votar tanto em Lula quanto em Bolsonaro. Parece pouco? Pois seu contingente é suficientemente grande para decidir uma eleição apertada. Você duvida, mas esses ambidestros ficam proporcionalmente mais importantes se comparados ao eleitorado potencial de cada candidato. São 11% do eleitorado total, mas 23% do de Lula e 29% do de Bolsonaro. Como assim, por exemplo?
Sim, são quânticos, estão ao mesmo tempo na canoa de um rival e na de outro – e talvez na de um terceiro ou quarto presidenciável também. Mas não para sempre. Na hora de apertar os botões na urna, terão, obviamente, que anular, ou, mais provável, optar por uma das canoas. Ao se mexerem, afundarão algumas delas.
No limite, se todos os quânticos ambidestros se moverem para a canoa de Lula, Bolsonaro perderia três em cada dez de seus eleitores potenciais, e seu teto de votação cairia de 38% para 27% do eleitorado total. Se, ao contrário, o movimento for todo para a canoa de Bolsonaro, Lula perderia pouco menos de um quarto de seus eleitores potenciais e teria sua votação máxima rebaixada dos atuais 50% para 39%. Mesmo perdendo, conservariam o suficiente para ambos irem ao segundo turno, certo? Depende.
Lula e Bolsonaro dividem eleitores potenciais com outros presidenciáveis além de entre os dois. Esses eleitores também podem abandonar a canoa de um deles ou de ambos em outubro de 2022 para embarcarem numa terceira candidatura. Embora improvável hoje, a combinação desses dois fatores pode deixar um deles fora do segundo turno. Vai depender de quem serão os outros candidatos e de sua força. Algumas candidaturas são piores para Bolsonaro; outras, para Lula.
Por exemplo, se todos os eleitores potenciais que Bolsonaro tem em comum com Sergio Moro votassem no seu ex-ministro da Justiça, o presidente perderia um terço de seu potencial de voto e seu teto eleitoral cairia para 25%. Combinado com o que perderia eventualmente para Lula, o presidente candidato à reeleição passaria a correr risco de cair fora do turno final. Como há duas vezes mais eleitores de Lula que não votariam de jeito nenhum em Moro do que eleitores que votariam também no ex-juiz, a candidatura de Moro atrapalharia muito mais a de Bolsonaro do que a do petista.
Mas, afinal, quem são os eleitores quânticos ambidestros, que estão ao mesmo tempo na canoa de Lula e na de Bolsonaro? Esses 11% estão distribuídos por todas as regiões e segmentos sociais, mas se concentram acima da média no Nordeste, em pequenos ou médios municípios do interior, têm baixa escolaridade, ganham até um salário mínimo por mês e têm mais chances de serem evangélicos. Como se vê, têm um perfil muito parecido com o dos beneficiários do Bolsa Família e do Auxílio Emergencial.
Isso sugere que a disputa entre Lula e Bolsonaro pelo voto quântico-ambidestro será menos ideológica do que econômica. É um eleitor pragmático, que votará mais com o bolso do que com o fígado ou o coração. Nas cidades onde moram, os benefícios pagos pelo governo federal não beneficiam apenas quem os recebe, mas toda a comunidade. O comércio local depende desses auxílios. O alcance, valor e periodicidade do novo auxílio emergencial serão determinantes para Bolsonaro ganhar ou perder esses eleitores compartilhados com Lula.
Já os 19% de eleitores que não votariam nem em Lula nem em Bolsonaro têm um perfil sociodemográfico diferente. Os nem-nem caçados pelas candidaturas da terceira via são, na verdade, as nem-nem. Além de serem majoritariamente mulheres, moram com mais frequência do que a média do eleitorado nas grandes cidades e capitais, no Sudeste, têm nível superior de escolaridade, renda acima de cinco salários mínimos e são brancas. Obviamente nem todo nem-nem é a nem-nem pintada acima, mas são essas características que a destacam.
É importante também entender como é feita a pesquisa de potencial de voto. Diferentemente das pesquisas comuns de intenção de voto, nesse levantamento não se apresenta um cenário eleitoral para o entrevistado escolher um candidato. Não há, portanto, uma comparação excludente. O eleitor não escolhe um nome e descarta os demais. Na pesquisa de potencial de voto, o entrevistador pergunta:
“Para cada um dos possíveis candidatos a presidente da República citados, gostaria que o(a) senhor(a) dissesse qual frase melhor descreve a sua opinião sobre ele. Sobre fulano: “com certeza votaria”,”poderia votar”, “não votaria de jeito nenhum”, “não conheço o suficiente”, “não sei”. E sobre sicrano”… repete-se a leitura das frases.
Assim, é possível cruzar as opiniões do mesmo eleitor sobre mais de um candidato e descobrir qual o perfil de quem prefere Lula ou Bolsonaro, nenhum dos dois ou ambos. Esse tipo de pesquisa é mais útil do que a simples intenção de voto quando falta muito tempo para a eleição e/ou quando o cenário eleitoral não está claro. A imposição de um problema sobre o qual o eleitor ainda não pensou a respeito é menor porque não se pede para ele tomar uma decisão entre um ou outro candidato – algo que ele só fará, de fato, na hora de ir à urna.
A pesquisa foi feita pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), empresa recém-criada mas que carrega a tradição do mais antigo instituto de pesquisas de opinião no Brasil. O Ipec foi fundado em fevereiro de 2021 pela CEO e pelos diretores do Ibope Inteligência, que deixou de existir em janeiro. A sócia que dirige o Ipec é Márcia Cavallari, que comandou o Ibope Inteligência por três décadas. Na prática, mudaram apenas a composição societária e o nome do instituto. Além das pessoas, as metodologias de amostragem, coleta e análise também são as mesmas. No caso dessa pesquisa foram 2.002 entrevistas face a face, na casa do entrevistado, com intervalo de confiança de 95% e margem de erro máxima de 2 pontos percentuais para o total da amostra.
Por conta disso, é possível comparar as pesquisas do Ipec às do Ibope. A última pesquisa de potencial de voto feita pelo Ibope Inteligência foi em maio de 2018, logo depois de Lula ter sido preso pela Polícia Federal no âmbito na Operação Lava Jato. Coincidentemente, a primeira pesquisa de potencial de voto do Ipec foi feita poucos dias antes de Lula ter tido suas condenações anuladas pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, e recuperar o direito de ser candidato nas eleições de 2022. Qual a diferença de potencial de voto de Lula entre abril de 2018 e fevereiro de 2021? Praticamente nenhuma.
Em ambas o potencial de voto de Lula é de 50%. As taxas que compõem esse percentual oscilam dentro da margem de erro. Em 2018, 37% diziam que votariam com certeza no petista para presidente; em 2021, 34%. Em 2018, 13% diziam que poderiam votar; em 2021, 16%. Vale acompanhar o que acontecerá com esses números nos próximos meses.