Ovilão da inflação de 2016 virou herói em 2017. O feijão carioca, cujo preço subira 46% no ano anterior, caiu na mesmo proporção no ano passado. O fenômeno se repete com outros alimentos, sujeitos à imprevisibilidade do clima, a caprichos de mercado e ao sucesso ou fracasso da safra. Destaque de uma das pontas da gangorra de preços, a comida monopolizou as manchetes mas não foi a única a impactar as contas do consumidor. Do outro lado, menos noticiado, aparecem serviços e produtos que têm os preços controlados pelo governo. Esses foram os vilões de 2017.
Os alimentos serviram até de justificativa para o Banco Central ter superestimado a taxa de inflação em suas projeções. O custo de se alimentar em casa recuou quase 5% no ano passado, a maior queda já registrada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE. Não houvesse esse choque extraordinário, o BC estima que a inflação de 2017 teria sido de 4,5% e não de 2,95%.
O golpe de sorte que barateou os alimentos deixou em segundo plano os itens que mais esvaziaram o bolso dos brasileiros em 2017. Nada teve impacto mais negativo sobre as finanças domiciliares do que planos de saúde, gasolina e a conta de luz. E por que pouco viraram notícia?
Entre outros motivos, porque não foram necessariamente os itens que sofreram os maiores aumentos nominais. Considerada apenas a variação de preços, os vilões são o pintado (32,5% de aumento no ano) e a cenoura (18,2%). Há, obviamente, um limite para a quantidade desse tipo de peixe ou dessa hortaliça que as famílias costumam comprar. Raros consumidores gastarão mais com a soma dos dois do que pelo gás que usam para prepará-los.
Para medir os maiores impactos é preciso levar em conta o peso de cada um dos 373 itens na cesta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA, calculado pelo IBGE. A piauí fez a conta. Como o plano de saúde, por exemplo, implica gastos mais vultosos, seu peso é maior. Um aumento de 13,5%, como o registrado, tem efeito 54 vezes mais devastador sobre as contas do consumidor do que a cenoura. O mesmo vale para gasolina, gás de botijão, energia elétrica residencial, taxa de água e esgoto, e ônibus urbano.
Todos esses itens pesam muito no orçamento familiar, aumentaram acima da média em 2017 e são administrados pelo governo. E têm algo mais em comum: vão continuar subindo – em 2018 e além.
Eles refletem as ineficiências da economia brasileira, explica Silvia Matos, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia, o IBRE. Em parte, o encarecimento desses itens se deve a aumentos de impostos e taxas – como ICMS –, decretados para tentar diminuir o tamanho do rombo nas contas governamentais. A outra parte vem da escassez de oferta, como, por exemplo, de energia. Silvia Matos estima que a luz aumentará 10% em 2018.
Sem perspectiva de solução da crise fiscal nem de avanço rápido de investimentos em infraestrutura que aumentassem a disponibilidade de energia elétrica barata, a inflação brasileira continuará dependendo da sorte. Regime de chuvas desfavorável ou a própria retomada da economia são potenciais estopins para mais aumentos de preços administrados, com impacto indireto sobre outros itens que contribuem para a inflação.
“A gente teve muita sorte com os alimentos e com o cenário internacional mas, ao mesmo tempo, sofremos uma recessão brutal”, lembra a pesquisadora do IBRE. A contenção da demanda provocada pelo desemprego em massa também explica, em parte, a inflação excepcionalmente baixa do ano passado. Por isso, se a economia continuar crescendo este ano, as pressões inflacionárias crescerão junto. “Impossível repetir 2017”, diz.
Silvia Matos e seus colegas projetam uma taxa de inflação de 3,8% para 2018: “É muito difícil imaginar um IPCA abaixo de 3,5%” – mesmo com um cenário em que os preços dos alimentos não voltem ao patamar anterior ao do ano passado. Haja feijão.