Pesquisa conduzida pelo Pew Research Center, organização americana que realiza pesquisas sobre questões da atualidade, mostrou que visões sobre mudança climática e meio ambiente estão fortemente ligadas a posicionamentos políticos. Nos vinte países que fizeram parte do estudo, a maioria das pessoas que se posicionam à esquerda tendem a priorizar a proteção ao meio ambiente e o investimento em energia renovável na matriz energética de seu país – como, por exemplo, luz solar e energia eólica. Essas modalidades utilizam fontes consideradas inesgotáveis ao longo do tempo, em oposição ao uso de petróleo, carvão e gás natural como fontes de energia. A proporção de pessoas que priorizam o aumento do uso de fontes de energia renovável é maior entre os eleitores de esquerda em todos os países – as únicas exceções são o Brasil e a República Tcheca. No caso brasileiro, a pesquisa mostra que, de um polo a outro do campo político, as opiniões sobre esse tema não são tão divergentes: tanto na esquerda como na direita, a proporção de pessoas que privilegiam o uso de fontes de energia renovável é a mesma – 73%. Na realidade, a maior proporção de defensores desse tipo de energia está entre pessoas que se identificam com o “centro” – 88% delas priorizam o uso dessas fontes no modelo produtivo, número significativamente maior que o encontrado nos outros dois grupos políticos.
Esse resultado vai na contramão da tendência observada nos outros países participantes. Na maioria deles, a proporção de pessoas que defendem o uso de fontes de energia renovável é maior entre eleitores de esquerda. Nos Estados Unidos, por exemplo, a diferença é clara: 93% das pessoas que dizem ser de esquerda priorizam o uso dessas fontes; à direita, 52% dos eleitores pensam assim. “A pauta do meio ambiente é, tradicionalmente, uma pauta de esquerda nos Estados Unidos”, explica Daniela Campello, cientista política e professora da Fundação Getulio Vargas. “No Brasil, essa questão talvez não seja uma agenda clara, nem para a esquerda nem para a direita.” Entre os eleitores que dizem ser de esquerda, os brasileiros são, proporcionalmente, os que menos priorizam o investimento em fontes de energia renovável.
“Existe uma parte da esquerda no Brasil que tem um discurso desenvolvimentista, que não é predatório como o de Bolsonaro, mas ainda é um discurso que prioriza desenvolvimento e contrapõe isso ao meio ambiente”, diz Campello. Em 2016, a então presidente Dilma Rousseff – eleita pelo Partido dos Trabalhadores, que se define como de esquerda – inaugurou a usina hidrelétrica de Belo Monte, projeto que até hoje levanta debates sobre suas consequências ambientais e sociais.
Sobre a mudança climática, 59% dos eleitores de esquerda no Brasil acreditam que se trata de um problema sério; à direita, 50% compartilham da mesma opinião. A diferença existe, mas não é estatisticamente significante, segundo o relatório da pesquisa. Uma discrepância maior se revela na opinião sobre proteção ao meio ambiente: 74% dos eleitores brasileiros que dizem ser “de esquerda” acreditam que essa deveria ser uma prioridade, ainda que reduza o crescimento da economia ou cause perda de empregos; à direita, 64% pensam assim. Mas, diferente dos outros países, os eleitores que dizem ser de “centro” são os mais preocupados com a defesa do meio ambiente – 81% acreditam que essa é a prioridade. Com exceção da República Tcheca, em todos os outros países participantes da pesquisa essa pauta tem mais apoio entre eleitores de esquerda.
“Na América Latina, grosso modo, os conceitos de esquerda e direita não são uma coisa muito clara para as pessoas, então há uma tendência maior de elas se colocarem ao centro”, explica Campello. Para ela, uma das principais razões para essa dificuldade está no próprio sistema político do Brasil. “Claro que existem variações, mas um americano sabe exatamente o que significa votar em um democrata em vez de em um republicano. São partidos fortes, que têm um programa consistente ao longo do tempo. No Brasil isso não existe.” Atualmente, existem no país 33 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral. Para Campello, a falta de um programa sólido nesses partidos faz com que os eleitores encontrem dificuldade para se orientar em relação aos temas do debate público. A questão do meio ambiente é um claro exemplo dessa dificuldade.
“O debate sobre o clima, por exemplo, ainda é muito incipiente no Brasil”, explica Campello. Ao todo, apenas 54% dos brasileiros acreditam que as mudanças climáticas são um problema sério. Para ela, o perfil econômico extrativista do país – assim como no resto da América Latina – é um dos entraves para o avanço dessa agenda. Mas com as recentes tragédias ambientais no Pantanal e na Amazônia, principalmente durante o governo Bolsonaro, o tema ganhou os holofotes. As medidas do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que contrariam o fundamento de seu cargo, também trouxeram à tona a importância do debate. De acordo com a pesquisa do Pew Research Center, os brasileiros – depois dos espanhóis – são os que mais identificam que problemas ambientais, como poluição de rios, poluição do ar, lixo e derrubada de florestas, são questões importantes no país. Mas ainda há um longo caminho pela frente para transformar essas ideias em ações concretas, principalmente quando a defesa do meio ambiente se concentra em países mais ricos. “Existem muitas questões imediatas para a gente resolver no Brasil”, diz Campello. “A preocupação a longo prazo ainda é um luxo de quem não está lutando pela sobrevivência.”