Minutos após Juan Guaidó autodeclarar-se presidente da Venezuela, representantes de Estados Unidos, Brasil, Chile, entre outros, reconheceram sua legitimidade – em detrimento do governo do outro presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Declarações de apoio em série não acontecem por acaso. Foram o desenlace de articulação diplomática que tomou corpo após a eleição de Jair Bolsonaro. O presidente brasileiro não esteve à frente do processo, mas, sem a afinação com o Brasil, a orquestra regida pela administração de Donald Trump não teria se apresentado tão rapidamente como se viu nesta quarta-feira. A avaliação é de Matias Spektor, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo.
O movimento decisivo ocorreu quatro dias após a posse de Bolsonaro. Em 4 de janeiro de 2019, o chamado Grupo de Lima – formado por chanceleres das Américas para acompanhar a crise na Venezuela – aprovou declaração não reconhecendo o governo de Maduro, que havia sido reeleito em maio de 2018. Países signatários (Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia) chamaram de volta seus embaixadores em Caracas e passaram a reavaliar o status de suas relações diplomáticas com a Venezuela. O México foi o único país do Grupo de Lima que não assinou a declaração.
No dia seguinte, Juan Guaidó assumiu a presidência da Assembleia Nacional da Venezuela, que passou a ser considerada o único ente democrático e legítimo representante da população venezuelana pelos governos do Grupo de Lima. Em 10 de janeiro, Maduro tomou posse para seu segundo mandato presidencial. Três dias depois, Guaidó foi detido por agentes do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional, do governo Maduro, mas libertado logo depois. Desde então, ele tem viajado pelo país em busca de apoio para chegar ao poder. Na terça-feira, véspera de Guaidó autodeclarar-se mandatário da Venezuela, o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, divulgou vídeo na internet encorajando as manifestações de rua contra Maduro previstas para o dia seguinte e reforçando o apoio a Guaidó.
Não foi a única iniciativa do governo norte-americano para promover a troca de comando na Venezuela. Em 29 de novembro, John Bolton, assessor de Segurança Nacional de Trump, visitou o então presidente eleito Jair Bolsonaro em sua casa, no Rio de Janeiro. Bolsonaro literalmente bateu continência para Bolton e, desde então, tem repetido críticas a Maduro. Desconvidou-o para sua posse em Brasília. Maduro também elevou o tom. Ameaçou armar a milícia bolivariana “até os dentes” para se defender de eventuais ações militares da Colômbia ou Brasil. Enquanto isso, a economia venezuelana continuava a se deteriorar e a popularidade de Maduro chegava ao seu ponto mais baixo, culminando com os protestos iniciados nesta quarta.
O professor Matias Spektor não vê saída em curto prazo para o impasse político na Venezuela e seus dois presidentes. Embora impopular, ele lembra que Maduro ainda tem o apoio das forças de segurança e dos militares. Sem um braço armado do lado de Guaidó, ele acha difícil que a crise se transforme em guerra civil. Spektor tampouco acredita em intervenção militar por outros países. Segundo ele, nenhum dos principais interessados no petróleo da Venezuela – nem China, nem Rússia, nem Cuba, nem mesmo os Estados Unidos – apoiam essa hipótese. O professor da FGV acha inevitável o aumento do confronto entre Maduro e Guaidó e aposta que o desfecho vai depender da nacionalização ou não dos protestos que começaram em Caracas nesta quarta.